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12 março 2024

O altruísmo é sempre apenas a satisfação do egoísmo?

No dia 16 de Aristóteles de 170 (12.5.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, agora em sua décima conferência, dedicada ao regime privado.

Na parte do sermão, devido à sua extrema importância, retomamos e respondemos pormenoridamente à questão: as nossas ações altruístas visam sempre a satisfazer o egoísmo dos outros?

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/2r8u0) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/Y4lxn). O sermão começou efetivamente em 1h 06 min 00 s.

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se transcritas abaixo.

*   *   *


O altruísmo é sempre apenas a satisfação do puro egoísmo? 

-        Durante a prédica do dia 9 de Aristóteles de 170 (5.3.2024) retomamos inicialmente as máximas morais apresentadas por Augusto Comte no início da décima conferência do Catecismo positivista, dedicada ao regime privado

o   Após retomarmos a máxima positivista – “Viver para outrem” –, surgiu uma interessante dúvida: as nossas ações altruístas visam sempre a satisfazer o egoísmo dos outros?

o   Essa dúvida não apenas é intelectualmente interessante; ela também é moral e praticamente importante, pois diz respeito a como realizamos o altruísmo e à orientação subjetiva que damos às nossas ações

o   Além disso, é importante notar que, também do ponto de vista intelectual, essa questão é central para o Positivismo, pois tem a ver com como descrevemos as relações entre o altruísmo e o egoísmo de diferentes pessoas

o   Assim, mesmo repetindo vários temas e várias observações que fizemos na semana passada e mesmo hoje, devido à importância central do tema julgamos importante dedicar todo um sermão a ele

-        Comecemos por lembrar as características da nossa máxima “Viver para outrem”:

o   Antes de mais nada: a palavra “outrem” significa “outro”, ou “outros”

o   A fórmula positivista é superior à máxima antiga (“Agir com os outros como gostaria de ser tratado”) e à medieval (“Amar o próximo como a si mesmo”)

§  Essas duas máximas apresentam uma certa evolução, na medida em que passam da conduta externa (na fórmula antiga) para a motivação subjetiva (fórmula medieval)

§  Entretanto, como é bastante claro, essas duas fórmulas concentram-se no egoísmo: não se trata de afirmar e realizar o altruísmo, mas apenas de satisfazer o egoísmo e de mais ou menos regular o egoísmo alheio

§  Ambas as fórmulas, e em particular a segunda, baseiam-se no amor divino, que é especialmente egoísta, antissocial e anti-humano

o   O “viver para outrem” orienta a vida de cada um diretamente para o altruísmo

§  Lembrando a máxima de Clotilde (“Que prazeres podem exceder os da dedicação?”), resulta que a lei do dever é também a fórmula da felicidade

-        Passemos ao que nos interessa hoje; comecemos lembrando que o “viver para outrem” tem duas partes:

o   O “viver para outrem”, que consiste na orientação altruísta do conjunto da vida humana e na definição de um critério claro para definirmos todas as pequenas, médias e grandes decisões que temos que tomar no dia a dia

§  É nessa parte que consiste a lei do dever

o   O “viver para outrem”, que consiste em que cada um de nós tem que estar vivo, e em boas condições de saúde física e mental, para podermos dedicar-nos aos outros

§  Assim, essa parte consiste em garantir que os agentes humanos existam e, portanto, ela garante a satisfação do egoísmo de cada um

·         A esse respeito, nota Augusto Comte que a orientação para o altruísmo não pode consistir na negação do egoísmo, com isso indicando que não devemos autoflagelar-nos (e, ainda menos, não devemos suicidar-nos)

§  A satisfação do egoísmo, nesse sentido, portanto, consiste na condição objetiva (e até subjetiva) para a realização do altruísmo

§  Entretanto, é fundamental termos clareza de que essa satisfação do egoísmo tem que se submeter à regra do dever, ou seja, ao estímulo do altruísmo e à compressão do egoísmo

·         Sem tal entendimento, a fórmula torna-se incoerente e imoral

·         A satisfação do egoísmo subordina-se à realização do altruísmo; assim, tal satisfação consiste em uma condição (para o altruísmo) e não de um objetivo em si mesmo

·         A felicidade que devemos buscar não consiste na satisfação egoísta de algo abstrato chamado “felicidade”: a felicidade que devemos, e que podemos, buscar consiste em nossa dedicação para os demais

·         Todas as formas de hedonismo enquadram-se na satisfação do egoísmo por si só, mesmo que sob o rótulo enganador de “felicidade pessoal”

o   Em outras palavras, o hedonismo é uma via egoísta e individualista – e, portanto, ilusória – de busca da felicidade

o   Lembramos aqui o caráter profundamente egoísta do hedonismo porque ele é uma característica das sociedades ocidentais contemporâneas

§  As sociedades ocidentais assim combinam o estímulo sistemático de inúmeras formas de egoísmo e individualismo com o estímulo ao desejo de consumo (na maior parte das vezes de produtos e serviços inúteis), em algo que, adotando a terminologia metafísica do marxismo, poderíamos chamar de “capitalismo hedonista”

-        Enfrentemos, agora, a pergunta inicial: as nossas ações altruístas visam sempre a satisfazer o egoísmo dos outros?

o   Em uma primeira aproximação, sim: nossas ações buscam satisfazer necessidades alheias

§  Mas esta primeira aproximação é bastante grosseira e, como veremos, é também bastante superficial

o   Entretanto, não devemos nem podemos considerar que a lei do dever consiste em atos altruístas satisfazendo puros egoísmos, pois isso pressupõe (ou deixa de pressupor) várias coisas e implica (ou deixa de implicar) outras tantas:

§  Antes de mais nada, essa concepção – de que a lei do dever no fundo é um altruísmo satisfazendo egoísmos puros – desconsidera o caráter relacional do ser humano, em particular no sentido de que as concepções morais têm que ser generalizadas

·         Nesse sentido, essa concepção desconsidera a noção de dever, isto é, de responsabilidades mútuas, válidas de todos para com todos

§  Em segundo lugar, essa concepção desconsidera o aspecto elementar de que a lei do dever e da felicidade vale tanto para mim (que sou, ou que devo ser, altruísta) como para os demais, que também devem ser altruístas

§  Em terceiro lugar, temos que lembrar que a satisfação do egoísmo (no “viver” do “viver para outrem”) tem que se limitar pelo e subordinar-se ao altruísmo

·         Nesse sentido, temos que lembrar que a satisfação do egoísmo alheio ocorre não para o estímulo desse egoísmo, mas como condição para que essas outras pessoas possam desenvolver o altruísmo

§  Em quarto lugar, devemos notar que as nossas ações altruístas não são sempre nem necessariamente dirigidas para indivíduos específicos, mas que muitas vezes elas têm um foco coletivo e menos específico (de tal sorte que, nesse sentido, elas não satisfazem nenhum egoísmo em particular)

·         As políticas públicas são exemplos fáceis desse caráter difuso de muitas das ações altruístas

·         Mas é claro que, tanto antes quanto depois das políticas públicas, muitas das nossas ações altruístas individuais também apresentam um caráter difuso

§  Em quinto lugar, considerando as características do regime público no Positivismo, devemos notar que a educação positiva tem que estimular o altruísmo; dessa forma, cria-se uma orientação geral na sociedade em favor do altruísmo, evitando que as ações altruístas individuais visem apenas, ou principalmente, a satisfazer o puro egoísmo dos outros

§  Em sexto lugar, também temos que lembrar que o altruísmo realiza-se na prática por meio de ações de aperfeiçoamento

·         Tais ações tornam concreto o altruísmo e evitam que ele degenere em vaguezas místicas

·         O aperfeiçoamento tem vários âmbitos: material, físico (biológico), intelectual e moral

·         Esses aperfeiçoamentos podem, e devem, tornar-se diretamente altruístas por si sós, mesmo que muitas vezes eles tenham que ocorrer em indivíduos específicos

-        Devemos reforçar três aspectos específicos ao apreciarmos a concepção de que “o altruísmo sempre satisfaz o puro egoísmo alheio”

o   Em primeiro lugar, afirmarmos a primazia do altruísmo sobre o egoísmo é algo tanto descritivo quanto prescritivo, ou seja, tanto corresponde à realidade dos fatos quanto, a partir desse caráter descritivo, é também uma recomendação moral e prática

§  Em outras palavras: a orientação moral e prática do “viver para outrem” não é uma fórmula puramente “filosófica”, puramente “teórica”: ela baseia-se na realidade dos fatos, ou melhor, na realidade da natureza humana, conforme ela desenvolveu-se transparece ao longo da história e com base em pesquisas sociológicas e da chamada neurociência

§  Como vimos nos itens acima, o altruísmo generalizado tem (1) uma base sociológica: ele baseia-se no desenvolvimento histórico, em pressões sociais, em valores compartilhados, em práticas coletivas

§  Além disso, esse altruísmo generalizado tem (2) uma base moral, neurocientífica: o altruísmo é generalizável em termos de natureza humana, ao contrário do egoísmo; o altruísmo consegue dominar e orientar o conjunto da existência humana (ou seja, realiza a unidade moral), ao contrário do egoísmo

o   Em segundo lugar, ainda em termos sociológicos e morais, a concepção do “altruísmo como apenas a satisfação do puro egoísmo alheio” deixa de lado o caráter relacional do ser humano, ou seja, deixa de lado o seu aspecto social e concentra-se na concepção “ego-cêntrica”, que entende que a sociedade é apenas a justaposição de indivíduos (que, portanto, reduzem-se aos seus egoísmos)

o   Em terceiro lugar, em termos de história das idéias, essa concepção individualista tem origem metafísica e, como sabemos, difundiu-se muito a partir do liberalismo, com todas as filosofias e “ideologias” de origem metafísica mais recente (como a doutrina dos “direitos humanos”, o marxismo, os próprios liberalismos econômico e político etc.)

§  Nesse sentido, a importância central de responder à questão baseia-se no fato de que ela surge naturalmente do ambiente metafísico que caracteriza o conjunto do Ocidente nas últimas décadas (ou seja, desde o final da II Guerra Mundial e que reforça tendências críticas e negativas que, por sua vez, têm alguns séculos de existência)

§  Podemos dizer, então, que a importância de responder à questão que motivou este sermão, mesmo repetindo temas e concepções que têm sido apresentados nas últimas semanas, deve-se a que é necessário afirmar as concepções positivistas contra a imaginação sociológica metafísica atualmente disseminada

01 janeiro 2024

Celebração da Festa da Humanidade (170/2024)

No dia 1º de Moisés de 170 (1.1.2024) celebramos a Festa da Humanidade.

Tal celebração foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/Jxnmz) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/60V4k).

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

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Celebração da Festa da Humanidade – 170 (2024)[1] 

-        Ela é a mais importante festa do Positivismo, celebrando o verdadeiro ser supremo, a nossa verdadeira providência, o objeto contínuo de nossa devoção, nossos pensamentos e nossas ações

o   A celebração da Festa da Humanidade é ao mesmo tempo fácil e difícil

o   Há muito a ser falado em homenagem à nossa deusa – e, por isso mesmo, corremos o risco de sermos ingratos ao deixarmos de mencionar algum aspecto mais ou menos central, ou mesmo algum aspecto secundário

o   A data específica da Festa da Humanidade – dia 1º de Moisés, primeiro dia do ano – também é plena de referências e possibilidades:

§  Após a celebração da Festa Geral dos Mortos, na véspera, em que celebramos a subjetividade que vem antes de nós, celebramos hoje a grande continuidade humana

§  No calendário positivista concreto, o dia de hoje é consagrado a Prometeu, figura mitológica que, embora mitológica, integrando o panteão grego, aceitou sacrificar-se pelo bem da Humanidade

·         Com Prometeu temos o culto fetichista do fogo – culto que é espontaneamente rememorado todos os anos, com os fogos de artifício celebrando a esperança, a renovação e a permanência da vida, a busca de paz e prosperidade[2]

·         Além disso, cada vez mais o espetáculo dos fogos de artifício assumem um caráter mais de luzes e menos de barulho, indicando ao mesmo tempo a iluminação e o respeito aos nossos auxiliares animais e aos seres humanos mais frágeis (os autistas)

§  No calendário positivista abstrato, hoje se inicia o mês dedicado precisamente à Humanidade, com o vinculo mais universal possível, o religioso

o   Em face das inúmeras possibilidades, temos que nos resignar em falar de algumas coisas e em deixar algumas outras de lado

§  Aquilo que não citamos, não é citado por desleixo, mas por impossibilidade prática

-        Comecemos então nossa pequena celebração relembrando as palavras pronunciadas pelo apóstolo positivista inglês Richard Congreve na Igreja Positivista de Londres em todas as suas Festas da Humanidade – palavras repetidas por Miguel Lemos aqui no Brasil e, depois, também por Alfredo de Moraes Filho, de modo que nos orgulhamos de restabelecer e integrar uma tradição cultual que tem mais de 150 anos: 

Prece à Humanidade (Richard Congreve)

Com todos os centros de nossa fé onde quer que existam, com todos os seus discípulos esparsos, com os fiéis de todas as outras religiões ou crenças quaisquer, monoteístas, politeístas ou fetichistas, subordinando todas as distinções secundárias ao laço exclusivo de uma aspiração religiosa comum; com toda a raça humana, isto é, com o homem, onde quer que se ache e qualquer que seja a sua condição, subordinando também todas as distinções secundárias ao laço único de nossa comum Humanidade; com as raças animais que foram, durante a longa e trabalhosa ascensão humana, os nossos companheiros e auxiliares, como ainda o são; — estejamos hoje, nesta festa da Humanidade, unidos por uma consciente simpatia.

E não somente com os nossos contemporâneos que devemos hoje estar em comunhão simpática, mas também e sobretudo com essa parte preponderante de nossa espécie que representa o Passado. Comemoramos com reconhecimento os serviços de todas essas gerações que nos legaram o fruto de seus labores, desejando transmitir esta herança aumentada aos nossos sucessores. Nós aceitamos o jugo dos mortos.

Comemoramos também com gratidão todos os serviços de nossa Mãe comum, a Terra, o planeta que nos serve de morada, e com ela o orbe que forma o Sistema Solar, o nosso Mundo. Não separemos desta última comemoração a do meio em que colocamos esse sistema, o Espaço, que foi sempre tão propício ao homem, e que está destinado, mediante uma sábia aplicação, a prestar-lhe ainda maiores serviços, pois que ele se torna a sede reconhecida da abstração, a sede das leis superiores que coletivamente constituem o Destino do homem, e como tal introduzido em toda a nossa educação intelectual e moral.

Do presente e do passado estendamos as nossas simpatias ao porvir, às gerações futuras que com sorte mais feliz nos sucederão sobre a Terra; tenhamo-las sempre presentes ao nosso espírito a fim de completar a concepção da Humanidade, tal como nos foi revelada pelo Fundador de nossa Religião, pela plena aceitação da continuidade que constitui o seu mais nobre característico.

A memória, do maior dos servidores da Humanidade, Augusto Comte, e a dos seus três anjos – Rosália, Clotilde e Sofia – ocorre naturalmente nesta sua máxima festa, consagrada à glorificação de todos os que a têm servido.

Oh! O mais sábio e o mais nobre dos Mestres! Possamos nós, que nos proclamamos teus discípulos, animados pelo teu exemplo, sustentados pela tua doutrina, guiados pelas tuas teorias, vencer todos os obstáculos, que a indiferença ou a hostilidade semeia no nosso caminho; possamos nós no meio desta época revolucionária, sem nos deixar degradar por qualquer esperança de recompensa, nem nos desviar por qualquer insucesso dos nossos esforços, num espírito de submissa veneração, levar por diante a grande empresa a que consagraste a tua vida, a empresa da regeneração humana, por meio e no seio do culto sistemático da Humanidade.

 -        Como observou com grande simplicidade e correção o Almirante Moraes, “A concepção religiosa da Humanidade supõe duas noções fundamentais – a teoria dos entes coletivos e a personificação suprema da Humanidade no tipo materno, a fim de que o mesmo se torne um verdadeiro centro de nossa unidade moral e social”

o   A teoria dos entes coletivos indica que a Humanidade é um ser composto e que, como tal, ela desenvolveu-se ao longo do tempo

§  Os primeiros embriões da Humanidade aconteceram – como acontecem continuamente, todos os dias – nas famílias, que criaram as condições de existência dos seres humanos, proporcionando o abrigo material, intelectual e, acima de tudo, moral e afetivo

§  Com o aumento do tamanho das famílias e suas contínuas inter-relações, surgiram associações maiores, como as tribos e os clãs, passando afinal para as pátrias

§  As pátrias, por sua vez, têm por base a divisão do trabalho prático

§  À medida que as pátrias cresceram e desenvolveram-se, seus grandes pensadores sempre prenunciaram os vínculos universais, independentemente de tempo e espaço, de nacionalidade e de etnia

§  Depois dos tempos das guerras, em que as famílias e as pátrias bateram-se longamente, o tempo da paz universal, da cooperação e da convergência chegou há cerca de 170 anos, quando se afirmou afinal a plena universalidade humana, necessariamente pacífica

o   Por outro lado, embora a Humanidade seja verdadeiramente a única realidade para o ser humano, ela só pode existir e atuar por meio de agentes concretos, os seus servidores

§  Assim, a Humanidade é o conjunto dos seres humanos convergentes passados, futuros e presentes

§  A Humanidade atua e beneficia todos, mas nem todos os seres humanos integram-na efetivamente: aqueles que não são convergentes, aqueles que não cooperam de fato para o benefício coletivo não integram, ou melhor, não podem ter a esperança de um dia merecerem integrar a Humanidade

o   Um ser digno de veneração, de conhecimento, de atividade, de gratidão tem que ser, por si só, moralmente superior

§  Para o ser humano, a moralidade é maior e mais elevada nas mulheres, que, a esse respeito (como em muitos outros), são superiores aos homens

§  A definição positiva de moralidade é o desenvolvimento da ternura, isto é, o desenvolvimento do altruísmo, do amor, e a pureza, ou seja, a compressão do egoísmo

§  Assim, a figura da Humanidade é necessariamente de uma mulher, o que equivale a dizer que o Grão Ser positivo é uma deusa

§  A Humanidade é uma mulher na faixa de 30 anos, carregando em seu colo um bebê, ou seja, o futuro

§  Com isso, todos temos uma figura amorosa facilmente reconhecível, capaz de organizar e orientar nossos sentimentos, nossos pensamentos e nossas atividades

-        Do que vimos rapidamente, a Humanidade é uma concepção intelectual e moral; ela é nossa verdadeira providência

o   A Humanidade é nossa verdadeira providência porque é ela que fornece tudo ao ser humano em todos os momentos de suas vidas: sentimentos, idéias, colaboração no tempo, colaboração no espaço, recursos variados

§  Os seres humanos individuais restituem à Humanidade muito pouco do que recebem ao longo de suas vidas – e só se pode falar de verdade em restituições se elas forem úteis

§  A Humanidade, então, é a verdadeira “filha de seu filho”: cada um de nós só existe devido a ela, mas, inversamente, ela precisa dos esforços (altruístas) de cada um de nós para existir, manter-se e desenvolver-se

o   A providência humana atua sempre cada vez mais ao longo do tempo, na continuidade, que meramente na colaboração simultânea da solidariedade

o   A providência humana é múltipla:

§  Acima de tudo, ela é moral, ao dar-nos valores, ao indicar-nos o que é bom e correto

§  Ela é afetiva, ao dar-nos os sentimentos que constituem o fundo de nossas existências e que tornam nossas vidas dignas de serem vividas

§  Ela é intelectual, ao fornecer-nos idéias e conceitos, conhecimentos e habilidades, a começar pelas línguas com que nos comunicamos e todas as concepções que permitem que entendamos o mundo e atuemos nele

§  Ela é artística, ao oferecer-nos as imagens e as idealizações que sugerem e indicam como e quanto o ser humano e o mundo podem e devem ser melhores

§  Ela é prática, ao oferecer-nos a infraestrutura de que desfrutamos, as técnicas que empregamos para melhorar o mundo

o   Assim, é à Humanidade que devemos todos nós ser gratos

§  Quem agradece às divindades temporárias exercita a gratidão, o que é um exercício moral importante em si mesmo

§  Mas quem atualmente agradece às divindades temporárias na prática comete o erro moral e intelectual da ingratidão, ao desconsiderar (ou desprezar) a verdadeira providência e valorizar seres fictícios, para quem, aliás, o ser humano de nada vale

-        Para concluir esta celebração da Festa da Humanidade, as invocações lidas na Igreja Positivista do Brasil são mais uma vez tão belas quanto oportunas: 

Em nome da Humanidade:

O amor por princípio, e a ordem por base; o progresso por fim.

Tens, Senhora, tão grande potestade,

Que quem a graça quer e a Ti não corre

Sem asas voar lhe quer a vontade.

A tua benignidade não socorre

A quem T’implora só; com caridade

Freqüentemente à súplica precorre.

Em Ti misericórdia;

Em Ti piedade;

Em Ti magnificência;

Em Ti concorre

Tudo quanto no mundo

Há de bondade.

Ó Virgem-mãe, filha do teu filho!

A Ti, mais do que a nós mesmos,

Amemos sem cessar;

E a nós somente

O puro amor de Ti

Nos faça amar.

Ergamos os nossos corações à Humanidade e lhe testemunhemos o reconhecimento de que nos sentimos repletos pelos ensinamentos que acabamos de receber. Que estes frutifiquem em nossas almas e que, ao deixarmos esta prédica, levemos a resolução feita de dedicar todos os nossos esforços a auxiliar em nós e nos outros a vitória final do altruísmo sobre o egoísmo.

Rendamos graças especiais ao nosso Mestre, Augusto Comte, e à sua imaculada inspiradora, Clotilde de Vaux, aos quais devemos a sistematização da Humanidade e de sua sublime doutrina.

Que a tua palavra de vida, ó santa Humanidade, seja não somente bem aceita e compreendida, mas antes de tudo aplicada com zelo a todos os atos de nossa vida privada e pública.

Assim seja.



[1] Algumas fontes consultadas para auxiliar na elaboração desta celebração:

- Richard Congreve: “Prece à Humanidade” (Rio, 1936).

- Augusto Comte: “A Humanidade – extratos do Catecismo positivista” (Rio, 1936).

- Alfredo de Moraes Filho: “Humanidade– a deusa do futuro” (Rio, 1982). A sugestão desse discurso foi feita por  meu amigo Hernani Gomes da Costa.

[2] A lembrança dos fogos de artifício como um culto espontâneo do fogo também foi feita por meu amigo Hernani.

23 novembro 2022

Anotações sobre o amor

No dia 18 de Frederico de 168 (22 de novembro de 2022) realizamos, como de hábito, a nossa prédica positiva. A pauta dessa prédica foi a leitura comentada do início da quarta conferência do Catecismo positivista, dedicada à teoria do culto privado e na qual vimos a teoria dos "anjos da guarda". Em seguida, nas nossas reflexões semanais, abordamos um dos mais importantes temas, seja para a Religião da Humanidade, seja em geral: o amor.

Reproduzimos abaixo as anotações que serviram de base para as nossas reflexões.

A prédica está disponível no canal Apostolado Positivista (aqui: https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/919937228995893/) e no canal Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=Rc9vDlSrcq4). No canal Apostolado Positivista, as reflexões sobre o amor começam em 47' 33".

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-        Talvez mais que qualquer outro tema no âmbito do Positivismo, é muito difícil esgotar as reflexões que se pode fazer a respeito do amor; assim, estas anotações são apenas alguns comentários iniciais

-        Muitas palavras no Positivismo têm uma forte carga semântica, no sentido da polissemia; o amor é exemplar a respeito:

o   Bondade

o   Altruísmo

o   Sentimentos

-        É o primado do amor que realmente permite ao Positivismo ser a Religião da Humanidade:

o   O amor preside os sentimentos; os sentimentos, por seu turno, são o início e o fim da existência humana

o   O amor permite ao Positivismo instituir o estado religioso e também a síntese

o   O amor é a condição verdadeira e profunda de disciplinamento do egoísmo e, portanto, de solução do problema humano

o   Desde o seu início o Positivismo é antiacademicista; mas é o amor que estabelece o anticientificismo e até o relativismo

o   Por outro lado, o amor exige sempre a orientação da inteligência, seja para não se degradar em misticismo, seja para não se perder na realidade:

§  “Agir por afeição e pensar para agir”

§  “A inteligência é ministra do coração, não sua escrava”

o   O símbolo máximo do amor no Positivismo é a própria figura da Humanidade, que, não por acaso, é mulher e é mãe

-        Assim, o amor de Augusto Comte por Clotilde de Vaux não pode ser entendido como a mera paixão extemporânea de um homem mal amado de meia idade por u’a moça igualmente mal amada: essa forma de apresentar a questão, além de grosseira, é superficial e injusta para com os dois amantes

o   Os sentimentos de Comte por Clotilde eram em tudo respeitosos e dignos e, por isso, paulatinamente passaram a ser correspondidos por Clotilde

o   Acima de tudo, como o próprio Comte reconhecia, e como Teixeira Mendes repetia sem cessar, foi o amor por Clotilde que deu a Comte o impulso e a orientação de que precisava para realmente concluir e realizar a obra de sua vida, ou seja, a Religião da Humanidade

§  Em outras palavras, a Religião da Humanidade é o fruto direto do amor

-        Existem vários instintos afetivos altruístas: apego, veneração e bondade

o   Apego: relações entre iguais (vínculo entre irmãos, entre coetâneos, entre compatriotas, entre cônjuges)

o   Veneração: relação afetiva do inferior, do mais novo e do mais fraco para com o superior, com o mais velho e com o mais forte

o   Bondade: relação afetiva do superior, do mais velho e do mais forte para com o inferior, com o mais novo e com o mais fraco – é o “amor” propriamente dito

-        O que se opõe ao amor, no Positivismo, é o egoísmo, não o ódio

o   O egoísmo é natural e tem que ser disciplinado

o   O ódio, embora seja um sentimento (negativo) possível, é eminentemente destruidor

§  Para ser eficaz, o amor tem que ser positivo: “só o amor constrói”

§  Podemos considerar que a atitude do Positivismo em face do ódio é no sentido de diminuir esse sentimento agressivo, convertendo-o em respeito, cooperação e convergência; caso não seja possível reverter o que separa os grupos e/ou os indivíduos entre si, deve ser estimulada a tolerância mútua

-        O âmbito social do desenvolvimento do amor é a família

o   A família estabelece relações e vínculos afetivos próximos – que são os mais intensos

§  Daí também a cobrança de Augusto Comte de que as mátrias sejam pequenas

o   O fundamento das famílias é, precisamente, o amor – ou, em outras palavras, a função social das famílias é o desenvolvimento dos afetos (e não a reprodução, como afirmam (algum)as teologias)

o   A família é o âmbito privilegiado da mulher – que, como se sabe (ou como se deveria saber) é mais afetiva que o homem

-        O amor é inato

o   Como Augusto Comte observa no Catecismo positivista, afirmar que o egoísmo é inato é banal; mas foi difícil o Ocidente reassumir que o altruísmo também é inato

o   A metafísica individualista (a partir do monoteísmo cristão) e o cientificismo dificultaram muito o reconhecimento do valor do amor

o   Apesar dos seus inúmeros problemas intelectuais e morais, a Idade Média sugeriu duas instituições moralmente importantes:

§  Por um lado, a partir do século XI, idealizou a Virgem Maria (com São Bernardo, por exemplo)

·         Essa idealização substituiu a utopia do Cristo ressuscitado, que é intelectualista, masculina e pelo sofrimento, por uma utopia afetiva, feminina e construtiva – e que começa a valorizar as mulheres no âmbito da teologia católica

§  Por outro lado, no final da Idade Média, vários místicos passaram a afirmar a centralidade moral e intelectual do amor (com Tomás de Kempis, por exemplo)

-        O instinto altruísta mais importante é a veneração:

o   A veneração é o instinto mais importante porque ela é o mais difícil, na medida em que nos obriga a submetermo-nos a outrem e/ou a outras coisas

§  Em outras palavras, a veneração comprime o orgulho (e até a vaidade)

§  A veneração também nos lembra de que integramos uma longa continuidade histórica, ou seja, é ela que no final das contas afirma a historicidade do ser humano

o   Como dizia Comte, “a submissão é a base do aperfeiçoamento”

§  Sempre que desejamos aperfeiçoar-nos (em qualquer coisa, em qualquer habilidade), temos que reconhecer que somos imperfeitos e que estamos abaixo de parâmetros julgados ideais: em outras palavras, sempre que desejamos o aperfeiçoamento, temos que nos submeter a algo e/ou a alguém

o   Deveria ser evidente e não deixa de ser um tanto degradante ser necessário afirmar que a submissão não é sinônima de (auto)degradação, (auto-)humilhação: na positividade, a submissão é sempre digna

§  As filosofias políticas e sociais que têm maior importância atual no Ocidente são todas, ou quase todas, metafísicas e, por isso, elas rejeitam a veneração e consideram que toda submissão é sempre degradante

o   Não é por acaso que Augusto Comte indicava que um dos melhores traços para avaliar o grau de positividade das pessoas, incluindo aí os próprios positivistas (ou pretensos positivistas), são os hábitos de veneração dessas pessoas

o   Criticar algo ou alguém (ou simplesmente deles falar) sem conhecer é uma forma de ausência de veneração, ou seja, é uma forma de arrogância, de orgulho, de desprezo

§  Dito de outra maneira, criticar algo ou alguém sem o conhecer é agir sem amor (ou contra o amor)