Este blogue é dedicado a apresentar e a discutir temas de Filosofia Social e Positivismo, o que inclui Sociologia e Política. Bem-vindo e boas leituras; aguardo seus comentários! Meu lattes: http://lattes.cnpq.br/7429958414421167. Pode-se reproduzir livremente as postagens, desde que citada a fonte.
12 setembro 2023
Martins Fontes: "O perfume da flor"
11 setembro 2023
Otimismo e pessimismo à luz do Positivismo
No dia 3 de Shakespeare de 169 (12.9.2023) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista - em sua "Oitava conferência", dedicada à filosofia das ciências superiores, isto é, à Sociologia e principalmente à Moral.
Em seguida, na parte do sermão, abordamos como o Positivismo considera o otimismo, o pessimismo e o "negativismo".
Antes da prédica, fizemos alguns comentários sobre o livro do jornalista investigativo do jornal The New York Times Max Fisher, A máquina do caos - como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo (São Paulo: Todavia, 2023). Entre muitos aspectos, e apesar de certas limitações intelectuais e morais do autor, o livro indica como as redes sociais (especialmente o Facebook e o Youtube) de maneira consciente e intencional atuam no sentido de viciar os seus usuários e de estimular a polarização política e social.
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://ury1.com/Dhbnz) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/kysA0). O sermão começou aos 58' 08" do vídeo do canal Igreja Positivista Virtual.
* * *
Otimismo e pessimismo à luz do Positivismo
- À primeira vista, é extremamente natural falar-se em “otimismo” (e até em “pessimismo”) no âmbito do Positivismo
o Em um sentido ingênuo e popular, as expressões “positivismo”, “positividade” e “espírito positivo” equivalem a otimismo, a uma esperança geral e difusa, a uma boa vontade também geral e difusa
§ Assim, por exemplo, em seu primeiro mandato, Lula afirmou que seria necessário mais “positivismo no Brasil”
o Essa associação do Positivismo com o otimismo não está errada e pode ser incluída no Positivismo; mas, ao mesmo tempo, ela é imprecisa, vaga e pode originar desvios intelectuais, morais e práticos, de modo que tem que ser devidamente avaliada e corrigida
o A partir da associação ingênua e popular do Positivismo com o otimismo, também podemos considerar as relações do Positivismo com o pessimismo e com algo chamado de “negativismo”
- Comecemos então com os sentidos da palavra “positivo”:
o A origem da expressão “positivismo” vincula-se ao conhecimento positivo, isto é, real, efetivo, verdadeiro; daí também a expressão “ciências positivas”, conforme usado, por exemplo, por Francis Bacon
§ Por extensão, em uma primeira abordagem, muito básica, o Positivismo refere-se àquilo que é real, que é verdadeiro, que é efetivo
§ Com gigantesca e escandalosa freqüência, as definições que manuais e vídeos de Sociologia, Moral e Filosofia dão do Positivismo limitam-se a esse conceito básico
· Esse conceito em si mesmo não está errado, mas é tão limitado e tão básico que, no final das contas, ele sugere e daí deduz uma concepção de Positivismo que é (total ou majoritariamente) errada
· É necessário dizê-lo com clareza: manuais e vídeos que adotam esse conceito são intelectualmente molengas, covardes e, no limite, desonestos, ao preferirem repetir frases feitas a partir da lei do mínimo esforço (ou do nenhum esforço)
o Todavia, apenas a “realidade” não basta, seja porque o “realismo” tem que ser complementado por outros atributos próximos, seja porque precisamos e aplicamos outros parâmetros
§ Além disso, o desenvolvimento do Positivismo na obra de Augusto Comte acrescentou parâmetros inauditos à primeira vista
§ Daí os sete sentidos indicados por Augusto Comte no Apelo aos conservadores: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático
N. |
Acepção |
Opõe-se a |
Estatuto teórico |
1. |
Real |
Irreal (fictício) |
Condições fundamentais |
2. |
Útil |
Inútil |
|
3. |
Certo |
Incerto |
Atributos intelectuais |
4. |
Preciso |
Vago |
|
5. |
Relativo |
Absoluto |
Propriedades sociais |
6. |
Orgânico |
Crítico |
|
7. |
Simpático |
Antipático (ou egoísta) |
Fonte moral |
o Das acepções acima, na minha opinião, o que se distancia, delimita e modifica o “real” são o “útil”, o “orgânico” e o “simpático”
§ O útil estabelece uma delimitação muito clara e direta, embora nem sempre seja compreendida nem devidamente aplicada
§ O orgânico relaciona-se com o relativo e, de qualquer maneira, é o que distancia o “positivo” da metafísica
§ O simpático, ao afirmar o caráter moral do Positivismo, dá um conteúdo que lembra com clareza que a inteligência e a prática não podem, nunca, separar-se do altruísmo
o Dito isso, em que sentido podemos considerar que o Positivismo é uma forma de otimismo?
§ De duas formas que, com freqüência, combinam-se na mentalidade popular: por um lado, com a esperança; por outro lado, com a simpatia
§ No que se refere à esperança, as leis naturais permitem-nos prever o que será a partir do que é e, com isso, permite-nos agir adequadamente; ou, por outra, como a verdadeira esperança é aquela que se baseia na realidade, o Positivismo, ao indicar-nos o que pode e o que não pode ser feito, permite-nos desenvolver uma adequada confiança nas possibilidades humanas
§ No que se refere à simpatia, o Positivismo afirma que todos devemos ser altruístas: a lei-mãe da Filosofia Primeira estabelece que devemos elaborar sempre a hipótese mais simples, mais sintética, mais estética e mais altruísta, o que equivale a basicamente ver com bons olhos os seres humanos
- Entretanto, afirmada a esperança e o altruísmo no Positivismo, temos que ter clareza de que ele não é um providencialismo:
o O providencialismo é aquela postura geral frente ao mundo que considera que tudo está bom, que tudo é perfeito, que não há nada de errado no mundo
§ Essa postura tem clara origem teológica (em particular monoteísta), ao considerar que a divindade – onisciente, onipotente e onibondosa – criou o mundo com perfeição
· Essa origem teológica já evidencia que o providencialismo incorre no vício intelectual e moral do espiritualismo
§ A concepção metafísica mais geral, a da Natureza, muitas vezes também recai no providencialismo; muitos cientistas (especialmente matemáticos, astrônomos e físicos) com freqüência adotam uma perspectiva providencialista
§ Leibniz propôs a concepção (metafísica) de que vivemos no melhor dos mundos possíveis; Voltaire ridicularizou essa concepção em seu Cândido, ou o otimismo
§ É certo que essa perspectiva caracteriza-se por grande altruísmo, mas: é um altruísmo vago e, acima de tudo, é uma concepção que falha miseravelmente na parte da realidade (isso para não mencionar a parte da utilidade)
§ Além disso, é necessário notar também que o providencialismo estimula a passividade
o A realidade é extremamente imperfeita
§ Se por vezes isso não é evidente, a mera necessidade de termos que realizar uma série interminável de aperfeiçoamentos no mundo e na vida deveria acabar com qualquer pretensão providencialista
§ Afinal de contas, só podemos aperfeiçoar o que é imperfeito
o No que se refere ao providencialismo, por vezes aparece uma tradução para o português da máxima “vivre au grand jour” que tem um aspecto providencialista – o que já deveria indicar que essa tradução é errada
§ O francês “vivre au grand jour” é traduzido como “viver às claras”
· O francês jour significa tanto “dia” quanto “claridade”, “clareza” em português
§ Mas há pessoas que não conhecem o francês – e/ou não conhecem a tradução consagrada – e palpitam traduzir como “viver para o grande dia”
§ O problema de “viver para o grande dia” é que sugere que o Positivismo adota um messianismo e/ou um milenarismo, ao afirmar um suposto “grande dia”, alguma coisa como “o juízo final” – o que deveria ser muito claro que não corresponde, de maneira nenhuma e nunca, ao Positivismo
- Passando para o pessimismo em face do Positivismo:
o Considerando os aspectos indicados acima, parece claro que não há muito espaço para o pessimismo no âmbito do Positivismo
o Evidentemente há momentos em que podemos ficar pessimistas; mas ficar pessimista em alguns momentos, em algumas ocasiões, a respeito de alguns assuntos, é muito diferente de assumir o pessimismo como uma postura geral perante a vida
§ De modo geral, o Positivismo adota uma perspectiva otimista em relação ao ser humano e uma esperança a respeito do seu aperfeiçoamento
o Muitas filosofias são “pessimistas” porque conjugam um suposto “realismo” com um estímulo a estados mórbidos
§ Sobre o suposto “realismo”:
· Ele adota uma perspectiva negativa do ser humano, negando totalmente o altruísmo e também o desenvolvimento histórico e considerando que o ser humano é sempre egoísta e que ele nunca muda ao longo da história
· Essa concepção, que é largamente herdeira do monoteísmo cristão, com facilidade descamba em ou justifica o cinismo
· Da mesma forma, esse “realismo” antialtruístico justifica um amoralismo que, na verdade, é apenas uma desculpa para o imoralismo
· Além disso, muitos pessimistas adotam uma perspectiva e/ou um comportamento blasé, de ironia e/ou desprezo fácil e incoerente em relação aos esforços de aperfeiçoamento humano
§ Sobre os estados mórbidos:
· O pessimismo conduz a negar as alegrias da vida e, com isso, a tirar toda a satisfação nas atividades
· Daí, os indivíduos não se satisfazem com o convívio social nem com suas atividades individuais: o resultado é a depressão
· Como esse quadro moral não tem solução, os assim chamados pessimistas vivem em uma situação contraditória, consciente ou inconscientemente, obtendo satisfação com suas atividades e com o convívio social e reconhecendo possibilidades de melhorias, mas fingindo que nada disso ocorre
- A respeito de um suposto “negativismo” como oposto ao Positivismo:
o Por vezes já ouvi perguntarem-me a respeito do que seria um suposto “negativismo” como contrário ao Positivismo
o Uma possibilidade inicial pode ser o pessimismo, que comentamos acima
o Uma outra possibilidade desse “negativismo” dar-se-ia pela negação dos sentidos da palavra “positivo”; assim, o negativismo seria o irreal, o inútil, o incerto, o impreciso, o absoluto, o crítico e/ou o antipático
o Dependendo da referência, podemos considerar que esse negativismo como antítese do Positivismo seria a teologia (irreal, incerta, impresa e absoluta) ou talvez a metafísica (irreal, incerta, imprecisa, absoluta, crítica e antipática)
§ Apesar de seu irrealismo, a teologia afirma coisas e, nesse sentido, ela não é negativista, no sentido de que ela não nega coisas
§ Por outro lado, nem toda metafísica é puramente negativa; por exemplo, Platão desenvolveu u’a metafísica que atuou como solvente do politeísmo e como preparatória para o monoteísmo
§ Mas a metafísica moderna, começando com o protestantismo e seguindo pelo liberalismo e pelo espírito revolucionário consagrado pelo marxismo e chegando aos pós-modernos atuais, é cada vez mais negativista
§ Essa metafísica moderna, apesar de profundamente negativista, é claro que muitas vezes tem que se haver com a realidade concreta e, aí, de maneira profundamente contraditória, vê-se obrigada a aceitar a positividade, como na frase de Trótski: “pessimismo da razão, otimismo na prática”
- Em suma:
o O Positivismo aceita e estimula um certo otimismo, seja em relação aos seres humanos em geral, seja em relação às nossas possibilidades de atuação
§ Mas esse otimismo de fundo exige sempre ser temperado pela prudência e pelo cuidadoso conhecimento das realidades que vivemos
§ Além disso, esse otimismo não pode nunca ser confundido com o providencialismo
o Por outro lado, de maneira inversa ao otimismo, é possível dizer que somos contrários ao pessimismo como postura de vida
o No que se refere ao “negativismo”, especialmente da metafísica moderna, somos totalmente contrários a ele
06 setembro 2023
Celebração de Sofia Bliaux; celebração de José Bonifácio
Transformação de Augusto Comte, celebração de Sofia Bliaux[1]
- O dia 24 de Gutenberg (5 de setembro) é a data em que ocorreu a desastrosa transformação de Augusto Comte, há 166 anos
o A transformação de Augusto Comte foi “desastrosa” porque tirou da vida objetiva o fundador do Positivismo, que, embora já tivesse escrito o principal de sua obra, tinha ainda previstos muitos livros que desenvolveriam aspectos importantes da Religião da Humanidade
o Mas como sabemos, embora triste por si só, a transformação encerra a vida objetiva útil e inicia plenamente a vida subjetiva de todos nós
§ O nascimento deve ser sempre valorizado, mas é na transformação que podemos avaliar a atividade realmente desenvolvida pelos indivíduos e, daí, podemos avaliar se foram altruístas ou egoístas, construtivos ou destruidores etc.
§ Em outras palavras, enquanto o nascimento constitui apenas uma promessa – certamente, sempre uma bela e fundamental promessa, mas, ainda assim, apenas uma promessa –, é na transformação que avaliamos a vida e, portanto, que celebramos efetivamente a vida de cada um
o Assim, a data da transformação é realmente para ser celebrada
- Ao mesmo tempo, é a data da celebração de Sofia Bliaux
o No calendário da Igreja Positivista do Brasil, no dia 19.1 celebramos o nascimento de Augusto Comte e a memória de sua mãe, Rosália Boyer; no dia 8.10, celebramos a festa de Comte e Clotilde
o Assim, considerando a importância de Sofia para a vida de Augusto Comte e também a instituição dos seus “três anjos”, no dia 5.9 celebramos Sofia
- Sofia Bliaux nasceu em 18.9.1804, na pequena comuna de Oissy, no Somme (Norte da França)
§ Assim, ela era seis anos mais nova que Augusto Comte e 11 anos mais velha que Clotilde
o Quando criança mudou-se com os pais para Paris, onde levava uma vida pobre, tendo que trabalhar desde cedo, sempre com humildade e devotamento
o A obediência e o devotamento aos patrões era tanta que solicitou aos patrões a permissão para casar-se (no que foi atendida); seu marido, Martinho Thomas, era entregador de uma farmácia próxima à rua Monsieur-le-Prince; foi usando esse serviço (para receber poções e cremes de beleza) que Carolina Massin travou contato com Martinho Thomas e, a partir disso, soube das dificuldades crescentes de Sofia, que cuidava sozinha de uma casa grande com crianças que cresciam
o Após muitas insistências de Carolina Massin, Sofia afinal passou ao serviço de Augusto Comte em 1841 (um ano antes de Carolina abandonar definitivamente o lar conjugal); na verdade, na época Sofia entrou ao serviço de Carolina e não propriamente ao de nosso mestre
o Logo Sofia percebeu, por um lado, que Carolina era uma péssima esposa e que não dava paz de espírito a nosso mestre; por outro lado, ela percebeu que Augusto Comte era uma pessoa simples, de existência modesta, mas cuja atividade era intensa e que era inteiramente dedicada à renovação moral, intelectual e social e que, por isso, precisava de apoio material
§ A partir disso, a partir de uma humildade simples, confrontando a grandeza moral de Augusto Comte com sua própria existência modesta, ela entendeu que poderia e deveria dedicar-se a auxiliá-lo o máximo que pudesse
o Em 1842, quando Carolina Massin abandonou o lar pela última vez, Sofia permaneceu na rua Monsieur-le-Prince; mas, devido à vinculação inicial de Sofia com Carolina Massin, e devido à péssima experiência que tivera com sua ex-esposa, Augusto Comte desconfiava profundamente dela
§ Apenas com o passar do tempo, e considerando as simpatias de Comte para com os proletários, Augusto Comte foi reconhecendo a sinceridade da devoção de Sofia e tornando-a, bem como ao seu marido, uma companheira habitual em seu lar
o Quando o amor de Comte por Clotilde irrompeu, logo Sofia percebeu a importância disso para o filósofo e com freqüência atuava como mensageira entre ambos; depois também se tornou confidente de Clotilde
o Devido à sua triste história, a saúde de Clotilde era frágil; em suas últimas semanas (março de 1846), Sofia foi enfermeira, cuidadora e verdadeira irmã de Clotilde, tendo pernoitado 18 dias na casa de Clotilde, até seu falecimento
§ Após a morte de Clotilde, Sofia reconfortou Augusto Comte e mesmo o afastou de pensamentos de suicídio
o Em virtude da perseguição acadêmica que Augusto Comte sofria, em 1847 e, ainda mais, em 1848 ele perdeu seus modestos empregos acadêmicos; nesses dois anos, em 1847 e, depois, em 1848, Sofia e seu marido ofereceram suas economias para auxiliar Augusto Comte em suas despesas (que, em sua parte mais importante, eram destinadas à pensão de sua ex-esposa); o primeiro oferecimento foi recusado, mas o segundo nosso mestre viu-se obrigado a aceitar
o Observa
José Longchampt (p. 85) que Sofia converteu-se à Religião da Humanidade: “Foi
por estas conversações diárias que Augusto Comte realizou, na única mulher que
dele se aproximava, a primeira conversão à Religião da Humanidade”.
o Reconhecendo os sacrifícios feitos por Sofia ao longo dos anos, não apenas em termos de salário e de alimentação, mas também em termos de convívio com sua família, em 1848 Augusto Comte convidou Martinho Thomas que fosse morar em seu apartamento com Sofia e seu filho, o que o casal aceitou
§ Esse reconhecimento foi devido não apenas ao devotamento do casal, mas também devido à valorização da domesticidade e mesmo do casamento
§ Dando continuidade à afirmação da domesticidade em sua própria vida, Augusto Comte proclamou Sofia como sua filha em 18.7.1850, na cerimônia de casamento do dr. Segond
§ Mais tarde, a valorização de Sofia atingiu seu máximo com a consagração de ser indicada como um dos seus “três anjos”
o Após a morte de nosso mestre, Sofia recebeu de Augusto Comte um retrato de Clotilde, bem como lhe foi destinado uma pensão até sua morte, sob responsabilidade dos executores testamenteiros, e o direito de residir no apartamento da rua Monsieur-le-Prince
o Ela morreu em 5.12.1861; conforme solicitação explícita de nosso mestre em seu Testamento, ela foi enterrada juntamente com Augusto Comte, no “cemitério do Leste” (o Père Lachaise)
§ Em 28.3.1867 Martinho Thomas faleceu; seu filho, Paul Thomas, ficou sob a responsabilidade de José Longchampt e tornou-se também positivista
* * *
Independência do Brasil, celebração de José Bonifácio
- Esta exposição baseia-se em importante medida em uma postagem feita em 7.9.2015, chamada justamente “7 de setembro – Independência do Brasil e comemoração de José Bonifácio”
o Além disso, usamos aqui como referência as publicações do Apostolado Positivista do Brasil (como o opúsculo A pátria brasileira, de 1881, e a bela biografia de Benjamin Constant, escrita por Teixeira Mendes em 1891) e o livro de David Carneiro, A vida gloriosa de José Bonifácio de Andrada e Silva e sua atuação na Independência do Brasil (de 1977)
- O Positivismo celebra a Independência do Brasil e a memória de José Bonifácio porque o Brasil é uma pátria e, portanto, uma das associações humanas fundamentais
o Como sabemos, os três níveis normais de associações humanas são: a família (baseada nos sentimentos), a pátria (baseada na atividade prática) e a Humanidade (baseada na inteligência)
- Ao celebrar cada pátria, o Positivismo constitui-se como uma religião cívica
o Para entendermos o que isso quer dizer, e embora o Positivismo, como regra geral, rejeite as distinções sutis, temos que estabelecer a diferença entre “religião cívica” e “religião civil”
o Essa diferença espelha a diferença entre a teoria política absoluta (teológico-metafísica) e a teoria política relativa (positiva), especialmente no que se refere à divisão entre teoria e prática, ou, o que equivale em termos políticos, a divisão entre a igreja e o Estado
o A religião cívica celebra valores cívicos, mas faz questão de não se impor sobre os cidadãos nem de usar o apoio estatal para sua difusão: por definição, é a Religião da Humanidade
§ Vale lembrar que o Positivismo, como religião cívica, tem clareza de que as pátrias na sociedade normal serão denominadas de “mátrias”, organizadas em regimes sociocráticos e que isso implica, desde já (na verdade, desde o começo do século XIX), que todas as mátrias baseiem-se na fraternidade e na paz universal e, portanto, também na rejeição da violência, da guerra e do militarismo (e do nacionalismo imperialista e/ou xenofóbico)
o A religião civil é a religião imposta pelo Estado (ou seja, é obrigatória) e que tem a sua igreja sustentada pelo Estado: são as religiões teológicas e é a proposta da democracia de Rousseau
§ Rousseau, em sua proposta democrática, afirmava com todas as letras que o Estado tem que ter religião oficial, imposta a todos os cidadãos; inversamente, os cidadãos que rejeitassem essa religião oficial seriam presos ou, no limite, expulsos do país
-
No dia 7 de setembro celebramos a Independência do
Brasil e, por isso mesmo, comemoramos a figura de José Bonifácio de Andrada e
Silva (1763-1838), o grande “Patriarca da Independência”
-
Para realizarmos essa
celebração, temos antes que lembrar, ou afirmar, as condições e as exigências
da política moderna
o
A política moderna baseia-se na existência de
pátrias livres; essas pátrias têm que ser menores do que costumam ser ainda
hoje, mas, de qualquer maneira, a liberdade é uma condição fundamental e
insuperável
o
O que significa essa “liberdade”?
§ Significa
a possibilidade de decidir com autonomia os rumos a tomar, sem imposições
externas e de acordo com os parâmetros específicos de cada país
§ Assim,
ao mesmo tempo em que cada pátria deve poder decidir o que deseja fazer, sua
conduta deve caracterizar-se pelo respeito a todas as outras nações, no que se
refere à sua dignidade e às suas condições de existência, e ao desenvolvimento
de ações pacíficas e coordenadas com vistas à melhoria material e moral de
todas.
o
Em outras palavras, a política moderna não pode ser
definida pela “soberania”, entendendo-se a soberania como a consideração de que
cada país é o juiz único e último de suas ações, em desrespeito e
desconsideração aos demais países
o
Ao mesmo tempo, a necessária interdependência
política, material e moral não pode ser entendida e usada como desculpa para
intromissões e invasões de uns países sobre os outros.
o
Em termos internos, cada país deve buscar a
integração social, a redução e o fim da miséria, o combate e o fim das
discriminações sociais, o desenvolvimento técnico, científico e moral etc.
o
No caso do Brasil do início do século XIX, José
Bonifácio tinha clareza desses objetivos e dessas condições; foi por isso que
tratou de organizar as condições propícias para a independência do Brasil – e
que, sendo a eminência parda por detrás do então Príncipe Regente, obteve de
fato a independência nacional no 7 de setembro de 1822.
-
Ao falarmos da
Independência do Brasil, celebramos José Bonifácio: mas por que ele?
o O príncipe regente Pedro de Alcântara – depois
chamado no Brasil de “(dom) Pedro I” –, embora tenha sido necessariamente o
executor concreto da independência, não era uma pessoa preparada politicamente
em termos intelectuais, morais e práticos
§ Apesar disso, considerando a situação política,
social e institucional do Brasil na época, somente d. Pedro poderia realizar o “grito
do Ipiranga”
§ Evidentemente, a falta geral de condições morais,
intelectuais e práticas de Pedro de Alcântara não significava que ele não
tivesse sentimentos de simpatia pela população brasileira, que não tivesse
preconceitos de casta, que soubesse reconhecer o valor da pessoa e dos
conselhos de José Bonifácio
o Por outro lado, quem tinha o preparo e a estatura
moral, intelectual e prática era o conselheiro de Pedro de Alcântara, José
Bonifácio
§ José Bonifácio, além de ser um homem com a
preparação própria e a atividade prática do Iluminismo, tinha o enorme fator de
ser brasileiro
§ A primeira carreira de José Bonifácio desenvolveu-se
totalmente na Europa, com suas longas viagens de estudos e de pesquisas (em que
se revelou um grande pesquisador) e, depois, com sua atuação na burocracia pública
portuguesa (em que ocupou simultaneamente inúmeros cargos importantes)
§ A atuação propriamente política de José Bonifácio
ocorreu quando ele já era idoso (com cerca de 60 anos de idade) e voltara ao
Brasil buscando aproveitar sua aposentadoria
-
A independência do Brasil
era uma necessidade na época e, de qualquer maneira, seria uma necessidade
política do país
o Na época era uma necessidade porque, com o término
das Guerras Napoleônicas, a permanência da monarquia no Brasil não tinha mais
sua justificativa inicial (evitar a submissão à tirania militar de Napoleão)
§ Devemos lembrar que a família real e a corte
portuguesa fugiram em 1808 para o Brasil, transformando a antiga colônia em
sede do império
§ Depois, em 1815, o Brasil tornou-se membro
equivalente do império, que passou a ser o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves
o Além disso, havia os exemplos americanos dos Estados
Unidos (1776), do Haiti (1798) e da América hispânica (décadas de 1800 a 1820)
§ Desde o fim do período colonial o Brasil já contava
com uma sociedade ativa, organizada, conhecedora dos seus interesses, com
projetos nacionais cada vez mais claros e disposta a realizar a independência
para isso
§ A independência nacional era vista sempre como
acompanhada da república
§ A vinda da família real em 1808 deu um fortíssimo
impulso à vida política, social e intelectual do país, reforçando as condições
para a autonomia e/ou a independência nacional
o Ao mesmo tempo em que o Brasil desenvolvia-se, as Cortes
Gerais de Lisboa, reunidas após a Revolução Liberal do Porto, de 1820, apesar
de afirmarem-se “liberais”, queriam retrogradar a situação do Brasil para a
condição colonial, o que implicaria necessariamente uma violenta opressão sobre
o país
§ A Revolução Liberal do Porto e as Cortes Gerais de
Lisboa (criadas após a revolução do Porto) seguiram o impulso da Revolução
Francesa mas adotaram o modelo inglês, em que a crítica ao Antigo Regime
assumiu a forma da aberração político-intelectual que é a chamada “monarquia
constitucional”
§ De maneira bastante representativa desse movimento
foi a exigência das Cortes Gerais de retorno de d. João VI a Portugal, mantendo
Pedro de Alcântara no Brasil como Príncipe Regente
§ A regressão do Brasil à condição de colônia seria
opressiva por si só, como a conjuntura própria à Inconfidência Mineira deixava
claro; mas, em face do desenvolvimento político, econômico e social do Brasil
ocorrido desde o século XVIII e fortemente estimulado pela vinda da família
real em 1808, a imposição do status
colonial ao Brasil implicaria, necessariamente, redobradas opressões e violências
§ Vale a pena notar que tanto a instituição da
monarquia constitucional quanto o projeto de regressão do Brasil à condição de
colônia são exemplares do caráter dissolvente, absolutista e anti-histórico da
metafísica
o De qualquer maneira, considerando a distância entre
os dois países, a disparidade de tamanho e as realidades sociais e políticas, a
independência do Brasil teria que acontecer cedo ou tarde
-
Sendo d. João VI obrigado
a voltar a Portugal e sendo públicas as pretensões das Cortes Gerais a respeito
do Brasil, logo percebeu José Bonifácio que seria necessário agir e com grande
rapidez
o A partir daí, ele procurou acercar-se de Pedro de
Alcântara, que soube reconhecer o valor do ancião
o José Bonifácio soube preparar Pedro de Alcântara
para a independência; mas, ao mesmo tempo, teve que enfrentar resistências inesperadas,
totalmente retrógradas e mesquinhas, como a de Domitila de Castro, a famosa
amante de Pedro de Alcântara tornada “Marquesa de Santos”, que apoiava o
projeto “recolonial”
o O episódio do “Dia do Fico” (9.1.1822), em que Pedro
de Alcântara rejeitou a ordem de retorno a Portugal, emitido pelas Cortes
Gerais, preparou o 7 de Setembro
-
Exemplares das superiores
condições morais, intelectuais e práticas de José Bonifácio são as suas
propostas para o Brasil
o
José Bonifácio tinha extrema clareza a respeito dos
problemas e das condições brasileiras de então
§ Para
ele, cumpria integrar o imenso território
nacional, assim como permitir e realizar a integração dos três grandes elementos étnicos nacionais, o português, o africano e o indígena
§ A
integração social implicava, necessariamente, a abolição da escravidão, a
miscigenação e, depois, o estímulo à alfabetização e à indústria
§ Todavia,
ao mesmo tempo, percebendo que o país tinha sua economia baseada na escravidão,
em um regime que naquele momento não tinha perspectivas para desaparecer, José
Bonifácio entendeu que só seria possível manter o Brasil unido por meio da
monarquia: afinal de contas, para ele, a escravidão era inimiga da República
§ Em
outras palavras, a monarquia foi instituída para garantir (pelo menos por algum
tempo) a permanência da escravidão – o que equivale a dizer que a monarquia foi
implantada no Brasil como um regime explicitamente escravista e escravocrata
§ A
monarquia apresentava algumas vantagens adicionais de caráter momentâneo: por
um lado, assegurava a continuidade institucional por meio da manutenção da
dinastia reinante; por outro lado, José Bonifácio temia que a república no
Brasil seguisse os passos da América espanhola, com a fragmentação política (e
territorial)
o
Essas propostas foram expostas com grande beleza
pelo pintor positivista Eduardo de Sá, na famosa tela “José Bonifácio, a
fundação da pátria brasileira”
-
Também importa notar que, assim como com
Tiradentes, a figura de José Bonifácio foi eternizada e celebrizada por nós,
positivistas
o
Mas, não por acaso, a historiografia atual despreza
essa nossa importância, ainda que aceite os resultados de nossa atuação
o
Esse desprezo da historiografia atual pela
importante atuação dos positivistas em favor da memória de José Bonifácio segue
o impulso destruidor da metafísica marxista desde a década de 1960 (ainda que a
historiografia atual não seja marxista) e revela, no final das contas, uma
profunda mesquinhez
-
Considerando que o
Positivismo é uma religião cívica e pacifista, importa afirmar com toda as
letras: os desfiles militares não
representam a República
o
Nesse sentido, nem a proposta cívica de José
Bonifácio nem o caráter pacífico-industrial da política moderna aceitam as
demonstrações usuais de “civismo”
o
Desde pelo menos o século XIX – portanto bem antes
do regime inaugurado em 1964 –, as comemorações do 7 de Setembro resumem-se a
paradas militares. Os desfiles de pelotões, tanques e armamentos acabam
concentrando nas Forças Armadas as idéias de “civismo” e “patriotismo” e
desvirtuando a convergência pacífica dos cidadãos em prol do bem comum – que é
o fundamento e o objetivo da política republicana
o
Já em 1881 os positivistas dizíamos exatamente
isso, repetindo-o desde então
-
O 7 de Setembro resume-se
na imponente máxima de José Bonifácio, segundo quem “A sã política é filha da
moral e da razão”
o
A sabedoria política de José Bonifácio pode ser
avaliada por esta frase, que resume de maneira brilhante o programa da política
moderna: “A sã política é filha da moral e da razão”
o
É devido a concepções como essas que, juntamente
com a Independência do Brasil, no dia 7 de setembro comemoramos também a
imponente figura do grande santista que foi José Bonifácio
o
Embora não seja de origem positivista, essa máxima
evidentemente está totalmente de acordo com os mais elevados princípios morais,
intelectuais e políticos propostos pelo Positivismo
§ A
concordância com o Positivismo ocorre também porque essa máxima corresponde aos
melhores valores da política moderna
[1] Estas anotações baseiam-se na Notícia sobre a vida e a obra de Augusto Comte, escrita pelo dr. Robinet (1860), no livro O ano sem par, de Teixeira Mendes (1900), no livro Epítome da vida e dos escritos de Augusto Comte, de José Longchampt (1898), e, principalmente, no artigo “Un des anges d’Auguste Comte – Sophie Thomas”, de Maurice Wolff (Mercure de France, 44 année, tomo CCXLV, n. 842, 15.jul.1933)