Mostrando postagens com marcador Política positiva. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Política positiva. Mostrar todas as postagens

07 abril 2022

Curso livre de política positiva: vídeo da 4ª sessão

No dia 29 de março ocorreu a quarta sessão do Curso livre de política positiva, com transmissão ao vivo no canal do Facebook Apostolado Positivista: Facebook.com/ApostoladoPositivista.

Nessa sessão apresentamos, no âmbito da Sociologia Estática de Augusto Comte, a teoria da família.

O vídeo pode ser visto no canal Positivismo (disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=9kiJZwvb2x0) ou no próprio canal Apostolado Positivista (disponível aqui: https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/391232223007541).

A programação completa do Curso pode ser vista aqui.

29 março 2022

Curso livre de política positiva: roteiro da 1ª sessão

Reproduzo abaixo o roteiro da primeira sessão do Curso livre de política positiva, ocorrida no dia 8 de março, transmitida no canal Facebook.com/ApostoladoPositivista e também disponível no canal The Positivism (aqui).

*   *   *

Súmula

Apresentação: justificativa; foco geral do curso; estrutura do curso

Notas sobre a biografia de Augusto Comte e sua época

Preliminares à Política Positiva I: relativismo 

Roteiro

-        Apresentação

o   Apresentação pessoal:

§  Positivista ortodoxo

§  Sociólogo, doutor em Sociologia Política

o   Justificativa:

§  Preocupação do Positivismo com o esclarecimento público e popular

§  Inspiração nos cursos públicos ministrados no século XIX pelos positivistas franceses e no século XX por Luís Hildebrando Horta Barbosa

·         No caso dos positivistas franceses: exemplo do próprio Comte (cursos de filosofia positiva, de Astronomia popular, de Geometria; Associação Livre para a Instrução Positiva do Povo em Todo o Ocidente Europeu); Sociedade Positivista de Ensino Popular

§  Difusão do espírito positivo, conjugando as vistas gerais com vistas de detalhe

§  Importância renovada e ampliada nos últimos anos, com a proliferação e o sistemático uso político da desinformação, do “espírito crítico”, da manipulação dos sentimentos populares e dos golpes publicitários

o   Foco geral do curso:

§  Sociologia Política proposta por Augusto Comte

§  O título – “curso livre de política positiva” – refere-se ao seguinte:

·         O “curso livre” significa que ele consiste no que se pode chamar de “divulgação científica”, ou seja, que busca apresentar elementos teóricos, filosóficos, sociológicos e políticos para o grande público, leigo ou não, acadêmico ou não

·         A “política positiva” refere-se às duas etapas presentes na fase “positiva” da lei dos três estados: é o estudo real da política (em termos analíticos) seguido da avaliação filosófico-moral (sintética) da política

·         Em suma: é um curso público, não institucional, sobre a Sociologia Política desenvolvida por Augusto Comte

o   Estrutura do curso:

§  15 sessões, apresentadas todas as terças-feiras a partir das 19h, com duração de cerca de 45 minutos, seguidas por perguntas (se houver) e respostas

-        Breves comentários biográficos sobre Augusto Comte e sua época:

o   Indicações biográficas: nascimento; ingresso na Escola Politécnica; casamento com Carolina Massin; curso de filosofia positiva; publicação da Filosofia; separação de Carolina; encontro e relacionamento casto com Clotilde de Vaux; Revolução de 1848 e Discurso sobre o conjunto do Positivismo; instituição da Religião da Humanidade e publicação da Política, do Catecismo, do Apelo; a síntese subjetiva; falecimento

o   A época de Augusto Comte: Revolução Francesa destruindo a antiga ordem social, mas sem pôr efetivamente nada no lugar; fim das antigas doutrinas e estruturas, necessidade de novas; oscilação entre retrógrados e revolucionários (ordem e progresso); desenvolvimento das ciências; desenvolvimento da sociedade industrial; necessidade e oportunidade da ciência da sociedade; necessidade e oportunidade de um novo poder espiritual

-        Necessidade de exposição de alguns conceitos preliminares

o   Para entender o Positivismo e a política positiva, é necessário entender vários conceitos preliminares

§  Esses conceitos são “pressupostos”, mas não são meras postulações axiomáticas, como se Augusto Comte tivesse-os tirado de sua cabeça pura e simplesmente; são conceitos históricos, no duplo sentido de que (1) foram elaborados ao longo do tempo e (2) resultam de testes e experiências humanas ocorridas ao longo do tempo

§  Além disso, vale notar que, muito ao contrário do que se afirma geralmente, tais preliminares não são a “metafísica” de Comte, seja porque a metafísica para Comte não corresponde a tais preliminares, seja porque, como indicamos, a metafísica no sentido vago de que “preliminares” ou “pressupostos” geralmente apresenta o caráter de princípios axiomáticos, ou seja, de verdades autoevidentes, a priori e deduzidas como que do nada

o   Proponho duas ordens de preliminares: filosóficas e sociológicas

§  Essas duas ordens evidentemente estão relacionadas entre si (em particular porque a filosofia comtiana é uma filosofia sociológica, da mesma forma que sua sociologia é filosófica), mas elas são suficientemente distintas para serem apresentadas de maneira separada e, mais do que isso, de maneira subsequente uma em relação à outra

§  Nesta aula pretendo apresentar, ou pelo menos começar a apresentar, as preliminares filosóficas; na próxima sessão apresentarei as preliminares sociológicas

§  Os conceitos preliminares que me proponho apresentar não são exaustivos; eles são apenas alguns conceitos que me parecem ser minimamente necessários para que se compreenda a política positiva

o   Preliminares filosóficas: relativismo; historicismo; visão de conjunto, visão de detalhe; objetividade e subjetividade

o   Preliminares sociológicas: descrições e prescrições; escala enciclopédica e graus de generalidade; estática e dinâmica; a síntese subjetiva; o “estado normal”

-        Preliminares filosóficas:

o   Relativismo:

§  Conceito fundamental do Positivismo:

·         Expressado desde o início da carreira de Augusto Comte: “tudo é relativo, eis o único princípio absoluto” (1819)

·         Desenvolvido e aplicado cada vez mais em cada vez mais casos ao longo da carreira

§  “Relacionismo” cognitivo (sensações) e intelectual (relações entre fenômenos)

§  Antiabsolutismo

§  “Subjetivismo social”, relativo ao ser humano em geral à novo antropocentrismo

§  Lei dos três estados:

·         Lei de interpretação intelectual da realidade

·         De caráter qualitativo

·         Em última análise, estabelece a transição entre as concepções absolutas e as concepções relativas


02 março 2022

Curso livre de política positiva

A partir de 8 de março de 2022 (terça-feira), a partir das 19h.

Curso em 15 sessões

Programa:
Sessão 1) Dia 8.3 - Apresentação: justificativa; foco geral do curso; estrutura do curso; Preliminares à Política Positiva I: o estado normal; objetividade e subjetividade; descrições e prescrições; visão de conjunto, visão de detalhe e a síntese subjetiva
Sessão 2) Dia 15.3 - Preliminares à Política Positiva II: relativismo, historicismo; escala enciclopédica e generalidade
Sessão 3) Dia 22.3 - Sociologia Estática I: religião: concepções e regulações gerais da existência humana
Sessão 4) Dia 29.3 - Sociologia Estática II: família e linguagem; os indivíduos
Sessão 5) Dia 5.4 - Sociologia Estática III: propriedade: origem e destinação sociais, gestão individual
Sessão 6) Dia 12.4 - Sociologia Estática IV: poder temporal: a gestão material da sociedade
Sessão 7) Dia 19.4 - Sociologia Estática V: poder espiritual: a orientação moral e intelectual da sociedade
Sessão 8) Dia 26.4 - As relações entre os dois poderes: laicidade, independência, dignidade
Sessão 9) Dia 3.5 - Sociologia Dinâmica I: os três estados da inteligência: teologia, metafísica, ciência e positividade
Sessão 10) Dia 10.5 - Sociologia Dinâmica II: os três estados da atividade: guerra conquistadora, guerra defensiva, paz industrial
Sessão 11) Dia 17.5 - Sociologia Dinâmica I: os três estados dos sentimentos: família, pátria, Humanidade
Sessão 12) Dia 24.5 - A Religião da Humanidade; regulação religiosa da sociedade: concepção do novo Grande Ser; a Trindade Positiva
Sessão 13) Dia 31.5 - A transição própria ao Ocidente: teocracia, Grécia, Roma, Idade Média, duplo movimento moderno, Revolução Francesa; transição final
Sessão 14) Dia 7.6 - República e “ditadura”: presidencialismo de liberdades
Sessão 15) Dia 14.6 - Justiça social: luta de classes; responsabilidade social

03 julho 2020

Positivismo, teorias da conspiração e covid-19



No Brasil, a despeito das crescentes taxas de infecção e de morte pela covid-19, ainda há gente que nega a realidade do problema e, ao mesmo tempo, atribui as medidas de isolamento social e uso de máscara facial a mitos como os “comunistas” e o “globalismo”, estejam eles dispersos no Brasil por meio do “marxismo cultural”, estejam eles concentrados em malvadas instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Essa insistência é a face afirmativa de uma evidente teoria da conspiração: os problemas sociais e políticos ocorrem não devido à dinâmica da realidade, que em grandes linhas é rebelde ao controle humano, mas, justamente ao contrário, eles devem-se à ação intencional e coordenada de alguns poucos indivíduos, localizados em agências-chave e que, por isso, conseguem controlar a sociedade (e até o meio ambiente) como se possuíssem barbantes que controlam títeres. Aliás, nem é necessário que o grupo dos “poderosos” e “dominadores” ocupe de fato postos-chave em órgãos-chave; é até melhor que esses “poderosos” fiquem ocultos e que atuem nas sombras, às escondidas, de tal sorte que os ocupantes de cargos importantes seriam, eles mesmos, meros joguetes nas mãos desses poderosos. Os meios utilizados pelos “poderosos” para controlar seus títeres seriam igualmente secretos e ignorados pelo grande público; podemos apenas supor que devem incluir a subordinação servil, canina, dos dignitários aos “poderosos”; a constituição de redes secretas de amizades e compadrio, que atuariam como canais insuspeitos da transmissão de ordens; a chantagem; a corrupção.

Além disso, as teorias da conspiração levam até as últimas consequências a suspeita sistemática e total contra todos os aspectos públicos e visíveis da sociedade e da política, considerando que os argumentos expressos em discursos e documentos públicos são falsos ou, pelo menos, que eles simplesmente correspondem a idéias gerais utilizadas para o controle e a manipulação do que ingenuamente se chamaria de “grande público”. As “verdadeiras” idéias não seriam públicas e, por isso mesmo, sendo reservadas ao pequeno e secreto grupo dos “verdadeiros” “poderosos”, seriam egoístas, dissimuladoras, maléficas – em uma palavra, seriam “malvadas”.

Os adeptos das teorias da conspiração caracterizam-se, portanto, por uma dúvida não “sistemática” (como a preconizada pelo grande René Descartes), mas por uma dúvida patológica: nada é o que se diz, tudo é falso e manipulado. O curioso é que as únicas pessoas que “sabem” que tudo é assim são alguns indivíduos que, heroicamente, por acaso têm esse conhecimento todo. Não sou psicólogo, mas com certeza os adeptos das teorias da conspiração devem caracterizar-se por algum desvio de caráter, além de, evidentemente, desvios cognitivos.

O problema é que os adeptos das teorias da conspiração de verdade não “sabem” de nada; no máximo eles têm apenas um violento e invencível ceticismo generalizado. Por que eles não “sabem” de nada? Porque, além das suspeitas sistemáticas e das acusações de manipulação e conspiração, eles não são capazes de afirmar nada sobre nada. Seja devido à sua estrutura moral-intelectual (que rejeita a concepção e a prática da confiança generalizada, própria aos indivíduos sãos), seja devido à constituição específica de suas crenças, os adeptos das teorias da conspiração são incapazes de apresentar provas e fatos de suas afirmações. Em outras palavras, eles são sempre e necessariamente incapazes de ter, ou de produzir, conhecimentos científicos; eles têm apenas puras crenças.

Como há mais de 200 anos dizia Augusto Comte – o fundador da Sociologia, da Moral Positiva, da História das Ciências e da Religião da Humanidade –, a política moderna tem que ser uma política “positiva”, ou uma política “científica”. Com isso ele não queria dizer que a política deve ser feita, por exemplo, a partir de programas de computador, ou que os indivíduos devem agir como autômatos; bem ao contrário, a concepção positivista de política científica consiste em a política basear-se nos conhecimentos positivos (científicos), mas não se reduzir a eles; em outras palavras, realizando com clareza meridiana a separação entre a teoria (científica) e a prática (político-social). Nesses termos, as investigações sociais são distintas da ação política e cada uma dessas atividades tem suas próprias particularidades, que devem ser respeitadas mutuamente.

O objetivo da política positiva é abandonar a situação prévia à fundação da Sociologia, em que se desenvolvia o que Augusto Comte chamava de “política empírica”. “Empírico”, nessa expressão particular, não significa o conhecimento factual e teórico da realidade, mas a ação que se realiza às cegas, sem parâmetros sociais, políticos, técnicos e morais para guiá-la, mas apenas o entrechoque das paixões e dos interesses dos vários grupos sociais. A roupagem contemporânea da necessária política científica afirmada por Augusto Comte consiste largamente no que se chama de “políticas públicas”, que são ações realizadas e/ou coordenadas pelo Estado, com ou sem apoio ou auxílio da sociedade civil, com vistas a orientar o desenvolvimento social em direções julgadas necessárias e corretas. Essas políticas públicas, além disso, caracterizam-se por outro aspecto estabelecido pelo fundador do Positivismo: a publicidade de todas as decisões, a que se associa a moralidade delas.

A proposta de política científica do Positivismo, portanto, rejeita liminarmente as teorias conspiratórias – seja porque exige o conhecimento da realidade cósmica, social e humana, seja porque ela deve ser feitas às claras (com a indicação expressa de quem são os seus responsáveis, quais as metas, quais os procedimentos adotados etc.), seja porque ela baseia-se sempre no assentimento e na confiança públicos.

Feitas essas considerações todas, podemos voltar às fatigantes suspeitas sistemáticas das teorias conspiratórias contra os procedimentos de isolamento social recomendadas para o combate à covid-19. Os adeptos das teorias da conspiração afirmam que a covid-19 não é tão perigosa quanto parece; que há um falseamento nos dados de infecção e de morte; que as medidas de isolamento social, de restrição de movimentação nos espaços públicos e de uso das máscaras faciais são no mínimo exageradas (quando não “totalitárias”); que todos esses erros e exageros são propositalmente difundidos pelos “comunistas”; que essas medidas estão a serviço do “globalismo”; que esse “globalismo” seria a versão para consumo internacional do que o “marxismo cultural” seria a versão para consumo interno; que instituições como a OMS são agentes do “comunismo globalista”.

Como observamos acima, todas essas suspeitas baseiam-se na rejeição sistemática da confiança pública. Entretanto, deixando de lado o aspecto moral, ou melhor, o aspecto psicopatológico dessa disposição, cabe avaliar se elas correspondem à realidade; em outras palavras, é necessário transformar as suspeitas (ou melhor, as certezas) acima em hipóteses de pesquisa. Os instrumentos intelectuais e físicos para realizar tais investigações existem há muito, muito tempo e a cada dia que passa são mais desenvolvidos e refinados; eles envolvem investigações biológicas, clínicas e epidemiológicas, por um lado, e históricas, antropológicas, políticas e sociológicas, por outro lado.

Vejamos:

-        quais as taxas “reais” de infecção do coronavírus-2 e de letalidade da covid-19?

-        Se os dados “reais” de infecção e letalidade são falseados, quem realiza tal falseamento e com quais objetivos?

-        Se os dados “reais” de infecção e letalidade são falseados, quais são os dados “reais” e como os obter?

-        Se os procedimentos recomendados para o combate à covid-19 são inadequados, quais seriam as alternativas? Adicionalmente: com base em quais estudos essas alternativas foram propostas e testadas?

-        Se os procedimentos recomendados para o combate à covid-19 são “totalitários”, quais seriam os procedimentos de combate que respeitariam as liberdades? Adicionalmente: como é que os países efetivamente totalitários estão lidando com a covid-19? Como é que os países não-totalitários estão lidando com a covid-19?

-        Se os problemas anteriores são difundidos pelos “comunistas”, quem seriam esses “comunistas”? Por quais meios? Com quais objetivos? Quais os seus valores? Onde eles reúnem-se? Desde quando o “comunismo” está em operação?

-        Se os problemas anteriores estão a serviço do “globalismo”: qual a relação do “globalismo” com o “comunismo”? Quem seriam os defensores e os promotores do “globalismo”? Desde quando o “globalismo” está em operação? Por que o “globalismo” seria a versão internacional do que o “marxismo cultural” seria a versão nacional? Como o “globalismo” é capaz de ser “comunista” mas enganar todos, urbi et orbi, travestindo-se de “capitalista”? Como e por que os “verdadeiros” “capitalistas” deixam-se enganar pelo “globalismo”?

-        Se as instituições internacionais estão a serviço do “globalismo”: por que somente a OMS aparece como “globalista”? Quem são, efetivamente, os aderentes e os promotores do globalismo nas instituições internacionais, começando pela OMS mas incluindo necessariamente aí a ONU, a OEA, o FMI, o BIRD, o BID, a OTAN, a OPEP etc.?

-        Por fim, mas de maneira central: se tudo isso é apenas fachada para os “verdadeiros” poderosos: nominalmente, quem são esses “verdadeiros” poderosos? Por quais meios eles agem? Quais os seus interesses? Como se dá a relação entre os “verdadeiros” poderosos e os títeres que aparecem em público?

-        Se os “verdadeiros” poderosos não se apresentam em público, como é que os adeptos das teorias conspiracionistas chegaram a conhecê-los e a seus projetos?

-        Se os “verdadeiros” poderosos não se apresentam em público e controlam os agentes públicos como títeres, qual a efetiva relevância desses agentes públicos? Não seriam tais agentes públicos, mesmo os adeptos das teorias conspiratórias, simples títeres dos “verdadeiros” poderosos?

A investigação das hipóteses acima não é algo simples nem fácil; por isso, muitas respostas podem ser obtidas por meios indiretos (por meio de variáveis proxy), o que torna as respostas menos satisfatórias e, portanto, deveria tornar as próprias assunções conspiracionistas mais suaves. Mas o que importa notar, de qualquer maneira, é que ao transformar as assunções conspiracionistas em hipóteses a serem testadas, a completa vagueza das conspirações tem que, necessariamente, ceder lugar para descrições concretas e feitas com objetividade, em todo o universo sob análise (isto é, todos os países do mundo), a partir da aplicação coerente e sistemática de procedimentos que sejam sujeitos à avaliação pública.

Por outro lado, embora não seja tão evidente à primeira vista, o fato é que a investigação das hipóteses acima constitui apenas o passo inicial da pesquisa; o passo seguinte consiste em que se deve avaliar se a realidade criticada pelos conspiracionistas seria de fato inferior ao que eles subrepticiamente defendem em seu lugar; em outras palavras, trata-se de uma avaliação moral das críticas dos conspiracionistas. Para ficarmos em um exemplo simples, fácil e fundamental: se o “globalismo” é prejudicial, por acaso a revalorização do nacionalismo unilateralista seria benéfica? A chamada globalização, em curso acelerado desde os anos 1990, aumentou a interdependência de todos os países uns com os outros: mesmo que fosse possível reverter esse processo (o que dificilmente seria factível), será que ele beneficiaria as pessoas? Problemas transnacionais como as mudanças climáticas, as migrações internacionais, os fluxos financeiros especulativos e – é impossível não nos referirmos a isto – a pandemia podem efetivamente ser tratados isoladamente pelas centenas de países do mundo, cada qual com seus recursos limitados, com a sobreposição brutal de atividades e a total falta de coordenação? Além disso, é claro que também fica em aberto a questão sobre quem seria beneficiado pela reversão do mundo integrado à colcha de retalhos nacionalista: por certo que em um primeiro momento alguns países seriam bastante beneficiados (em particular os grandes países, isto é, as nações mais ricas), mas esse benefício com certeza declinaria com o passar do tempo e, no final das contas, o conjunto da Humanidade sairia perdendo, devido à difusão da miséria e do sofrimento. Questões e raciocínios semelhantes podem e devem ser aplicados a todas as suspeições conspiracionistas indicadas acima; os seus resultados morais devem ser igualmente desastrosos.

Estas longas reflexões servem apenas para evidenciar o quanto as teorias da conspiração são intelectual e moralmente defeituosas; na verdade, elas são verdadeiras patologias morais. Enquanto escrevemos, o mundo está literalmente em meio à pandemia de covid-19; as teorias conspiratórias não somente não fazem nada para ajudar a combater essa pandemia, como pioram ativamente o ambiente social e moral e minam, também ativamente, os esforços envidados mundo afora para resolver essa gravíssima crise.

Augusto Comte definia a palavra “positivo” como tendo sete sentidos: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático; o conjunto desses atributos constitui o verdadeiro espírito positivo. Tanto as teorias da conspiração como as crises vinculadas à covid-19 (moral, sanitária, política e econômica) somente podem ser solucionadas com espírito positivo.

24 fevereiro 2020

Hernani Gomes da Costa: "Comentários a 'O momento comtiano'"

Comentários a O momento comtiano – República e Política no Pensamento de Augusto Comte, de Gustavo Biscaia de Lacerda

Hernani Gomes da Costa 

Desejo expressar aqui toda a minha satisfação pela recente leitura que fiz d’O momento comtiano, elaborado pelo meu amigo Gustavo Biscaia de Lacerda (e por ele defendido inicialmente como tese de doutorado há uma década) em 2010.



Se algum valor especial deve-se dar aos comentários de quem por cinco anos realizou as conferências dominicais no Templo da Humanidade (e de quem por 14 anos – desde 1986 até 2000 – envolveu-se nas alegrias e sobretudo nos dissabores daqueles que vieram a ser os últimos anos de vida do movimento positivista no Rio de Janeiro) então, não parecerão deslocados os meus esforços para, de novo tentar sorrir em gratidão àquilo que eu só posso chamar de um verdadeiro ACONTECIMENTO.

Com efeito, por tudo quanto me foi dado compreender do ideário político do positivismo, eu penso que seja a partir dessa obra, que o exame de tal programa alcançou enfim – entre nós e no resto do mundo – sua plena maturidade; com toda a liberdade e responsabilidade que tal maturidade encerra.

Ela alcançará, estou certo, um merecido lugar de destaque junto às seletas produções intelectuais que, embora vindas do meio acadêmico e a ele destinadas, obtiveram pela força irresistível de seu encanto, de sua verdade, de sua utilidade – e mesmo de sua incidental beleza – um destino bem maior que o comportável por aquelas estreitas e, por vezes, tão mesquinhas fronteiras.

Eu diria mesmo que tornou-se hoje IMPOSSÍVEL realizar-se um exame vasto e profundo da TOTALIDADE das concepções políticas do fundador da sociologia[1] sem uma longa estadia em suas páginas. Mais do que uma obra de referência ela se firmará, pois, como uma sorte de crivo para discernir – dentre a nova safra de comentadores do positivismo – os honestos e competentes, dos que não o são. E a julgar pela felicidade com que o autor soube esgotar seu tema, eu acrescentaria que ele conseguiu – decerto sem o desejar e disso suspeitar – não só tornar por muito tempo desnecessárias quaisquer outras produções que no mesmo sentido ainda venham a ser tentadas; quanto – ousaria dizê-lo – permitir ao leitor dispensar-se (se assim o desejar) de um contato direto com a grande obra sociológica de Comte, ao menos para tudo quanto refira-se especificamente aos ideais políticos do positivismo.

Até aqui, os comentários sobre as idéias de Comte padeceram sob o jugo de dois graves estorvos: considerando-se que sua obra capital (A Política Positiva) ainda não existe em português, os pretendentes a comentadores que não dominam seu idioma original (mas que ainda assim insistem em tomar o positivismo como alvo de suas especulações) acabarão cedo ou tarde frente a um dilema. Ou eles necessitarão buscar como fontes primárias, textos que por sua ortodoxia estejam a salvo de qualquer suspeita quanto a não espelharem o mais fielmente os reais pontos de vista de Comte – e então NÃO HAVERÁ ALTERNATIVA senão destilarem – das mais de quinhentas publicações do Apostolado Positivista do Brasil – a quintessência da doutrina; ou, então – se renunciarem a isto – precisarão adentrar, sem muito critério e mesmo sem maiores escrúpulos, num verdadeiro dédalo (por vezes sedutor, diga-se) de sinopses superficiais, condenatórias e truncadas, vindas das mais variadas linhas de pensamento, e de autores que estiveram bem longe de VIVER tudo quanto pretenderam criticar. Perdidos nesse labirinto e embriagados pelos muitos brilhos, matizes e contrastes de tais obras, os estudiosos não disporão de outro meio de se situar, senão guiando seu caminho por entre aquelas ditas “mais consagradas” o que, na verdade, seria o pior que poderiam fazer: longe de constituírem-se no que há de mais seguro sobre a vida e os escritos de Comte, elas costumam representar apenas um farto e desconexo lote de preconceitos e de mal entendidos a partir dos quais seus autores lançam-se a arrojadas extrapolações tanto mais desembaraçadas quanto mais inconsequentes, o que (além das graças naturais de um estilo brilhante) é tudo quanto basta para erguerem-se mais alto que suas congêneres mais modestas e menos desonestas.

Mas antes que me acusem de “vitimizar” o positivismo frente ao julgamento desses intérpretes oficiais do pensamento universal, apresso-me em dizer que tal situação não se restringe às idéias comtianas. Longe disso, confusões dessa natureza parecem ferir em maior ou menor grau a todos os filósofos, muito particularmente aos criadores de grandes sistemas largamente fundamentados em informações históricas e em fatos colhidos das ciências naturais. Assim, por exemplo (e apenas para citar um antagonista – igualmente sistemático – de Comte) eu estou certo de que a recente edição em cinquenta volumes, da obra completa de Marx haverá de deslindar outras tantas distorções semelhantes às ocorridas com o positivismo; distorções que não raro determinaram o pesado fardo de adesões a este (e ao materialismo dialético) por motivos opostos aos de tudo quanto uma e outra destas duas doutrinas sempre se propuseram como mais fundamental; e tendo como implicação direta disto a aproximação maciça a elas, de pessoas que apenas vieram desmentir na prática seus princípios em nome deles, e tanto mais, quanto mais prontificaram-se em louvá-los, justificá-los e aplicá-los à vida. Esta me parece, sobretudo hoje, uma dificuldade grave e generalizada; que inclusive ameaça abalar a estrutura do próprio ensino da filosofia, da história, da sociologia e da psicologia como um todo; dificuldade que tanto mais se aprofunda quanto mais fácil torna-se em aparência a comunicação humana, mediante os recursos que a internet quase nos obriga a utilizar.

Acrescente-se que a opção por comentar uma obra tomando-se por matéria-prima outros comentários (ao invés dos textos do próprio autor) não se deve apenas àqueles inconvenientes citados, mas a certos hábitos intelectuais que, por assim dizer, imperam no mundo acadêmico os quais persistiriam mesmo se todas as facilidades ao acesso dos textos originais lhes fossem oferecidas[2].

Chegamos até a pensar que não se deseja nunca aí, a que nós leitores fiquemos em igualdade de condições com os comentadores; e que, bem ao contrário, eles fazem de tudo para deixar claro o quanto julgam-se dispensados de nos fornecer os mais amplos trechos de suas vítimas, em abono ao que contra elas nos mostram como peças de acusação. E tudo quanto, na falta disso, nos oferecem por magra indenização é apenas uma fastidiosa bibliografia (que a rigor poderia desdobrar-se indefinidamente não nos dando, aliás, segurança alguma de haver sido lida) na qual as obras do autor apenas mereceram, quando muito, o duvidoso privilégio de aí constarem à parte e em primeiro lugar. Eis como é que a leitura de um comentário acadêmico vem se tornando cada vez mais o exercício de uma fé tão ingênua quanto mal investida.

E se completarmos esse quadro com o fato de que a tendência aí é a de só depositar confiança, e a de só creditar imparcialidade a opiniões oferecidas sob uma ótica desfavorável, teremos compreendido como foi que tantos trabalhos sem o menor valor teórico puderam impunemente ganhar fama e mesmo um número maior de edições que a própria obra original que souberam explorar, conquanto apresentassem críticas que um mero cotejo com estas tê-las-ia inutilizado. Tal é (para citar um exemplo típico disso que entre nós se tornou quase um gênero de literatura filosófica) um dos mais detestáveis livrecos já escritos sobre (?) as doutrinas comtianas e que consta de nada menos de dez edições: o volume 72 da coleção Primeiros Passos O que é o Positivismo, de João Ribeiro Jr.

Ora, da mesma forma como procedemos quando nos vemos acusados injustamente (quando então de pronto cobramos pelas devidas comprovações do que nos está sendo imputado) deveríamos também agir requerendo e mesmo EXIGINDO de um comentarista filosófico as provas cabais do que afirma; sob pena de cairmos vítimas (ou de nos entretermos) com calúnias. E que outra evidência maior poderia haver, nesse sentido, que uma boa coleção de trechos do próprio autor cujo pensamento se intenta apresentar? E como não ver como incompleto (para dizer o mínimo) um exame sem o próprio objeto do que é examinado?

No entanto, parece que a lógica torna-se bem outra quando o caso não nos toca diretamente e quando aquelas afirmações gratuitas são de uma natureza mais intelectual que moral: desde que não nos sejam oferecidas no calor das discussões (mas sob a distante e respeitável forma de livros, teses e comentários) e desde que os autores já tenham há muito falecido (como é o caso da maioria daqueles sobre os quais a crítica acadêmica recai) não podendo reivindicar direito algum de resposta, mesmo judicial; então não há limites à covardia, tudo torna-se válido e o crime perfeito. Descortina-se o campo da boataria inteiramente livre e desimpedido como em nenhum outro setor[3].

Eu devi insistir tanto sobre esse único ponto, tendo em vista que uma das diferenças mais flagrantes a quem apenas folheie O momento comtiano é o grande número de citações que o autor faz ao filósofo[4] fora e dentro do texto. Não há praticamente uma só página onde, para nosso conforto e segurança, não sejamos brindados com elas. Ora, se APENAS nesse único bom exemplo – se apenas nessa única lição – pudesse residir todo o legado desta obra, somente isso bastaria para muito elevar-se o nível geral dos textos acadêmicos no Brasil.

Aliás, com a exceção de um trabalho de natureza introdutória – A república positivista– do meu amigo Arthur Virmond de Lacerda; O momento comtiano, insisto, oferece COMO NENHUMA OUTRA obra sobre o ideário político de Comte essa preciosa garantia teórica: a de não haver JAMAIS resvalado em concluir algo que já não estivesse contido na generosa coleção de passagens do filósofo, num constante e tocante escrúpulo a que ambos os autores ativeram-se, a fim de não trair o pensamento de seu mestre comum, aplicando – já à elaboração mesma dos textos – a máxima positivista de que “todo progresso é o desenvolvimento da ordem correspondente”. Ora, são estas constantes citações que revestem – tanto O momento comtiano quanto (o que acabou por se tornar o seu natural prelúdio) A república positivista – dessa autoridade única; impossível, aliás, sob quaisquer outras circunstâncias.

Mas eu não devo limitar-me apenas ao impacto d’O momento comtiano junto ao mundo letrado. Se como exposição geral e teórica ele já se faz oportuno; são, por outro lado, esses nossos tempos nada comtianos que o tornaram, por assim dizer, indispensável. E se a exigência dos espíritos preocupados com os destinos humanos deve incliná-los a uma especial atenção aos grandes quadros de referência concebidos para o entendimento dos fenômenos sociais (e se é, inclusive, por conta dessas angústias, que devemos a invasão por vezes irritante às prateleiras das livrarias, de uma avalanche de todo tipo de obras de discussão político-ideológica) O momento comtiano oferecerá para além daqueles quadros teóricos mais difundidos – mas sempre como consequência da consistente adoção de UM deles – e para além daquelas apreensões e daquele caos de opiniões desencontradas; uma singular, enérgica e otimista resposta frente a urgências práticas de toda sorte.

Com estas páginas, o Brasil acha-se, enfim, munido de um instrumento (quase ia dizendo de uma arma) com a qual tornamo-nos capazes de entrar na arena desses confusos debates, confiantes do sucesso junto à tarefa tornada imperiosa de apresentar o positivismo pelo que ele verdadeiramente é; e COM ISSO desnudar todo o cinismo de um governo que profana as cores e a divisa da bandeira nacional até pervertê-las no seu exato inverso, invocando-as como se estas pudessem representar – ou ter alguma vez representado – uma espécie de subliminar convite à tirania.

Ora, se como eu espero, O momento comtiano alcançar a tempo todo o sucesso que merece (o que dependerá apenas de uma boa difusão) isso determinará inclusive a que esses fascistas vejam-se forçados doravante a combater o positivismo comtiano com uma ferocidade igual – senão maior – àquela com a qual dedicam-se a combater o que confusamente denominam “comunismo”, para maior honra de ambos os sistemas. Nós veremos então, como é que estes mesmos fascistas que tão camaleonicamente travestem-se de verde-e-amarelo e cujos discursos estão sempre tão transbordantes de “ordem e progresso” ver-se-ão forçados – tão logo sintam-se seguros de sua ALIANÇA PELO BRASIL – a arrancar da bandeira aquele lema, em prol de algum malsoante dístico teológico de última hora, ou mesmo de algum versículo bíblico ostensivamente teocrático; coisa que (eu não duvidaria) talvez já conste de um dos secretos itens da pauta desse “novo” partido.

Mas se uma obra tão inocente como O momento comtiano (inocente no sentido de não haver sido concebida para fins de polêmica) pode nos servir de modo tão eficaz como meio de luta, isso é algo a que devemos atribuir antes de tudo à sua natural universalidade. De fato, dentre seus muitos méritos paralelos, está o de nos oferecer a mais completa relação dos erros até hoje já alinhados contra o positivismo. Ora, são exatamente esses erros que, uma vez trazidos à luz e destruídos, desfazem de vez qualquer tentativa ignorante ou malévola de ressuscitar a falsa afinidade e o falso vínculo que se forjou entre o golpe de 1964 e o positivismo. Decerto O momento comtiano haverá de complicar bastante o ofício de todos que ainda imputam ao ideário comtiano o desastre político em que chafurdamos, o qual segundo nos querem fazer crer, não passaria de um híbrido teratológico entre o oportunismo evangélico da criatura que hoje habita o Palácio do Planalto – última dejeção gestada por aquele golpe – com o positivismo, representado iconograficamente pelas cores e pelo lema sociológico inscrito na bandeira nacional.

Assim, O momento comtiano é essa obra por excelência que nos ajudará como povo, a arrancar o véu verde-e-amarelo desse tenebroso personagem e de seu séquito, a fim de revelar quais são as suas verdadeiras cores, que aliás ninguém – talvez, no fundo, nem eles mesmos – saibam.

O momento comtiano auxiliará pois, não só a aprofundarem-se as opiniões dos simpatizantes da doutrina positivista (e dos que desejam estuda-la a sério) como a robustecer os ideais de todos que, fora dela, prezam a justiça histórica, a liberdade de ensino, as liberdades civis e de expressão, a laicidade do estado, a transparência da administração da coisa pública, a defesa das tradições, crenças, cultura e territórios indígenas, o internacionalismo, a fraternidade inter-racial, o congraçamento universal de todas as pátrias em torno da Humanidade (ao invés do “Brasil Acima de Tudo”, simples transposição do Deutschland Über Alles) a igualdade de oportunidades, a condenação do trabalho infantil e juvenil; dentre tantas outras grandes causas – todas, diga-se, tornadas em tempo real, tema de intervenção dos apóstolos positivistas Miguel Lemos e Teixeira Mendes – e todas, agora, sistematicamente afrontadas e ameaçadas pelo atual governo fascista.

Tendo sido vista a importância teórica e prática d’O momento comtiano, cumpre ainda uma última observação antes de comentarmos O momento comtiano capítulo a capítulo.

Será preciso agora tentar compreender as razões e o significado de não haver disposto o Brasil, até aqui, de textos dessa envergadura, embora a carência por algo assim já devesse ter sido sentida há muito. De fato, como entender essa lacuna, decerto involuntária, que acabou por se tornar desde a morte de Teixeira Mendes em 1927, um longo mutismo?

Penso que seria preciso ir buscar as raízes de tal fenômeno no próprio perfil psicológico de uma organização religiosa, e nas dificuldades especiais que estas encontram diante do NOVO, ou mesmo do simplesmente DIFERENTE.

Lembremo-nos que nem Miguel Lemos nem Teixeira Mendes desejaram realizar nada além de simples comentários episódicos sobre a doutrina que professavam. Tudo quanto propuseram-se a oferecer por escrito, resumiu-se a tentativas de aplicá-la (sem criticá-la ou mesmo aperfeiçoá-la) como articulistas atentos que eram da realidade nacional; ilustrando-a com fatos de seu próprio tempo e lugar considerados como de maior peso e repercussão social e política.

Outrossim, o que eles desejaram ACIMA DE TUDO com isso, foi estimular a que seus leitores voltassem suas atenções PARA A OBRA DE COMTE; obra que então, diga-se, ainda conseguia corresponder a algo mais legível do que hoje, quer devido às peculiaridades do estilo do filósofo (tornado cada vez mais distante daquele que acabou prevalecendo) quer à então maior popularidade da língua francesa entre nós.

Foi assim que – bem ou mal a propósito – os apóstolos decidiram-se POR PRINCÍPIO a evitar audaciosas expedições teóricas, na forma de longas TESES ou TRATADOS; coisa que seria, segundo criam, a usurpação de um trabalho genuinamente reservado aos efetivos críticos e aperfeiçoadores da doutrina (os sacerdotes da Humanidade). Duas únicas exceções a isso foram a Filosofia Química e as Últimas Concepções de Augusto Comte, ambas de autoria de Teixeira Mendes, correspondendo às duas únicas ocasiões em que optou-se por aquilo que, tornado frequente, teria de fato correspondido a uma verdadeira “tentação” a ser religiosamente evitada... Tentação a qual o meu amigo Gustavo teve o bom senso de sucumbir...

Assim quando os apóstolos faleceram, tudo quanto restou à Igreja além do vazio pela perda de dois dedicadíssimos propagadores, foi de um lado, uma tentativa canhestra de manter aquela tradição em apenas compor pequenos folhetos de ocasião e, de outro, uma espécie de preconceito contra quem sonhasse mais alto: “se NEM MESMO os apóstolos julgaram-se capazes de escrever tratados sociológicos... que diremos nós”...

Mas apesar de todo o virulento contágio com o qual aqueles limites auto impostos por Lemos e Mendes acabaram por involuntariamente paralisar a produção teórica de todo o grêmio da igreja, pode-se dizer que há mais aparência que verdade na afirmação de que jamais houve um tratado sociológico positivista entre nós: de fato, se rastrearmos com paciência o conjunto daquela vasta coleção apostólica decerto reaveremos (e mesmo recomporemos) a totalidade das teorias políticas do positivismo, representadas de pleno, e em seu mais puro estado; coisa que, porém, não se obterá jamais a não ser como o prêmio de contínuos, complicados e demorados esforços; aqueles mesmos, diga-se, que o PRIMEIRO TRATADO BRASILEIRO DE SOCIOLOCIA POSITIVA, o nosso MO(NU)MENTO COMTIANO vem hoje (afinal!) tornar inúteis...

Isto posto, passemos agora ao exame detido de cada um de seus capítulos.

(Continua.)



[1] Há uma crítica renitente, injusta e no fundo tola segundo a qual Comte não teria fundado a Sociologia porque não teria feito pesquisas sociológicas... evidentemente, para nós, isso é tolo, mas o que está subjacente é que Comte não teria feito pesquisa “com pranchetinha”, surveys. Ora, bastaria que se lesse os volumes 4 a 6 do Sistema de filosofia positiva ou 2 e 3 do Sistema de política positiva para saber-se o quanto isso é tolo; mas, ainda assim, esse preconceito existe e é largamente difundido. Uma caracterização (sem maiores esclarecimentos) de Comte como o criador de um sistema “abstrato” subrepticiamente pareceria apoiar essa tolice.

[2] Entre esses hábitos temos o excessivo espírito de detalhe e a cisão entre “científico” e “empírico”, de um lado, e o “filosófico” e “abstrato”, de outro. Ora, em Comte científico e empírico andam de mãos dadas com o filosófico e o abstrato, sem que seu sistema recaia em um desprezível “empiricismo”. Essa é, aliás, uma das suas principais características que o distanciam do academicismo e o tornam tão estranho aos hábitos acadêmicos. Quanto ao excessivo espírito de detalhe, vale notar que a Sociologia de Comte é a ciência geral da sociedade; as divisões acadêmicas atuais, tão sofregamente buscadas, entre Sociologia da Religião, da Política, Política, da Linguagem, histórica, institucional etc. etc. etc., além da Antropologia (vista como ciência à parte da Sociologia!) e da Ciência Política (vista como se tivesse existência autônoma em relação à Sociologia!) – todas essas divisões são vistas exatamente como divisões, em que o espírito analítico desenvolve-se sem freios e em que o caráter ao mesmo tempo social e histórico do ser humano perde-se radicalmente. A falta de eficácia social da Sociologia, entendida como ciência geral da sociedade, deve-se, aliás, em larga medida à sua fragmentação, à ciosa divisão acadêmica em dezenas de especializações. Desenvolvida por esse mesmo espírito analítico encontra-se também a Ciência Política cindida em “Ciência Política”, destinada à política interna, e “Relações Internacionais”, dedicada à política internacional. Aí é necessário criar modelos que consigam restabelecer a unidade da política e da sociedade, entre os âmbitos interno e externo. Ora, isso foi exatamente essa cisão o que Comte procurou evitar.

[3] Começamos mesmo a ver hoje, no cenário das discussões políticas, o reflexo direto de tal situação. Na prática a boataria filosófica e seus verdadeiros institutos para a produção e desenvolvimento de fofocas oficiais tornaram-se hoje um problema insolúvel. O contra-ataque a essas forças tão rápidas e numerosas exigiria não só um contingente semelhante de defensores, como o uso de estratégias eticamente questionáveis. À era dos falsos argumentos, representados pelos antigos sofistas, sucede-se hoje a era ainda mais odiosa e estúpida dos falsos fatos representados por robôs replicantes de Fake News.

[4] Embora em diversos momentos desses comentários eu devesse observar que Comte foi um filósofo, e que sua obra é filosófica, isso EM ABSOLUTO deve ser interpretado como uma forma de diminuir ou obscurecer o caráter sociológico e político de suas contribuições teóricas. Aliás, a universalidade do conhecimento teve em Comte o seu último verdadeiro cultor. E embora em sua época a separação entre “cientistas” e “filósofos” já estivesse bastante consagrada (não à toa Miguel Lemos criou em português a palavra “cientista”, na tradução do Apelo aos Conservadores), Comte faz considerações filosóficas sobre afirmações científicas tanto quanto, inversamente, considera do ponto de vista científico afirmações filosóficas. 

07 novembro 2019

Novo livro: "O momento comtiano"

A Editora da UFPR está lançando o livro O momento comtiano: república e política no pensamento de Augusto Comte, de minha autoria.

É a mais completa obra em português abordando o pensamento político de Augusto Comte, sendo, portanto, referência obrigatória em todo e qualquer curso de teoria política, filosofia política, ciências sociais, história das idéias.

Muito mais do que uma obra acadêmica, esse livro faz-nos refletir sobre a nossa época, em que a ordem e o progresso insistem em digladiar-se, para prejuízo mútuo. Em face disso, o livro consiste em uma contribuição inestimável e fundamental para os nossos debates contemporâneos, ao examinar e aprofundar a proposta comtiana, ou positivista, de união radical e da superação da oposição entre a ordem e o progresso.

O livro pode ser adquirido aqui.

Fonte: https://www.editora.ufpr.br/produto/405/momento-comtiano,-o--republica-e-politica-no-pensamento-de-augusto-comte

19 janeiro 2016

19 de janeiro, nascimento de Augusto Comte

19 de janeiro, nascimento de Augusto Comte, o fundador da Sociologia e da Religião da Humanidade





Primeiros anos

Em 19 de janeiro de 1798 nascia na cidade de Montpellier, no Sul da França, Isidore Auguste Marie François Xavier Comte – ou, como passou a chamar-se mais tarde, apenas Augusto Comte. Ainda adolescente, mudou-se para Paris, aonde foi estudar na Escola Politécnica; mas, devido ao clima político, que freqüentemente resultava em sérios problemas com a disciplina militar da Escola, foi obrigado a sair dela. Enquanto estudou lá, todavia, leu avidamente História, Filosofia, Moral e as várias ciências – interesse que manteve e desenvolveu ao longo da vida.

Fonte: https://www.wisepay.co.uk/store/generic/template.asp?ACT=nav&mID=147733.

Objetivo na vida: reformar a sociedade

Tornou-se professor de Matemática para ganhar a vida, mas sua preocupação fundamental era entender as profundas mudanças sociais, políticas e intelectuais por que passava a França e a Europa: Revolução Francesa, guerras napoleônicas, Revolução Industrial, miséria crescente, avanços científicos. Assim, elaborou e realizou o projeto de entender cientificamente a sociedade e o desenvolvimento histórico humano; para isso, após examinar historicamente as características de cada uma das ciências existentes até então – Matemática, Astronomia, Física, Química e Biologia –, criou a ciência da sociedade, a Sociologia.

Política positiva

Mas enquanto a Sociologia estuda a sociedade, esse estudo tem que ser aplicado na prática, para evitar, solucionar ou diminuir os problemas e conflitos que a sociedade enfrentava. Foi por esse motivo que Augusto Comte, com base nas pesquisas da Sociologia, passou a propor uma série de medidas e sugestões, no que chamava de "política positiva", entre as quais podemos citar as seguintes:
·         inclusão social dos trabalhadores
·         valorização das mulheres
·         responsabilidade social dos empresários
·         fim das guerras
·         instrução pública e popular
·         fortalecimento da sociedade civil
·         controle social do governo
·         afirmação dos deveres sociais mútuos

Uma nova ciência: a Moral Positiva

O conjunto dessas medidas resultava na valorização do altruísmo, isto é, nos esforços que cada indivíduo e cada grupo deve fazer em benefício dos outros indivíduos e grupos, no sentido de controlar e diminuir (mas não acabar com) o egoísmo. Isso implica esforços sociais e individuais, de modo que não apenas o conhecimento profundo e científico da sociedade é necessário, mas também o do ser humano individualmente tomado: assim, Comte criou também a ciência que estuda os indivíduos e os processos de educação, ou seja, a Moral Teórica (a "Psicologia") e a Moral Prática (a "Pedagogia").

A religião do altruísmo e da paz: a Religião da Humanidade


O conhecimento do ser humano é dado também pela ciência, mas o ser humano é uma totalidade, que engloba os sentimentos, a inteligência e as ações práticas, tanto individuais quanto coletivas, tanto hoje quanto ontem e amanhã. A ciência tem sempre perspectivas parciais e o ser humano precisa de perspectivas de conjunto: daí a necessidade da Filosofia e das Artes, que devem ser integradas e servir de base para Ciência e a Política. Esse conjunto, que valoriza o ser humano e o altruísmo, foi chamado por Augusto Comte de "religião" – e, portanto, daí surgiu a Religião da Humanidade, que é a grande síntese da obra de Comte e o maior ideal a que podemos aspirar.