27 agosto 2020

Roteiro da exposição sobre o nono mês dos calendários positivistas (Gutenberg e monoteísmo)

As anotações abaixo consistem no roteiro da celebração gravada do nono mês dos calendários positivistas, que abordam Gutenberg (a indústria moderna, no calendário concreto) e o monoteísmo (no calendário abstrato), além dos centenários compreendidos nesse período.

A gravação encontra-se disponível aqui.


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Roteiro da exposição sobre o nono mês dos calendários positivistas


Parte I – Mês concreto: Gutenberg


Gutenberg, em lâmina da Igreja Positivista do Brasil



-        9º mês do calendário positivista concreto
 o   Considerando o ano júlio-gregoriano de 2020 (ano bissexto), o mês de Gutenberg começa em 12 de agosto e termina em 8 de setembro
o   O oitavo mês concreto representa a indústria moderna
§  É o segundo mês da modernidade 
·         Como já vimos, após os sete meses da Antigüidade e da Idade Média, a modernidade é representada por seis meses (Dante, Gutenberg, Shakespeare, Descartes, Frederico, Bichat) 
o   Para entendermos a indústria moderna, é necessário caracterizarmos as duas palavras, “indústria” e “moderna” 
§  A indústria, para Augusto Comte e no presente contexto, não consiste nas fábricas, mas em uma forma de organizar a produção material (ou seja, a “economia”) 
·         O melhor a falar, então, seria em “sociedade industrial”, que se opõe a “sociedade militar”; esta busca a conquista do ser humano, ao passo que a primeira busca a conquista da natureza 
·         Em termos de organização do trabalho, a sociedade militar baseia-se não raro na escravidão e, de qualquer maneira, na desvalorização do trabalho (“maldição divina”, impedimento do “ócio criativo” e do ócio contemplativo) 
·         Já a sociedade industrial baseia-se no trabalho livre (e na correlata valorização do trabalho) e na divisão entre trabalhadores e patrões 
§  Por outro lado, a indústria moderna tem que ser distinguida da indústria antiga 
·         A indústria antiga era organizada em pequena escala, por vezes em caráter individual, em que não havia a divisão entre patrões e empregados 
·         Uma outra forma de organizar a indústria na Antigüidade era por meio das castas, em que as profissões eram hereditárias e características das famílias 
·         A indústria moderna, então, baseia-se no trabalho livre, em que a sociedade como um todo organiza-se em uma atividade pacífica e de grandes proporções; em virtude disso, ocorre a separação entre trabalhadores e patrões e os grandes contingentes de trabalhadores organizam-se em sindicatos (igualmente livres) e cada trabalhador pode escolher o ramo industrial em que deseja trabalhar 
§  Uma outra forma de entender o espírito da indústria moderna é por meio de uma oposição elaborada em 1819 pelo suíço Benjamin Constant, entre a “liberdade dos antigos” e a “liberdades dos modernos” 
·         Esse Benjamin Constant não é o nosso fundador da República; o suíço viveu entre 1767 e 1830, ao passo que o nosso deveu seu nome ao primeiro e viveu entre 1836 e 1891 
·         Na verdade, essa oposição elaborada por Benjamin Constant também não é original; ela remonta à querela dos antigos contra os modernos, que se desenvolveu após o Renascimento e que continuava viva no século XIX, como se pode ver tanto pela obra de Benjamin Constant quanto pela de Augusto Comte (bem como pela de outros pensadores) 
·         Para Benjamin Constant, a liberdade dos antigos caracterizava-se pela participação ativa nos negócios públicos, enquanto a liberdade dos modernos caracteriza-se pela ausência de impedimentos estatais à ação individual privada 
·         Mas, para além do elogio do individualismo burguês e do governo representativo, a oposição proposta pelo suíço Benjamin Constant afirma que os antigos buscavam a glória das conquistas, ao passo que os modernos buscam o conforto da produção material 
§  O mês da indústria moderna, portanto, valoriza a atividade pacífica e cooperativa entre indivíduos, classes, países e civilizações 
·         A segunda lei dos três estados, relativa à atividade prática, sintetiza essa evolução histórica: “A atividade é primeiro conquistadora, em seguida defensiva e enfim industrial” (oitava lei da Filosofia Primeira) 
o   A sociedade industrial deve organizar-se da seguinte maneira, conforme o Positivismo: 
§  Separação entre patrões e empregados, com relativamente poucos patrões e muitos empregados 
§  Os patrões têm a responsabilidade de organizar a produção material e de gerar empregos e renda para os trabalhadores 
§  Em suas atividades, os patrões empregam de maneira altruísta alguns instintos egoístas, como o de destruição, o de construção e o orgulho; assim, eles ficam mais sujeitos aos desvios do egoísmo à portanto, sua situação não é invejável e deve ser constantemente cobrado por seu comportamento e pelos resultados de suas ações 
§  Augusto Comte era fortemente crítico da burguesia francesa de sua época, que ele considerava frívola, mesquinha e egoísta à no lugar da burguesia desprezível, ele propunha a renovação moral dos patrões, que se transformariam em “patrícios” 
§  Como deve ocorrer a separação entre patrões e empregados e como a condição moral e profissional dos patrões não é invejável, os trabalhadores devem constituir a grande massa da sociedade e evitar buscar a sua transformação em patrões à assim, em particular, ocorreria a extinção da “classe média”, que seria decomposta em poucos patrões e muitos empregados 
§  A definição-recomendação de Augusto Comte para os empresários é esta: deve ocorrer a concentração de capitais e de recursos de tal forma que seja possível a um indivíduo controlá-los e dispô-los de maneira responsável 
§  Assim, o capital deve ser concentrado à mas, da mesma forma que o capital tem origem social, ele deve ter necessariamente uma destinação social, mantendo-se privada a propriedade 
§  As atividades industriais evidentemente não são iguais nem homogêneas; por isso, ocorre uma hierarquia prática que se revela também uma hierarquia moral e social, baseada na generalidade e na responsabilidade coletiva crescentes; a hierarquia dos patrões origina uma correspondente hierarquia dos trabalhadores: agricultura, indústria, comércio, bancos 
o   O mês e as semanas correspondem ao seguinte: 
§  Gutenberg – criador do instrumento que permitiu a difusão do conhecimento e o aumento das comunicações humanas (em termos estáticos e dinâmicos) e, assim, permitiu a ação pacífico-industrial sobre o planeta Terra 
§  Colombo – corresponde aos exploradores do planeta Terra, que ampliaram o nosso conhecimento sobre o Grande-Fetiche e estabeleceram as ligações entre os mais diferentes povos, permitindo, assim, a constituição da Humanidade em termos realmente universais (incluem-se aí os caminhos para as Índias, a ultrapassagem do Cabo das Tormentas, a circum-navegação, a exploração da Oceania, a ligação entre Ocidente e Oriente, entre Europa e África etc.) 
§  Vaucanson – corresponde aos inventores propriamente ditos, que buscam meios de aumentar o rendimento do nosso trabalho (incluem-se aqui o tear mecânico, o telégrafo, o cronômetro); também os artesãos de obras artísticas 
§  Watt – corresponde aos cientistas que, com suas pesquisas, permitiram a aplicação da ciência à indústria, seja ampliando o rendimento de nossa ação, seja ampliando as possibilidades de intervenções (incluem-se aqui o motor movido pela pressão do vapor, as aplicações da termologia, da física dos gases e também a aplicação da Química à vida humana) 
§  Montgolfier – corresponde às futuras e possíveis aplicações técnicas proveitosas para o ser humano, como o domínio dos ares, a agricultura científica, a manipulação genética e mesmo o embelezamento da indústria e da arte de viver 
-        Há um aspecto no mês de Gutenberg que apresenta uma importância à primeira vista inusitada, mas que, bem vistas as coisas, acabaria sendo formulada cedo ou tarde 
o   Trata-se da crítica feita pelos povos colonizados do papel dos colonizadores, muitas vezes daninhos para os dominados 
§  Esse problema está não por acaso concentrado na semana de Colombo, que reúne os exploradores (Colombo, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães, James Cook) 
§  A grita atual consiste em criticar e mesmo desprezar os grandes exploradores, bem como figuras acusadas (justa ou injustamente) de racismo; assim, estátuas estão são destruídas tanto por grupos sociais quanto por governos, nomes de instituições estão sendo modificados etc.: estátuas de Colombo e James Cook (“chacinadores”) e de Churchill (“racista” e “imperialista”); a Escola de Relações Internacionais da Universidade de Princeton retirou a referência a Woodrow Wilson de seu nome (ele era racista) 
§  Além disso, tem sido estimulada uma postura de raiva e de negação do passado; no caso dos descendentes de antigos donos de escravos e, de modo geral, no caso dos “brancos”, estimula-se um forte sentimento de culpa e de responsabilidade atual pelos crimes (efetivos ou imputados) aos antepassados 
§  É importante notar que, se por um lado o presente movimento (internacional) justifica-se pouco, a sua origem imediata ensejou e enseja os mais vívidos e corretos clamores por justiça: o assassinato de um desempregado por policiais racistas nos EUA; esse desempregado chamava-se George Floyd e morreu em meados de 2020 enquanto pedia para respirar mas tinha a garganta pressionada pelo joelho de um policial insensível ao sufocamento do homem 
o   É necessário aplicarmos o relativismo histórico: 
§  Por mais justas que sejam em parte as reclamações atuais de povos outrora dominados, é importante notar que tais reclamações baseiam-se em valores que, em grande medida, são nossos e são de nossa época 
§  Afirmar a contemporaneidade dos nossos valores não tem como objetivo torná-los “particulares”, “específicos” de nossa época e, portanto, não tem como objetivo desvalorizá-los (como os pós-modernos, os ultra-relativistas e os ultracontextualistas fazem); bem ao contrário, é necessário entender que os valores de respeito mútuo, de respeito universal, de tolerância, de rejeição da violência são valores nossos, ou melhor, são valores “novos” e recentes e que, portanto, nossos antepassados desgraçadamente não os tinham 
·         É claro que a novidade dos valores da fraternidade universal, do pacifismo, da tolerância não é tão grande assim: eles já tinham sido afirmados com clareza por Augusto Comte no século XIX – que, a esse respeito, seguia e prosseguia uma tradição que vinha pelo menos do século XVIII (com o Iluminismo) 
·         Da mesma forma, os romanos, na fase final da República (Júlio César) e já no Império (Trajano, Adriano e, de modo geral, a sua dinastia nervo-antonina) afirmavam o primado da paz e do respeito mútuo 
§  Também é necessário notar que a atividade pacífica só surge como desenvolvimento da atividade militar e em conseqüência dela; dito de outra forma, mesmo a paz e a indústria exigiram antes delas a guerra e a violência 
§   A violência praticada por exploradores contra diferentes povos é lamentável, não há dúvida 
·         Mesmo no período das colonizações, em meio às violências, havia cobranças, reprimendas, perorações: o padre Bartolomeu de las Casas na América espanhola é um exemplo 
·         Embora a violência praticada pelos colonizadores europeus seja, para nós, ocidentais atuais, motivo de vergonha e tristeza, é necessário considerar se à época em que eles agiam o seu repertório de comportamentos aceitáveis excluía a violência sistemática: de modo geral, a resposta é negativa 
§  Todavia, convém distinguir a atuação de personagens como Colombo e Cook da de Pizarro e dos ingleses na Austrália: os exploradores de modo geral foram apenas exploradores, não conquistadores 
§  Além disso, no caso dos exploradores, é importante notar que a sua ação como exploradores é por si só altamente meritória e digna de respeito e veneração 
·         O respeito e a veneração devidos aos exploradores deve-se à ampliação do conhecimento do planeta e ao estabelecimento de relações entre todas as porções da Humanidade 
·         Além disso, as epopéias de Colombo, Vasco da Gama etc. demonstram uma coragem gigantesca, ao realizarem viagens que eram, na melhor das hipóteses, meras apostas 
·         De quebra, vale notar que os exploradores comprovaram na prática, após as demonstrações gregas, que a Terra é um planeta redondo 
§  Um outro aspecto do relativismo histórico consiste em notar que a ação de povos e indivíduos não se resume a um único aspecto, de tal sorte que em suas vidas e histórias podem apresentar – e, com efeito, apresentam de fato – comportamentos positivos e negativos, altruístas e egoístas, construtivos e destrutivos 
·         O relativismo, portanto, consiste em pesar, contextualizadamente, aspectos positivos e negativos 
o   Apenas em casos excepcionais – e, a bem da verdade, patológicos – é que se pode reduzir a carreira de um povo, ou de um indivíduo, a um único traço 
·         Os “contextos” em que se deve inserir a ação de indivíduos e povos deve incluir não apenas as estruturas sociais, mas também as idéias e os valores disponíveis em cada momento 
§  Em virtude das considerações acima, destruir (ou, de qualquer maneira, suprimir) estátuas de Colombo e de Cook é um erro 
·         Da mesma forma, embora Churchill fosse mesmo imperialista, o que ele compartilhava da mentalidade do “white man’s burden” não o impediu, nunca, de buscar a fraternidade, de buscar a tolerância, de ser razoável e, acima de tudo, não o impediram de ser o brilhante e corajoso líder que manteve a Inglaterra como inimiga do nazismo durante a II Guerra Mundial 
·         No caso de Woodrow Wilson: ele era do Sul dos Estados Unidos (Virgínia), o que estimulava o racismo, não há dúvida; ele apoiava o movimento da eugenia, postulando em particular que a miscigenação (especialmente entre brancos e não brancos) causava a delinqüência social, a prostituição, o retardo mental etc.; ele apoiou essas idéias mesmo quando foi Reitor de Princeton. Essas idéias são desprezíveis e são inaceitáveis sob qualquer perspectiva; além disso, o anti-racismo já era uma causa antiga no início do século XX, especialmente após a violenta Guerra da Secessão dos EUA. Todavia, a despeito dessas idéias e dessas práticas, a atuação doméstica de Wilson foi progressista (favorável aos direitos trabalhistas) e a atuação internacional foi mais importante ainda: ele levou os EUA ao decisivo ingresso na I Guerra Mundial junto dos Aliados (França e Inglaterra), ele promoveu o chamado “idealismo” na política internacional, que consistiu na moralização da política internacional; ele defendeu a autodeterminação dos povos e, se isso tudo não fosse pouco, ele foi o responsável pela criação da Liga das Nações. Assim, é no mínimo problemático e, bem vistas as coisas, é incoerente e mesmo hipócrita desprezar a atuação de Woodrow Wilson (em particular suprimir o seu nome da Escola de Relações Internacionais da Universidade de Princeton): não há dúvida de que seu racismo travestido de uma ciência desprezível era odioso; todavia, é necessário um esforço moral e político muito grande para negar, desprezar e rejeitar a sua atuação política, principalmente na política internacional 
o   É importante insistir em uma idéia fundamental do Positivismo e do culto positivo: o calendário histórico concreto foi instituído não apenas para exibir (para o público ocidental) de maneira sintética o conjunto da evolução ocidental, mas também, e talvez principalmente, para estimular justamente o relativismo histórico 
§  O que o relativismo histórico recomenda é que respeitemos e valorizemos nossos antepassados, sabendo pesar e avaliar suas limitações e seus defeitos 
§  De maneira correlata, o elogio histórico não é devido a qualquer indivíduo: a incorporação na Humanidade exige que o indivíduo em questão seja merecedor e que cumpra a definição de Humanidade (“conjunto de seres convergentes, passados, futuros e presentes) 
·         O elogio histórico, quando adequado e justificado, exige a valorização dos aspectos positivos, mas não esconde, nem camufla, os aspectos negativos

Parte II – Mês abstrato: monoteísmo 

-        O nono mês do calendário positivista abstrato celebra o monoteísmo 
o   O monoteísmo é a terceira e última fase das fases sociológicas históricas (dinâmicas) preparatórias; as anteriores são o fetichismo e o politeísmo 
o   O monoteísmo consiste na concentração dos vários deuses em uma única entidade, todo-poderosa e reinante sobre tudo 
§  Alegadamente o monoteísmo surgiu com Moisés; mas, na verdade, o deus mosaico não se afirmava o único deus, mas o maior e superior a todos; apenas com o passar dos séculos e, em particular, após o cativeiro na Babilônia é que o judaísmo converteu-se de fato em um monoteísmo 
§  De um ponto de vista sociológico, o monoteísmo constituiu-se após o declínio moral e social do politeísmo e, na verdade, em virtude desse mesmo declínio 
§  Sugestões para a constituição do monoteísmo vinham pelo menos desde o século IV aec, como com Sócrates e, depois, como Aristóteles 
·         Em particular Aristóteles defendia um deus único que operasse como “motor inicial”, ou seja, como uma entidade que tivesse criado tudo e posto o universo em movimento, mas depois disso se afastando radicalmente de tudo 
§  O monoteísmo só vingou no início da era corrente quando as necessidades de renovação moral ficaram bastante evidentes; a partir daí é que atuou São Paulo, que criou o catolicismo mas que, em sua modéstia, em sua sabedoria e em sua perspicácia, atribuiu a sua obra a outro, que lhe assumiu o nome da doutrina 
§  As necessidades de renovação moral só ficaram evidentes quando o Império Romano dominou toda a bacia do Mediterrâneo (além da Península Ibérica, das Gálias, dos Bálcãs e do Oriente Médio): essa dominação permitiu a imposição dos hábitos da paz e a necessidade de reorientação das vidas individuais e dos destinos coletivos dos povos envolvidos 
·         Essas considerações histórico-sociológico-morais têm algumas conseqüências: por um lado, o judaísmo, embora seja em si mesmo um monoteísmo e tenha influenciado o catolicismo, para o que nos interessa, é secundário e não foi determinante para a constituição do catolicismo; além disso, a partir dessas considerações o surgimento do catolicismo deixa de ser milagroso, como nos relatos tradicionais, e passa a ser explicado racionalmente 
§  Os monoteísmos considerados por Augusto Comte (catolicismo e islamismo) têm algumas características (ou “propriedades”) importantes para nós: 
·         Eles passaram a afirmar diretamente a necessidade de moralidade na conduta humana; o politeísmo, embora regesse até certo ponto a moralidade, servia mais para explicar o mundo e menos para regrá-lo 
o   O monoteísmo em última análise é imoral, pois a divindade é profundamente arbitrária; mas, ainda assim, atribui-se a ela alguns motivos morais e, de qualquer maneira, a partir dela estabelece-se um código moral de conduta 
o   A moralidade monoteísta, além disso, em si mesma é profundamente imperfeita, pois rejeita o caráter inato dos instintos altruístas e também estabelece móveis egoístas para a conduta humana (a ambição do paraíso, o medo do inferno); mas, enfim, era o possível na época e era o possível para regrar populações com hábitos grosseiros 
·         Embora em si mesmos exijam a adesão aos seus dogmas – que, na época em que foram estabelecidos, eram radicalmente contrários aos hábitos mentais, morais e sociais das populações (os romanos, por exemplo e com justiça, repudiavam os dogmas católicos como imorais) –, os monoteísmos permitem a constituição de religiões universais, pois que ultrapassam as origens nacionais dos politeísmos 
§  O catolicismo surgiu no ambiente romano; no século VII surgiu o Islã, que, em sua rápida expansão seguida da reação católica, acabou dividindo mais ou menos ao meio os antigos territórios romanos: como se sabe, tomando-se como divisor a linha que vai da Grécia ao Egito, os territórios a Leste ficaram sob o Islã, os territórios a Oeste (o Ocidente) ficaram sob o catolicismo 
·         O catolicismo e o islamismo são os monoteísmos principalmente considerados por Augusto Comte justamente porque eles foram duas formas que buscaram resolver a moralização da vida e da política, a partir do Império Romano 
·         O catolicismo é profundamente complicado, com seu dogma da trindade, com a postulação da vida após a morte e a reencarnação (ou ressurreição) etc.; o islamismo, em contraposição, embora mantenha a promessa da vida eterna após a morte, simplifica o dogma, ao suprimir a trindade e ao postular o caráter santo (mas não divino) do “filho” (reduzido à condição de profeta anterior a Maomé) 
·         A simplicidade islâmica evita os debates tão próprios às populações submetidas ao Islã e garante que o chefe islâmico (o califa e, em menor grau, o sultão, após o próprio Maomé) mantenha-se como chefe temporal (isto é, como chefe militar) em vez de ser também um chefe espiritual 
·         A complicação do dogma católico foi possível também devido à separação (imperfeita, claro está) entre os dois poderes: o chefe temporal governava, o chefe espiritual regia as discussões teológicas 
·         Os defeitos morais e intelectuais próprios ao catolicismo – que, como indicamos, já eram bastante claros para os romanos – foram atenuados pela sabedoria prática do clero católico, especialmente por inúmeros papas que reinaram até cerca de metade do ciclo das cruzadas (século XII) 
§  O catolicismo e o islamismo são incompatíveis, o que conduziu à disputa entre ambos por hegemonia 
·         No Ocidente, a reação feudal proposta e coordenada pelo papado realizou, na última fase da Idade Média, a realização final e plena do feudalismo, que consiste na combinação digna entre a independência e o concurso entre as unidades políticas à isso deixa claro que o feudalismo não se caracterizava por “anarquia” 
·         A reação ocidental ao avanço muçulmano consistiu, em um primeiro momento, em barrar o avanço na França, com Carlos Martel, em Poitiers; depois, nas guerras de reconquista ocorridas ao longo de vários séculos na Península Ibérica; a partir do século XI, esforços mais sistemáticos, de grande envergadura e agrupando o conjunto dos povos ocidentais ocorreram por instigação do papado, na forma das cruzadas 
·         Os constantes choques entre catolicismo e islamismo conduziram à sua neutralização mútua e às suas decadências, cujo marco e símbolo foi a batalha de Lepanto (próximo a Corinto, na Grécia), em 1571, em que as armadas das duas religiões bateram-se; a batalha foi mais ou menos vencida pelas forças cristãs, mas, de qualquer maneira, ela indicou o empate entre Islã e catolicismo e, portanto, a aceitação mútua da incapacidade de um dominar e destruir o outro à sinal desse reconhecimento foi os cristãos abandonarem aos muçulmanos o suposto berço de Cristo (até 1948, bem entendido) 
§  A incapacidade dos dois monoteísmos e sua mútua neutralização deixam claro a necessidade de uma fé demonstrável e plenamente universalizável, isto é, do Positivismo 
o   Um último aspecto dos monoteísmos é que eles afirmam a síntese objetiva e absoluta 
§  Após a síntese subjetiva absoluta, própria ao fetichismo, tanto o politeísmo quanto o monoteísmo consagraram a síntese objetiva absoluta: ora, a única síntese verdadeira e durável tem que ser subjetiva e relativa, que é a instituída pelo Positivismo 
§  Apesar desse defeito intelectual do monoteísmo, é importante assinalar que ele foi a última síntese que no Ocidente afirmou a lógica afetiva (ao mesmo tempo que afirmava a importância da lógica dos sinais) 
o   As quatro festas semanais comemorativas do monoteísmo são as seguintes: 
1)      Monoteísmo teocrático (Abraão, Moisés, Salomão) 
2)      Monoteísmo católico (São Paulo; Carlos Magno; Alfredo; Hildebrando; Godofredo; São Bernardo) 
3)      Monoteísmo islâmico (Lepanto) (Maomé) 
4)      Monoteísmo metafísico (Dante; Descartes; Frederico)

 

Parte III – Comemorações de aniversários 

-        Em termos de aniversários, comemoramos neste mês as seguintes figuras: 
o  Em 15 de Gutenberg (26 de agosto): 
§  Morte de Stevin (1548-1620) 
o  Em 16 de Gutenberg (27 de agosto): 
§  Nascimento de Mariotte (1620-1684) 
Em 17 de Gutenberg (28 de agosto): 
§  Nascimento de Agustín Aragón (1870-1954) 
o  Em 25 de Gutenberg (5 de setembro) 
§  Morte de Augusto Comte (1798-1857) 
o  Em 27 de Gutenberg (7 de setembro) 
§  Independência do Brasil (1822)

Possível rosto de Gutenberg
Simon Stevin
Edme Mariotte
Agustín Aragón
Túmulo de Agustín Aragón
Monumento em homenagem a Augusto Comte, na Universidade Sorbonne (Paris)
Reprodução de daguerreótipo de Augusto Comte
Memento mori (foto do morto) de Augusto Comte
Memento mori (foto do morto) de Augusto Comte
Memento mori (foto do morto) de Augusto Comte
Augusto Comte
José Bonifácio retratado no quadro de Eduardo de Sá, "A pátria brasileira"
Estátua de José Bonifácio em Washington (DC)
José Bonifácio



Referências bibliográficas 

Ângelo Torres: Calendário Filosófico 
David Carneiro: História da Humanidade através dos seus grandes tipos, v. 4-5 
Jean-François Eugène Robinet: Notice sur l’oeuvre et la vie d’Auguste Comte 
Joseph Lonchampt: Epítome da vida e dos escritos de Augusto Comte 
Raimundo Teixeira Mendes: As últimas concepções de Augusto Comte 

25 agosto 2020

Portal Bonifácio: "Intérpretes do Brasil – os Positivistas"

Após quase um século de pesado e daninho desprezo político e intelectual da parte dos liberais, dos marxistas e/ou dos católicos, felizmente parece que aos poucos o Positivismo vem sendo recuperado e revalorizado pelas elites políticas e sociais brasileiras preocupadas com os destinos nacionais. Isso é motivo para grande comemoração.

 

O texto abaixo foi publicado em um portal eletrônico de caráter nacional-desenvolvimentista intitulado Bonifácio. O original do artigo encontra-se disponível aqui.

 

O autor do texto, entretanto, a despeito da boa vontade ao escrever o texto acima, cometeu alguns equívocos:

 

(1) o projeto positivista NÃO foi implantado durante o regime militar; na verdade, os militares que tomaram o poder eram influenciados pelo autoritarismo e pelo fascismo e combatiam encarniçadamente o Positivismo;

 

(2) o projeto social positivista levava em consideração a "sociedade industrial", que é a forma de organização social baseada no trabalho livre e na divisão entre trabalhadores e patrões; ela NÃO equivale a "industrialismo" ou ao primado das fábricas;

 

(3) simplesmente não está claro o que significa a afirmação segundo a qual Getúlio Vargas teria ampliado o castilhismo em nível nacional, após 1930; em particular, o Estado Novo foi incluenciado pelos fascistas (Góes Monteiro, Francisco Campos e até laivos de Plínio Salgado) e não pelos positivistas, assim como a queima das bandeiras estaduais foi um ato simbólico representativo de uma política radicalmente antifederalista e anticastilhista.

 

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Intérpretes do Brasil – Positivistas

 

Felipe Maruf Quintas

 

22/08/2020

 

O positivismo no Brasil foi, em grande parte, organizado e difundido pela Sociedade Positivista brasileira, fundada em 5 de setembro de 1878 por Benjamin Constant (1836-1891), Miguel Lemos (1854-1917) e Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927). Ela foi um núcleo de pensamento e de organização política influenciado pelo positivismo francês, corrente teórica inaugurada pelo filósofo Augusto Comte, um dos fundadores da sociologia.

 

Segundo o conceituado sociólogo nacionalista Alberto Guerreiro Ramos, os positivistas foram os que “pela primeira vez, entre nós, colocaram com toda clareza o problema da formulação de uma teoria da sociedade brasileira como fundamento da ação política e social” (Ramos, 1957, p. 56). Isto é, o conhecimento científico da realidade social própria do Brasil era a condição basilar para a adequada intervenção política nos rumos do país. 

 

Caso contrário, a ação política limitar-se-ia ao simples empirismo, como teria sido o caso, de acordo com eles, da Inconfidência Mineira, da Revolução Pernambucana de 1817 e da Independência em 1822.

 

Os positivistas valorizaram a memória desses eventos fundadores da nacionalidade e, em particular, resgataram as figuras históricas de Tiradentes e de José Bonifácio, esquecidos durante a Monarquia, colocando-as no panteão dos Pais da Pátria. Propuseram, então, continuar e aprofundar o trabalho histórico de construção do Brasil soberano por eles iniciado, partindo da compreensão científica da realidade brasileira, cujos instrumentos teóricos e metodológicos ainda não teriam sido formulados nos contextos pretéritos em que a Independência havia sido tentada e conseguida.


O caráter analítico sustentaria, assim, o normativo. Os positivistas elaboraram um arrojado projeto de Nação, bastante influente nos anos iniciais da República e que seria aplicado, em essência, no século XX, durante a Era Vargas e o regime militar.

 

A Pátria foi entendida por eles como intermediária entre as famílias, unidade básica da sociedade, e a humanidade, ponto de referência superior da ação política. Tal concepção evitava, assim, o individualismo atomizante próprio da ideia britânica de Estado formulada por Thomas Hobbes e John Locke e, também, o chauvinismo belicista, em tudo contrário à disposição fraterna que os positivistas buscavam estabelecer nas relações internas ao Brasil e externas do nosso País com os demais.

 

Sendo considerada “uma reunião de famílias ligadas pelas mesmas tradições, pelos mesmos interesses, pelas mesmas aspirações” (Teixeira Mendes, 1902, p. 3), a Pátria deveria, então, ser venerada e celebrada em sua história, formadora das possibilidades presentes de construção de um futuro melhor. A ordem, construída pela história e mantida pelo culto aos ancestrais, era a base para o progresso, para o conjunto de melhoramentos aos que a Pátria estaria destinada.

 

Tais possibilidades de melhoria, por sua vez, dependeriam de uma direção intelectual, moral e política, que os positivistas se propunham assumir e colocar em prática por meio do planejamento governamental.

 

A organização nacional proposta pelos positivistas tinha como eixos a República, a centralidade do Poder Executivo, a supressão da hereditariedade dos cargos políticos, a abolição da escravatura sem indenização aos antigos senhores, a separação entre o Estado e a Igreja e as liberdades civis como a de pensamento, de expressão e de culto.

 

O desenvolvimento industrial – entendida a agricultura como a “indústria fundamental” – seria o cerne da estruturação do Brasil projetado pelos positivistas. Segundo eles, o industrialismo seria a base material da moralização da sociedade, ainda mais a brasileira, marcada pelo modelo dissipador do latifúndio escravista voltado ao atendimento prioritário da demanda externa.

 

A indústria elevaria o meio técnico de organização do trabalho, favorecendo uma maior produção e circulação dos bens necessários à elevação do padrão de vida do conjunto da população, bem como uma maior solidariedade social pelo aumento da divisão do trabalho.

 

Defensores da grande propriedade – a mais propícia, segundo eles, para encadear os efeitos positivos da indústria -, os positivistas não deixaram de assinalar a sua função eminentemente social. O capital, surgido do concurso coletivo ao longo de várias gerações, deveria servir ao bem estar das gerações presentes e vindouras. Não seria, portanto, meramente privado, mas um instrumento da sociedade a fim de encaminhar o progresso para todos, devendo ser planejado para essa finalidade.

 

A indústria deveria ser organizada do ponto de vista civil e social, seguindo um planejamento político, não de acordo com o laissez-faire propugnado pelo liberalismo. A ordem industrial não deveria ser guiada por interesses particulares desenfreados, mas pelos interesses de toda sociedade, quer dizer, de toda a Pátria. O desenvolvimento industrial estaria subsumido, assim, à Questão Nacional. Portanto, seria imperativa a incorporação dos trabalhadores, que constituíam a massa de cidadãos, à fruição das melhorias engendradas pela indústria.

 

Ainda que os positivistas enfatizassem a necessidade de uma reforma moral e intelectual dos industriais para conscientizá-los do papel social a que estavam destinados a cumprir, eles não perderam de vista a necessidade de mudanças institucionais.

 

Por isso, em 25 de dezembro de 1889, Teixeira Mendes, por intermédio de Benjamin Constant, apresentou ao Governo Provisório da República nascente um ambicioso projeto de reforma legal das condições de trabalho para proteger a “família proletária contra o empirismo industrialista”. Esse plano, elaborado a partir da consulta a cerca de 400 operários, e não a Carta del Lavoro da Itália fascista, foi a base para a legislação trabalhista adotada por Getúlio Vargas.

 

Entre as medidas propostas, constavam o salário mínimo, a jornada de trabalho de 7 horas diárias, a proibição do trabalho infantil, o direito a férias de 15 dias e à folga dominical, a estabilidade no emprego após 7 anos de serviço, a licença remunerada em caso de doença, aposentadoria por idade e por invalidez, pensões às viúvas e órfãos menores de idade.

 

Tais medidas, muito à frente do estágio então presente das forças produtivas brasileiras, foram arquitetadas deliberadamente para impedirem que a industrialização em nosso País se desse nas condições hostis ao trabalhador e sua família, verificadas na maioria dos países que compõem o centro capitalista norte-atlântico. O modelo de desenvolvimento propugnado pelos positivistas era, portanto, de cunho social, dirigido prioritariamente para o bem-estar da sociedade como um todo e não para a acumulação de riqueza nas mãos de poucos capitães de indústria.

 

Os positivistas brasileiros influenciaram significativamente os círculos militares e o movimento republicano, podendo ser considerados, com justiça, patronos da República brasileira.

 

Benjamin Constant teve papel decisivo na Proclamação da República, convencendo o até então monarquista Deodoro da Fonseca a aderir à causa republicana e dirigindo a rebelião militar para que a substituição de regime não desandasse em violência e revanchismo. A criação, em 1890, do Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, voltado a organizar a educação básica no Brasil, atendeu a solicitação de Benjamin Constant, tendo sido desmantelado após o seu falecimento.

 

Teixeira Mendes, por sua vez, é o autor da atual bandeira nacional, tendo sido da sua iniciativa a preservação do traçado básico da bandeira imperial e a inclusão do lema “Ordem e Progresso”, derivado do lema comteano “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”. Foi estabelecida em contraposição à bandeira sugerida por Rui Barbosa, cópia verde-amarela da dos EUA, absolutamente incompatível com a nossa identidade e as nossas tradições.

 

Houve, pois, forte influência positivista no Exército e a participação decisiva de alguns dos seus principais quadros na Proclamação da República e, também, na instauração do Estado laico na primeira Constituição republicana.

 

Todavia, o reformismo social positivista, em grande parte, não obteve efetivação prática em âmbito nacional durante a Primeira República, principalmente a partir dos governos de Prudente de Morais e de Campos Sales, que consolidaram no comando do país a coalizão oligárquica capitaneada pelos cafeicultores paulistas.

 

Ainda assim, e possibilitado pelo federalismo adotado na República, o positivismo foi decisivo, em particular, no plano estadual do Rio Grande do Sul. Os governos do PRR (Partido Republicano Riograndense), liderados por Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros e Getúlio Vargas, estabeleceram uma direção fortemente positivista à administração desse estado, formando uma vertente política do positivismo alcunhada de castilhismo. Desse modo, o Rio Grande do Sul, em linha contrária ao do liberalismo oligárquico prevalecente na esfera federal, conheceu avanços substantivos em sua estrutura produtiva, na cobertura dos serviços públicos e na proteção aos trabalhadores. Essa última, inclusive, foi assegurada pela Constituição estadual de 1891, redigida por Castilhos e de elevada inspiração positivista.

 

O positivismo também foi marcante nos governos de Moniz Freire (1892-1896 e 1900-1904) no Espírito Santo, estado onde a Constituição também recebeu forte influência do positivismo; nos governos de Lauro Sodré (1891-1897 e 1917-1921) no Pará; e no governo de João Pinheiro (1906-1910) em Minas Gerais. A capital mineira, Belo Horizonte, havia sido planejada no final do século XIX por um engenheiro positivista, Aarão Reis (1853-1936), cuja contribuição para a economia política brasileira muito influenciou o futuro presidente Getúlio Vargas. Em todos esses estados, a prática do planejamento econômico levou a administrações inovadoras e a uma grande prosperidade material.  Em grande parte, o projeto delineado pela Sociedade Positivista alcançou realização empírica nesses estados.

 

No âmbito nacional, o projeto positivista de industrialização concomitante à formação de um Estado de bem-estar social tipicamente brasileiro somente veio a ser colocado em prática após a Revolução de 1930, que, de certa forma, amplificou o castilhismo em escala nacional. Em maior ou menor grau, os sucessivos governos nacionais até aproximadamente 1980 foram influenciados pelo positivismo, fazendo com que o Brasil se tornasse um dos países de maior crescimento industrial nesse período.

 

Tanto os postulados teóricos quanto as contribuições programáticas do positivismo permanecem atuais no século XXI.

 

A primazia dos interesses nacionais sobre os particulares e a superação dos conflitos e ódios em favor da unidade da Pátria são a base para o êxito de todos. A retomada da industrialização, necessária para incrementar a posição do Brasil e dos seus empresários na ordem internacional multipolar que se delineia, precisa ser compatível com o atendimento das necessidades materiais e espirituais de um contingente de mais de 200 milhões de compatriotas, que constituem a essência e a razão de ser da Nação. Em um país infelizmente marcado pela precariedade das condições de vida da maior parte da população, o desenvolvimento das forças produtivas deve servir à edificação de uma sociedade mais justa e generosa, de modo a solidificar os vínculos de solidariedade nacional, condição fundamental para o Brasil sobreviver e prosperar frente aos desafios desse século.

 

Referências e sugestões de leitura:

 – A Pátria Brasileira – Teixeira Mendes. 1902. Disponível em: http://www.biblio.com.br/conteudo/teixeiramendes/molduraobras.htm

18 agosto 2020

Roteiro da exposição sobre o oitavo mês dos calendários positivistas (Dante e politeísmo)

O roteiro abaixo consiste na estrutura escrita de uma exposição oral, que, por sua vez, encontra-se disponível aqui.

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Roteiro da exposição sobre o oitavo mês dos calendários positivistas


Dante, em lâmina da Igreja Positivista do Brasil


Parte I – Mês concreto: Dante

-        8º mês do calendário positivista concreto
o   Considerando o ano júlio-gregoriano de 2020 (ano bissexto), o mês de Dante começa em 15 de julho e termina em 11 de agosto
o   O oitavo mês concreto representa a epopéia moderna
§  É o primeiro mês da modernidade
·         Após os meses da Antigüidade e da Idade Média, começa agora a modernidade, com seis meses (Dante, Gutenberg, Shakespeare, Descartes, Frederico, Bichat)
§  Augusto Comte dedica dois meses à arte moderna, Dante (epopéia moderna) e Shakespeare (drama moderno)
·         De acordo com Frederic Harrison, esses dois meses devem ser entendidos em conjunto, representando a poesia (incluídas aí a literatura em prosa e o teatro), a música, a pintura, a arquitetura e a escultura
o   Eles constituem um total de 49 nomes, que vão do século XII ao XIX
·         Essa grande quantidade de tipos artísticos deve-se à ampliação das possibilidades e dos temas passíveis de serem tratados pela arte, na modernidade
·         A arte na Antigüidade referia-se a valores e a uma estrutura social mais aceitas, de modo que ela atingiu formas mais perfeitas
·         Em contraposição, a modernidade apresenta um movimento mais contraditório, mais conflitos e valores menos aceitos, o que torna a sua arte menos capaz de idealizar a realidade; mas, ao mesmo tempo, torna-a mais variada e mais audaciosa
o   O mês e as semanas correspondem ao seguinte:
§  Dante – representa a poesia que idealiza e julga (de maneira crítica) os homens e as situações, ou seja, idealiza e julga tanto os indivíduos quanto as sociedades
§  Ariosto – poetas em verso ou prosa que idealizam a natureza e a conduta humanas
§  Rafael – autores de obras “plásticas” (pintores, arquitetos, escultores); o que importa são as escolas e os estilos representados, não propriamente os autores de obras-primas
§  Tasso – autores de obras sobre a cavalaria e os valores cavalheirescos, além de romances históricos
§  Milton – literatura religiosa e afetiva, incluindo os místicos e os panteístas
-        Vale notar que Dante é um dos nomes mais importantes para Augusto Comte:
o   No Catecismo, ele é citado 12 vezes (subindo para 20 se considerarmos as notas de Miguel Lemos, na edição brasileira)
o   Dante integra o quadro de predecessores filosóficos (e sociológicos) de nosso mestre e, portanto, da própria Religião da Humanidade:
§  Antigüidade: Aristóteles
§  Idade Média: São Tomás de Aquino, Rogério Bacon e Dante
§  Modernidade: Bacon, Descartes e Leibniz; Hume (e Kant), Condorcet (e De Maistre), Bichat (e Gall)
o   Dante é considerado por nosso mestre como o maior poeta moderno e integra o triângulo dos 13 grandes poetas ocidentais:


Parte II – Mês abstrato: politeísmo

-        O oitavo mês do calendário positivista abstrato celebra o politeísmo
o   O politeísmo é a segunda fase das fases sociológicas históricas (dinâmicas) preparatórias; as demais são: o fetichismo (antes) e o monoteísmo (depois)
o   O politeísmo corresponde à “teologia” propriamente dita; por meio da astrolatria, ele surge do processo de abstração da realidade, em que a atividade dos corpos deixa de ser espontânea (no fetichismo) e passa a ser devida a causas externas – inicialmente os astros e depois os deuses
o   Essa passagem foi historicamente necessária para que o processo de abstração tivesse lugar – e, portanto, a constituição da própria ciência
§  Enquanto o fetichismo baseia-se na lógica afetiva diretamente, o politeísmo institui a lógica das imagens
§  A astrolatria surge naturalmente da aparente fixidez dos corpos celestes, além dos movimentos repetitivos dos dois grandes e impressionantes corpos, o Sol e a Lua
§  O politeísmo em sua forma conservadora, dominado pelos sacerdotes, constitui a teocracia propriamente dita
·         A teocracia inicial, além disso, busca regular toda a natureza humana, em um equilíbrio que só é possível por meio do seu caráter estático
·         Uma das formas mais estáveis de organizar a sociedade na teocracia é por meio das castas, nas quais as profissões assumem um caráter hereditário
§  Quando o equilíbrio sacerdotal é quebrado, o politeísmo passa de conservador para progressista (sob os guerreiros) – e, no caso do Ocidente, teve aí início a nossa longa tríplice transição (Grécia, Roma, Idade Média)
§  O politeísmo progressista tem uma característica social importante, que é sua “plasticidade”: o panteão de um povo sempre podia ser incorporado aos de outros povos, fosse por meio da assimilação pura e simples (como a egípcia Ísis, que foi integrada como deusa dos mensageiros ao panteão romano), fosse por meio da equiparação entre panteões (como o grego ao romano)
·         Essa plasticidade do politeísmo foi um dos fatores que permitiu a expansão dos impérios na Antigüidade, com uma correlata tolerância religiosa
·         Mas, por outro lado, o politeísmo guardava ainda um caráter de religião nacional, o que dificultava sua difusão à o monoteísmo, embora evidentemente seja muito menos “plástico” que o politeísmo, tem a vantajosa característica de ser mais universalizável que o politeísmo
o   São quatro as modalidades determinadas por nosso mestre no politeísmo, com as respectivas festas:
1)      Politeísmo conservador – Festa das castas
2)      Politeísmo intelectual (Salamina) – Estético (Homero, Ésquilo, Fídias)
3)      Politeísmo intelectual (Salamina) – Teórico (Tales, Pitágoras, Aristóteles; Hipócrates, Arquimedes; Apolônio, Hiparco)
4)      Politeísmo social (Cipião, César, Trajano)
-        Ao longo das obras de Augusto Comte as observações ao politeísmo são inúmeras, ocupando centenas de páginas, tanto em termos abstratos (avaliação do politeísmo em si) quanto em termos concretos (avaliação das fases e dos tipos ligados ao politeísmo)

 

Parte III – Comemorações de aniversários

-        Em termos de aniversários, comemoramos neste mês as seguintes figuras:
o   Em 1º de Dante (15 de julho):
§  Nascimento de Jean-Pierre Fili (1820-1892)
o   Em 14 de Dante (28 de julho)
§  Morte de Rafael (1483-1520)
o   Em 27 de Dante (10 de agosto)
§  Morte de Miguel Lemos (1854-1917)

Estátua de Dante em Florença

Dante, em ilustração de Gustavo Doré

Rafael Sanzio - Autorretrato com um amigo (c. 1580)
Auto-retrato de Rafael com um amigo

Rafael

Medalhão com efígie de Miguel Lemos

Miguel Lemos

Miguel Lemos, em foto oficial da Igreja Positivista do Brasil

Placa da rua Miguel Lemos, no Rio de Janeiro
Placa da rua Miguel Lemos, na cidade do Rio de Janeiro

Referências bibliográficas

Raimundo Teixeira Mendes: As últimas concepções de Augusto Comte
João Pernetta: Os dois apóstolos (2 v.)
David Carneiro: História da Humanidade através dos seus grandes tipos, v. 6
Ivan Lins: História do Positivismo no Brasil
Ângelo Torres: Calendário Filosófico
Diane Dosso: Comité destravaux historiques et scientifiques, « Sociétés savantes »