[O meu artigo "Respostas comtianas às críticas do interpretativismo" foi temporariamente tirado do meu blogue, a fim de ser submetido a avaliação por uma revista científica. Tão logo eu tenha um posicionamento a respeito, ele será postado novamente, seja como artigo publicado, seja como simples postagem. 31.3.2016]
Este blogue é dedicado a apresentar e a discutir temas de Filosofia Social e Positivismo, o que inclui Sociologia e Política. Bem-vindo e boas leituras; aguardo seus comentários! Meu lattes: http://lattes.cnpq.br/7429958414421167. Pode-se reproduzir livremente as postagens, desde que citada a fonte.
22 junho 2015
Sobre o “empiricismo” qualitativista
Há um mito segundo o qual o mero
acúmulo de dados quantitativos – números, tabelas, estatísticas –
corresponderia a um conhecimento social científico. Isso é um mito, que
poderíamos qualificar de “empiricismo quantitativo”.
Isso, de modo geral, ninguém
contesta. O que provavelmente incomodará muitos é que também há um “empiricismo
qualitativo”. Com uma freqüência
alarmante, ele é vendido como “ciência” social, por vezes com o nome imponente
de “microssociologia”. Ele consiste no acúmulo de narrativas sobre os hábitos
de grupos, de indivíduos, de interações variadas; também acumula depoimentos,
narrativas “nativas” e assim por diante. Como é “qualitativo” e como “dá voz ao
povo”, ganha ares de boa prática sociológica. Mas é só isso: a versão
qualitativa do mesmo “empiricismo” indicado na forma numérica acima.
Infelizmente, só se reconhece
como “empiricista” – isto é, só se reconhece os vícios intelectuais próprios ao
empirismo extremado – o “empiricismo quantitativo”. Sua versão qualitativa é
amplamente respeitada e praticada em todas as Ciências Sociais – não apenas na
Sociologia e na Ciência Política, mas também na Antropologia e na História. (É
verdade que menos na Ciência Política, na qual é mais fácil detectar o “empiricismo
quantitativo”. Mas na área da Teoria Política “normativa” o “empiricismo
qualitativo” é muito fácil de ser notado.)
18 junho 2015
Livro eletrônico: "Pan-americanismos entre a segurança e o desenvolvimento"
Divulgo aqui o livro eletrônico "Pan-americanismos entre a segurança e o desenvolvimento: a Operação Pan-Americana e a Aliança para o Progresso", resultante da minha dissertação de mestrado em Sociologia Política (UFPR, 2004), publicado pela editora Poiesis. O livro tem o gentil prefácio do Prof. Dr. Alexsandro Eugênio Pereira, também da UFPR.
O livro pode ser adquirido por meio deste vínculo, na livraria eletrônica Amazon.com.br.
* * *
O livro pode ser adquirido por meio deste vínculo, na livraria eletrônica Amazon.com.br.
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PAN-AMERICANISMOS ENTRE A SEGURANÇA E O DESENVOLVIMENTO:
A Operação Pan-Americana e a Aliança para o Progresso
Autor(es):
Gustavo Biscaia de Lacerda
Alexsandro Eugenio Pereira (Prefácio)
Volume:
1
Ano:
2015
Formato:
eBook
Página:
96
Assunto:
Ciência política
ISBN:
978-85-61210-43-4
Preço:
R$9,90
Sinopse:
O Brasil passou por um momento de diversificação das relações exteriores. Contudo, isso não significou romper com os estadunidenses, mas ampliar o leque de opções com parceiros estratégicos tendo em vista os propósitos do desenvolvimento. As relações com os Estados Unidos constituem, portanto, um dos temas perenes da política externa brasileira, inclusive neste início de século XXI. Por isso, ao destacar essas relações como objeto de análise privilegiado, o livro de Gustavo Biscaia de Lacerda apresenta uma importante contribuição para os estudos de políticas externas em perspectiva comparada ao oferecer aos seus leitores uma análise das perspectivas distintas alimentadas pelos dois países na cena internacional dos anos 1950 e 1960: a visão estadunidense sobre a América Latina e, particularmente, o Brasil; a visão brasileira sobre a funcionalidade das relações brasileiras com os Estados Unidos no contexto de enfrentamento de um dos principais gargalos do nosso desenvolvimento econômico: a ausência de capitais necessários para alavancar o processo substitutivo de importações inaugurado a partir dos anos 1930. A visão dos Estados Unidos emergiu na iniciativa intitulada “Aliança para o Progresso” de 1961, enquanto a visão brasileira apareceu, antes, na iniciativa da “Operação Pan-Americana”, de 1958, lançada pelo governo Juscelino Kubitschek (1956-1961). As duas iniciativas estão situadas no contexto da Guerra Fria, caracterizado pelo conflito entre a União Soviética e os Estados Unidos. Ambas tiveram como propósito pensar estratégias para o desenvolvimento da América Latina, afastando os países dessa região do comunismo e da influência soviética. São, portanto, duas iniciativas marcadas pelo contexto internacional da bipolaridade, mas que são apresentadas por países em posições muito distintas no sistema internacional: de um lado, a maior potência bélica e econômica do mundo; de outro lado, um país subdesenvolvido e orientado por uma estratégia de desenvolvimento, compreendida, por muitos intelectuais do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) nos anos 1950, como Álvaro Vieira Pinto e Roland Corbisier (para citar alguns deles) como o meio a partir do qual o Brasil ingressaria no seleto grupo das grandes potências em condição menos subalterna. As duas iniciativas, ainda, estão orientadas por objetivos distintos: os Estados Unidos visavam a manter sua influência na América Latina por intermédio do afastamento dos países da região da ameaça comunista; o Brasil, por sua vez, orientava e instrumentalizava sua política externa na direção do desenvolvimento, procurando jogar segundo as regras estabelecidas pelo conflito – que era, sobretudo, ideológico e político – entre as superpotências.
17 junho 2015
Resumos das exposições sobre a audiência sobre ensino religioso confessional
Indico abaixo várias matérias produzidas pela assessoria de comunicação do Supremo Tribunal Federal ao longo do dia 15.6.2015 a respeito da audiência sobre ensino religioso obrigatório confessional.
Como são muitas matérias, não as reproduzirei integralmente; apenas indicarei os títulos e os vínculos.
Alguns comentários gerais.
Evidentemente, os grupos humanistas acadêmicos e da sociedade civil puseram-se contrários tanto ao ensino religioso obrigatório quanto ao ensino confessional. Entram nessa categoria cinco ou seis expositores, o que revela uma concordância generalizada contra o clericalismo pedagógico.
É digno de nota que também judeus, batistas e espíritas são completamente contrários ao ensino religioso obrigatório e, ainda, ao confessional.
Os representantes dos chamados cultos afrobrasileiros e da ioga foram ambivalentes, ao proporem que o ensino religioso contemple todas as religiões. O representante do budismo, segundo a matéria, foi genérico e não expôs de verdade nenhuma posição a respeito do tema em pauta.
Os representantes das Assembléias de Deus não tiveram unidade de idéias: dois foram fortemente contrários ao ensino confessional e outro foi favorável.
Os católicos, os muçulmanos, a Igreja Universal e - pasme-se! - a Câmara dos Deputados (!!!) são a favor do ensino religioso obrigatório e confessional. A "Frente Parlamentar Mista em Defesa da Família" - nome pomposo que aglutina os teológicos monoteístas no Congresso Nacional - também defendeu o clericalismo. O Conselho Nacional de Secretários de Educação foi ambíguo a respeito, tendendo a ser favorável ao clericalismo pedagógico.
Não se entende porque houve dois representantes católicos (CNBB e Arquidiocese do Rio de Janeiro), três representantes das Assembléias de Deus (Igreja de Belém e Convenção Nacional), dois representantes judeus (Juristas Brasil-Israel e Confederação Israelita), além de vários grupos jurídicos.
Inversamente, a Igreja Positivista do Brasil e a Igreja Positivista de Porto Alegre - que pleitearam representação na audiência e que desde sempre são algumas das mais importantes defensoras da laicidade do Estado - tiveram negadas suas representações.
Por fim, deve-se notar que, contrariamente ao que afirmou o representante batista, a proclamação da República em 1889 acarretou imediatamente a laicização do Estado e a inexistência de ensino religioso público, obrigatório ou não, confessional ou não. Essa disciplina só passou a existir após 1930, devido à pressão da Igreja Católica, na pessoa do cardeal Sebastião Leme, que conduzia desde 1916 o movimento da "neocristandade".
Além disso, foi devido à pressão da Igreja Católica e dos evangélicos na Constituinte de 1987-1988 e da ação de Ulisses Guimarães, que há a referência ao "deus" no "Preâmbulo" da Constituição e a previsão constitucional de ensino obrigatório de uma única disciplina, que é a de "religião".
Abaixo, as matérias do STJ:
- Ministro Roberto Barroso abre audiência pública sobre ensino religioso nas escolas públicas
- Expositores iniciam apresentações na audiência pública sobre ensino religioso
- Ensino religioso: no período da manhã, 14 entidades se pronunciam na audiência pública
- Audiência pública sobre ensino religioso prossegue à tarde com 17 expositores
- Mais especialistas expõem seus argumentos na audiência pública sobre ensino religioso
- Expositores concluem apresentações na audiência pública sobre ensino religioso
- Ministro Barroso encerra audiência pública e destaca enriquecimento intelectual proporcionado pela discussão
É possível assistir às exposições aqui: https://www.youtube.com/user/STF.
Como são muitas matérias, não as reproduzirei integralmente; apenas indicarei os títulos e os vínculos.
Alguns comentários gerais.
Evidentemente, os grupos humanistas acadêmicos e da sociedade civil puseram-se contrários tanto ao ensino religioso obrigatório quanto ao ensino confessional. Entram nessa categoria cinco ou seis expositores, o que revela uma concordância generalizada contra o clericalismo pedagógico.
É digno de nota que também judeus, batistas e espíritas são completamente contrários ao ensino religioso obrigatório e, ainda, ao confessional.
Os representantes dos chamados cultos afrobrasileiros e da ioga foram ambivalentes, ao proporem que o ensino religioso contemple todas as religiões. O representante do budismo, segundo a matéria, foi genérico e não expôs de verdade nenhuma posição a respeito do tema em pauta.
Os representantes das Assembléias de Deus não tiveram unidade de idéias: dois foram fortemente contrários ao ensino confessional e outro foi favorável.
Os católicos, os muçulmanos, a Igreja Universal e - pasme-se! - a Câmara dos Deputados (!!!) são a favor do ensino religioso obrigatório e confessional. A "Frente Parlamentar Mista em Defesa da Família" - nome pomposo que aglutina os teológicos monoteístas no Congresso Nacional - também defendeu o clericalismo. O Conselho Nacional de Secretários de Educação foi ambíguo a respeito, tendendo a ser favorável ao clericalismo pedagógico.
Não se entende porque houve dois representantes católicos (CNBB e Arquidiocese do Rio de Janeiro), três representantes das Assembléias de Deus (Igreja de Belém e Convenção Nacional), dois representantes judeus (Juristas Brasil-Israel e Confederação Israelita), além de vários grupos jurídicos.
Inversamente, a Igreja Positivista do Brasil e a Igreja Positivista de Porto Alegre - que pleitearam representação na audiência e que desde sempre são algumas das mais importantes defensoras da laicidade do Estado - tiveram negadas suas representações.
Por fim, deve-se notar que, contrariamente ao que afirmou o representante batista, a proclamação da República em 1889 acarretou imediatamente a laicização do Estado e a inexistência de ensino religioso público, obrigatório ou não, confessional ou não. Essa disciplina só passou a existir após 1930, devido à pressão da Igreja Católica, na pessoa do cardeal Sebastião Leme, que conduzia desde 1916 o movimento da "neocristandade".
Além disso, foi devido à pressão da Igreja Católica e dos evangélicos na Constituinte de 1987-1988 e da ação de Ulisses Guimarães, que há a referência ao "deus" no "Preâmbulo" da Constituição e a previsão constitucional de ensino obrigatório de uma única disciplina, que é a de "religião".
Abaixo, as matérias do STJ:
- Ministro Roberto Barroso abre audiência pública sobre ensino religioso nas escolas públicas
- Expositores iniciam apresentações na audiência pública sobre ensino religioso
- Ensino religioso: no período da manhã, 14 entidades se pronunciam na audiência pública
- Audiência pública sobre ensino religioso prossegue à tarde com 17 expositores
- Mais especialistas expõem seus argumentos na audiência pública sobre ensino religioso
- Expositores concluem apresentações na audiência pública sobre ensino religioso
- Ministro Barroso encerra audiência pública e destaca enriquecimento intelectual proporcionado pela discussão
É possível assistir às exposições aqui: https://www.youtube.com/user/STF.
Resultados da audiência sobre ensino religioso
Reproduzo abaixo matéria publicada pela revista eletrônica Consultor Jurídico, sobre a audiência pública realizada em 15.6.2015 pelo Ministro Luís Roberto Barroso, sobre a constitucionalidade do ensino religioso público obrigatório confessional. O original pode ser lido aqui.
De qualquer maneira, devo admitir que fico muito, muito, muito satisfeito com a referência que o "consultor jurídico" da Câmara dos Deputados fez ao positivismo comtiano (em destaque meu, no final do texto). Na verdade, é uma honra, é um grande elogio e um grande reconhecimento afirmarem que o Positivismo é pela laicidade do Estado - mesmo que o "consultor jurídico" tenha feito a referência em tom acusatório.
Tenho apenas duas dúvidas:
(1) Por que é que um "consultor jurídico" da Câmara dos Deputados manifestou-se contra o ensino laico? O ensino confessional - ou seja, a imposição carola de uma crença para-oficial - é a posição oficial da Câmara?
(2) Quando foi que o Positivismo tentou ir contra a Constituição para "banir o ensino religioso"? Gostaria muito que ele mostrasse de onde tirou essa bobagem; é uma observação sofística, do tipo "é verdade que você não bate na sua esposa?", em que se nega apenas para afirmar sub-repticiamente.
O Positivismo sempre foi muito claro que isso não é matéria constitucional; na verdade, a Constituição de 1988 obriga as redes de ensino a terem uma única disciplina, que é religião (nem português, nem matemática são obrigatórios segundo a Constituição!): isso, evidentemente, é o resultado da pressão dos grupos de pressão católicos e evangélicos.
* * *
AUDIÊNCIA PÚBLICA
Barroso promete liberar ação do ensino religioso no segundo semestre
O ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que a ação direta de inconstitucionalidade que questiona a legalidade do ensino religioso nas escolas da rede pública deverá ser julgada já no segundo semestre deste ano.
Ele promoveu uma audiência pública sobre o tema nessa segunda-feira (15/6), em Brasília. Após ouvir posicionamentos de diversas entidades favoráveis e contrárias à inclusão dessa disciplina na grade curricular das instituições de ensino, ele afirmou estar mais apto para julgar. “Pessoalmente saio daqui muito mais capaz de equacionar as questões tratadas no processo do que antes da audiência”, afirmou.
O ministro esclareceu que o questionamento feito na ADI restringe-se às escolas públicas. Portanto o julgamento não vai interferência nas instituições privadas, que poderão continuar ministrando livremente o ensino religioso confessional a quem se interessar. De acordo com o ministro, a audiência pública foi importante em razão dos valores constitucionais tratados na ação: a liberdade religiosa, o Estado laico e a previsão constitucional expressa de que haja ensino religioso nas escolas públicas.
A ADI em curso no STF foi ajuizada pela Procuradoria Geral da República, que defende que o ensino religioso seja ministrado de forma laica, sob um contexto histórico e abordando a perspectiva das várias religiões. A ação visa a conferir interpretação conforme a Constituição Federal a dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e ao acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé (Decreto 7.107/2010).
Participaram da audiência 31 entidades. Uma delas foi o Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação. O representante Luiz Roberto Alves destacou que o artigo 33, da Lei de Diretrizes Básicas da Educação (Lei nº 9.394/96), estabelece que o ensino religioso é parte integrante da formação básica do cidadão. Por isso, deve ser ministrado de forma laica. “Deve ser um estudo aberto, criativo e autônomo do fenômeno cultural da religião ou das formas de religiosidades, portanto plenamente ligado ao ético, estético, linguístico e ao científico”, afirmou.
Para Gilbraz Aragão, representante do Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o ensino religioso, em um estado laico como o Brasil, se justifica “pela necessidade de formação de cidadãos críticos e responsáveis, capazes de avaliarem as notícias religiosas em seu contexto, sem imposição de doutrinas e, portanto, de natureza não confessional”.
Já Wilhelm Wachholz, representante da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião, defendeu proposições que busquem consolidar o ensino religioso não confessional como direito do cidadão em favor da promoção da liberdade religiosa e de uma sociedade democrática e ética.
Na avaliação do advogado Gilberto Antonio Viana Garcia, do Instituto dos Advogados Brasileiros, o Brasil não pode financiar o ensino de qualquer confissão religiosa em específico, e deve inevitavelmente adotar o modelo não confessional. De acordo com ele, é um dever do Estado resguardar e proteger todas confissões religiosas.
Divergências
Na opinião do membro da Associação Nacional de Advogados e Juristas Brasil-Israel, Carlos Roberto Schlesinger, o ensino religioso não deveria existir em forma alguma; mas se existir, a única forma de se compatibilizar o caráter laico do Estado é a adoção do modelo não confessional. Ele disse acreditar que o apropriado ao país seria a adoção do ensino da história das religiões de forma a se ensinar o respeito à crença e à cultura do outro.
Na opinião do membro da Associação Nacional de Advogados e Juristas Brasil-Israel, Carlos Roberto Schlesinger, o ensino religioso não deveria existir em forma alguma; mas se existir, a única forma de se compatibilizar o caráter laico do Estado é a adoção do modelo não confessional. Ele disse acreditar que o apropriado ao país seria a adoção do ensino da história das religiões de forma a se ensinar o respeito à crença e à cultura do outro.
O integrante da frente parlamentar que reúne 268 deputados federais e senadores, deputado Pastor Eurico (PSB/PE), manifestou-se favoravelmente ao ensino religioso, por “levar as pessoas a aprender mais sobre valores e relacionamentos interpessoais”.
Já o diplomata Luiz Felipe de Seixas Corrêa defendeu, em nome da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que o ensino religioso seja confessional. “Interpretar o ensino religioso como o da história das religiões não é compatível nem com a letra nem com o espírito da lei”, afirmou.
O consultor da Câmara dos Deputados Manoel Morais, por sua vez, criticou as posições “laicizantes”, que teriam viés ideológico, em contraposição aos movimentos pela laicidade. “O movimento laicizante é uma roupagem nova do positivismo comtiano, que tenta banir o ensino religioso das escolas públicas, à revelia da Constituição”, afirmou.
Já o professor de Direito Constitucional Daniel Sarmento, da Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ, ao manifestar-se pelo ensino religioso não confessional, afirmou que existem cerca de 30 milhões de crianças e adolescentes matriculados em escolas públicas que, quando a disciplina é ministrada por religiosos, estão expostas a visões dogmáticas e excludentes.
De acordo com ele, a mera possibilidade de o aluno se ausentar das aulas não é suficiente para garantir a liberdade de crença, em razão das pressões psicológicas, às quais crianças e adolescentes, como seres em formação, estão sujeitos. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
ADI 4.439
Revista Consultor Jurídico, 16 de junho de 2015, 18h38
15 junho 2015
Luís Roberto Barroso: "Estado deve abster-se de promover religiões"
Reproduzo abaixo artigo publicado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que organizou para o dia 15.6.2015 uma audiência pública sobre a constitucionalidade do ensino religioso público e obrigatório.
Evidentemente, tanto a audiência quanto a ação de inconstitucionalidade que a originou têm relação intensa e direta com a laicidade do Estado, com as liberdades públicas do país e também com a Concordata celebrada em 2008 entre o Brasil e o Vaticano (pela qual, aliás, Luís Inácio Lula da Silva deveria ser processado por crime de lesa-pátria).
O texto foi publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo do dia 14.6.2015 e reproduzido no portal Consultor Jurídico.
* * *
http://www.conjur.com.br/2015- jun-14/roberto-barroso-estado- abster-promover-qualquer- religiao
ENSINO RELIGIOSO
Estado deve se abster de promover ou dificultar o exercício de qualquer religião
14 de junho de 2015, 10h48
Por Luís Roberto Barroso
*Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo deste domingo (14/6)
Sou filho de mãe judia e pai católico. Cresci indo a sinagogas e igrejas. Aos 15 anos, fiz um intercâmbio no exterior e vivi com uma adorável família presbiteriana. Ao fazer meu mestrado na Universidade Yale, nos Estados Unidos, meu vizinho de porta e amigo era muçulmano, da Arábia Saudita.
Desde cedo aprendi a conviver com a diversidade e a apreciá-la. Ao longo do tempo, reforcei a minha convicção de que as pessoas são essencialmente iguais. Não consigo imaginar nada mais triste para o espírito do que uma pessoa se achar melhor do que a outra, seja por sua crença, cor, sexo, origem ou por qualquer outro motivo.
No Supremo Tribunal Federal, sou relator de uma ação direta de inconstitucionalidade na qual se discute o papel do ensino da religião nas escolas públicas. Há basicamente duas posições em debate.
De um lado, há os que defendem que o ensino religioso possa ser ligado a uma religião específica, sendo ministrado, por exemplo, por um padre, um pastor ou um rabino. É o que se chama de ensino religioso confessional.
De outro, há os que sustentam que o Estado é laico e que o ensino de religião tem de ser de caráter histórico e plural, com a apresentação de todas as principais doutrinas. Isto é: não pode ser ligado a um credo específico.
São diferentes formas de ver o papel da educação religiosa. Ao Supremo Tribunal Federal caberá determinar qual dessas duas posições realiza mais adequadamente a vontade constitucional.
A Constituição não tem uma norma expressa a respeito, mas prevê a existência de ensino religioso facultativo, assim como prevê que o Estado é laico e que não deve apoiar ou embaraçar qualquer culto.
Convoquei para esta segunda-feira (15/6), no Supremo, uma audiência pública para debater o tema e convidei representantes de todas as principais religiões no país. Com essa iniciativa, busco promover um debate aberto e plural, no qual pretendo colher a opinião de todos.
Também se inscreveram pensadores religiosos, leigos e ateus, que igualmente serão ouvidos. Em seguida, farei um relatório com as principais posições e apresentarei meu voto em Plenário.
Há três grandes valores em questão. O primeiro é a liberdade de religião, a possibilidade legítima de se professar uma crença e pretender conquistar adeptos para ela.
O segundo é o dever de neutralidade do Estado, que deve se abster de promover qualquer religião, bem como de dificultar o seu exercício.
O terceiro valor envolve o papel da religião na educação e no espaço público, no âmbito de um Estado democrático e de uma sociedade multicultural.
A vida civilizada aspira ao bem, ao correto e ao justo. Há os que buscam esse caminho em princípios religiosos. Há os que o procuram na filosofia moral. Muitas pessoas combinam ambas, a verdade revelada e a ética. E há muitos que professam um humanismo agnóstico ou ateu.
A verdade não tem dono, e o papel do Estado é assegurar que cada um possa viver a sua convicção, sem a exclusão do outro. O caminho do meio, feito do respeito ao próximo e da tolerância.
Como ensinam o Velho Testamento, os evangelhos, o budismo, Aristóteles, Immanuel Kant e todos aqueles que viveram para um mundo melhor e maior.
Luís Roberto Barroso é ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Revista Consultor Jurídico, 14 de junho de 2015, 10h48
Evidentemente, tanto a audiência quanto a ação de inconstitucionalidade que a originou têm relação intensa e direta com a laicidade do Estado, com as liberdades públicas do país e também com a Concordata celebrada em 2008 entre o Brasil e o Vaticano (pela qual, aliás, Luís Inácio Lula da Silva deveria ser processado por crime de lesa-pátria).
O texto foi publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo do dia 14.6.2015 e reproduzido no portal Consultor Jurídico.
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http://www.conjur.com.br/2015-
ENSINO RELIGIOSO
Estado deve se abster de promover ou dificultar o exercício de qualquer religião
14 de junho de 2015, 10h48
Por Luís Roberto Barroso
*Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo deste domingo (14/6)
Sou filho de mãe judia e pai católico. Cresci indo a sinagogas e igrejas. Aos 15 anos, fiz um intercâmbio no exterior e vivi com uma adorável família presbiteriana. Ao fazer meu mestrado na Universidade Yale, nos Estados Unidos, meu vizinho de porta e amigo era muçulmano, da Arábia Saudita.
Desde cedo aprendi a conviver com a diversidade e a apreciá-la. Ao longo do tempo, reforcei a minha convicção de que as pessoas são essencialmente iguais. Não consigo imaginar nada mais triste para o espírito do que uma pessoa se achar melhor do que a outra, seja por sua crença, cor, sexo, origem ou por qualquer outro motivo.
No Supremo Tribunal Federal, sou relator de uma ação direta de inconstitucionalidade na qual se discute o papel do ensino da religião nas escolas públicas. Há basicamente duas posições em debate.
De um lado, há os que defendem que o ensino religioso possa ser ligado a uma religião específica, sendo ministrado, por exemplo, por um padre, um pastor ou um rabino. É o que se chama de ensino religioso confessional.
De outro, há os que sustentam que o Estado é laico e que o ensino de religião tem de ser de caráter histórico e plural, com a apresentação de todas as principais doutrinas. Isto é: não pode ser ligado a um credo específico.
São diferentes formas de ver o papel da educação religiosa. Ao Supremo Tribunal Federal caberá determinar qual dessas duas posições realiza mais adequadamente a vontade constitucional.
A Constituição não tem uma norma expressa a respeito, mas prevê a existência de ensino religioso facultativo, assim como prevê que o Estado é laico e que não deve apoiar ou embaraçar qualquer culto.
Convoquei para esta segunda-feira (15/6), no Supremo, uma audiência pública para debater o tema e convidei representantes de todas as principais religiões no país. Com essa iniciativa, busco promover um debate aberto e plural, no qual pretendo colher a opinião de todos.
Também se inscreveram pensadores religiosos, leigos e ateus, que igualmente serão ouvidos. Em seguida, farei um relatório com as principais posições e apresentarei meu voto em Plenário.
Há três grandes valores em questão. O primeiro é a liberdade de religião, a possibilidade legítima de se professar uma crença e pretender conquistar adeptos para ela.
O segundo é o dever de neutralidade do Estado, que deve se abster de promover qualquer religião, bem como de dificultar o seu exercício.
O terceiro valor envolve o papel da religião na educação e no espaço público, no âmbito de um Estado democrático e de uma sociedade multicultural.
A vida civilizada aspira ao bem, ao correto e ao justo. Há os que buscam esse caminho em princípios religiosos. Há os que o procuram na filosofia moral. Muitas pessoas combinam ambas, a verdade revelada e a ética. E há muitos que professam um humanismo agnóstico ou ateu.
A verdade não tem dono, e o papel do Estado é assegurar que cada um possa viver a sua convicção, sem a exclusão do outro. O caminho do meio, feito do respeito ao próximo e da tolerância.
Como ensinam o Velho Testamento, os evangelhos, o budismo, Aristóteles, Immanuel Kant e todos aqueles que viveram para um mundo melhor e maior.
Luís Roberto Barroso é ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Revista Consultor Jurídico, 14 de junho de 2015, 10h48
30 maio 2015
Rodrigo Octávio: inconstitucionalidade do Cristo Redentor
Reproduzo abaixo texto publicado no portal jurídico Conjur, da autoria de Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, que é professor de Direito na USP. O texto original encontra-se disponível aqui.
O texto citado reproduz extensamente um parecer do Procurador-Geral da República, Ministro Rodrigo Octávio, a respeito da constitucionalidade da construção da estátua "Cristo redentor", no Morro do Corcovado, no Rio de Janeiro. Esse parecer foi emitido em 1921, quando se planejava a construção do dito monumento. Rodrigo Octávio opinou pela inconstitucionalidade da estátua com apoio do Estado brasileiro, pois ia frontalmente contra a separação entre Igreja e Estado, ou seja, feria a laicidade do Estado. Tal situação, aliás, manteve-se ao longo dos anos e, como é público e notório, piorou cada vez mais.
É importante notar que o parecer citado abaixo apresenta argumentos extremamente próximos aos usados pelos positivistas para defender a laicidade do Estado.
Aliás, exatamente devido a esse motivo, Ivan Lins, no seu monumental História do Positivismo no Brasil, cita esse parecer e outros. (Todavia, o autor do artigo que cita Rodrigo Octávio não indica de onde tirou esse parecer: uma das possíveis fontes - não citadas - evidentemente é o livro de Ivan Lins.)
(Convém notar que, mesmo assim, há gente que afirma que não havia laicidade na I República, ou que esse tema surgiu no debate público brasileiro apenas depois de 1930.)
O livro de Ivan Lins pode ser consultado, em sua versão original, aqui: http://www.brasiliana.com.br/ brasiliana/colecao/obras/269/ Historia-do-positivismo-no- Brasil
Quem quiser encomendar a terceira edição do livro (incorretamente indicado pelo Senado Federal como sendo a sua primeira edição), pode encontrá-lo aqui: http://livraria.senado.gov.br/ todos-os-livros/historia-do- positivismo-no-brasil.html
* * *
PASSADO A LIMPO
Cristo Redentor fere espírito da Constituição, diz parecer de 1921
No início da década de 1920, o então Consultor-Geral da República respondeu consulta a propósito de projeto referente à construção de um monumento ao Cristo Redentor, no alto do Corcovado. Registra-se que houve, à época, alguma dúvida sobre a constitucionalidade da iniciativa. O Consultor-Geral da República opinou pela impossibilidade de se erguer o referido monumento, que significaria resistência ao Estado laico. O Governo não ouviu a opinião do Consultor-Geral. O monumento foi erguido. E hoje é símbolo da cidade do Rio de Janeiro. Segue o parecer.
Gabinete do Consultor-Geral da República — Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1921.
Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda — Com o Ofício, sem número, de 6 do corrente, submeteu Vossa Excelência a meu estudo o processo relativo ao requerimento da Comissão que pretende erigir um “Monumento a Jesus Cristo Redentor” no alto do Corcovado.
Parece-me, Senhor Ministro, que há evidente embaraço constitucional para o deferimento do pedido. O Cristo é o símbolo de uma religião. O Poder Judiciário já aqui o reconheceu quando, em consequência dos incidentes de 1892, teve de se pronunciar sobre a legalidade da permanência de sua imagem nas salas do Júri. O caso foi que, negado o pedido de retirada dessa imagem feito por um jurado não católico, foi um dia essa imagem destruída por outro jurado violento e fanático.
Eu mesmo tive de me pronunciar a respeito, por isso que, sendo então Procurador da República neste Distrito, foi-me o inquérito remetido para a instauração do processo pela Justiça Federal e eu deixei de oferecer denúncia por entender que o caso não incidia no art. 111 do Código Penal, em que havia sido capitulado, por me parecer contraria à Constituição a ordem para permanência de símbolos religiosos no Júri. Em meu despacho, que foi longo, eu escrevi estas palavras que podem ter aplicação ao caso atual:
Os publicistas que mais competentemente têm estudado a questão oferecem muitos bons argumentos mesmo para provar que fato algum fora dos templos ou dos lugares reservados ao culto se deve permitir, porque esses fatos, mesmo quando o culto seja o da grande maioria da população, ofendem e oprimem a consciência da minoria, e em matéria de consciência não pode prevalecer o direito da maioria, que é a força do número, porque as questões de consciência são questões essencialmente individuais.
Definido meu modo de ver, o caso, entretanto, não morreu com essa minha promoção, pois que os promotores públicos de então promoveram o processo perante a justiça local, onde, aliás, o meu modo de ver foi sancionado, pois que, denunciados os figurantes no caso, um como mandante ou inspirador do inqualificável procedimento do outro, foi o delito desclassificado do art. 111, porque se julgou que a ordem para colocação do Cristo no Júri “não era conforme a Constituição e as Leis”. Essa decisão foi proferida pelo Conselho Supremo da Corte de Apelação concedendo habeas corpus ao jurado processado como mandante e preso preventivamente, e mais tarde o mesmo princípio foi sustentado pelo despacho de pronúncia do autor do atentado, não nesse artigo, pelo mesmo fundamento da decisão do Conselho, mas no art. 185 que se refere a “ultraje à confissão religiosa, desacato ou profanação de seus símbolos, publicamente”.
Parece que esse caso pode ser considerado como precedente em relação ao caso atual. Considerado o Cristo como símbolo religioso não pode o Poder Público deferir o pedido para sua colocação num logradouro, que é bem público e, como tal, de uso comum do povo e inalienável (Código Civil, art. 66, nº I, e 67). O Estado é leigo. A Constituição lhe veda manter com qualquer igreja ou culto “relações de dependência ou aliança ou conceder-lhe subvenção oficial”. Bem certo o deferimento do pedido para permitir a ereção de uma estátua do Cristo num logradouro público não entra literalmente, em qualquer dos dispositivos constitucionais; mas para mim é incontestável que esse deferimento fere o seu espírito porque sem dúvida importa na concessão de um favor do Estado em benefício de uma Igreja, a concessão de uma parte de bem público para ereção de um dos seus símbolos mais significativos.
É este, Senhor Ministro, o parecer que submeto ao critério superior de Vossa Excelência a quem, devolvendo os papéis, tenho a honra de reiterar meus protestos de elevada estima e distinta consideração.
Rodrigo Octavio
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP. Doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP. Professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).
Revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2015, 8h00
13 maio 2015
13 de maio - fraternidade dos brasileiros
O dia 13 de maio é celebrado no Brasil como o da abolição da
escravidão. Por si só, sem dúvida alguma, isso deve ser celebrado e valorizado,
pois foi o momento em que no país finalmente se encerraram séculos da exploração
mais vil de seres humanos por outros seres humanos, em que uns eram propriedade
de outros. A escravidão no Brasil deu-se inicialmente contra os indígenas
autóctones e, depois, contra os africanos, que se tornaram imigrantes forçados.
Por outro lado, como também sabemos, a escravidão gerou
efeitos persistentes na sociedade brasileira, de que o racismo contra os negros
e a exclusão das populações descendentes dos antigos escravos são dois dos mais
graves. Isso se deve à própria escravidão mas, também, ao fato de que a sua
abolição, em 1888, não foi seguida por medidas públicas e privadas no sentido
de integrar os antigos escravos à sociedade nacional, com ensino público,
frentes de trabalho em condições dignas, moradias populares etc.
Ainda assim, é importante notar que a campanha abolicionista
desenvolveu-se ao longo da década de 1880 e envolveu os mais variados setores
da população brasileira, incluindo as elites, setores populares, ex-escravos,
membros da “nobreza” nacional.
Entre todos esses grupos, os positivistas tiveram papel destacado,
seguindo nesse sentido as orientações de Augusto Comte – fosse como favoráveis
à abolição imediata sem reparação para os donos de escravos, fosse como
favoráveis à incorporação social dos antigos escravos, fosse como cidadãos que
não admitiam entre suas fileiras donos de escravos: por exemplo, Miguel Lemos e
Teixeira Mendes, diretores da Igreja Positivista do Brasil, expulsaram de seu
grêmio donos de escravos que se recusavam a alforriar seus cativos.
Da mesma forma, o Positivismo celebra a independência do Haiti, na figura do "general de ébano", Toussaint de L'Ouverture.
Da mesma forma, o Positivismo celebra a independência do Haiti, na figura do "general de ébano", Toussaint de L'Ouverture.
Além disso, o também positivista Benjamin Constant Botelho
de Magalhães[1]
e Deodoro da Fonseca, respectivamente na qualidade de vice-Presidente e
Presidente do Clube Militar, recusaram em 1887, em nome da tropa, a usar o
Exército a perseguir os escravos fugitivos.
Em outras palavras, é indiscutível que a abolição por si só
foi um passo importantíssimo para o Brasil – mas, ainda assim, foi um passo
insuficiente, pois não foi seguido das necessárias medidas de valorização e de
integração social.
É exatamente como um esforço em favor da integração social
dos descendentes dos antigos escravos que os positivistas propuseram desde o
início da República a comemoração do dia 13 de maio. Na verdade, os positivistas
propuseram essa data como celebrando a integração não apenas dos negros, mas de
todos os elementos sociais e culturais da sociedade brasileira. Nessa utopia, não se contrapõem os "negros" contra os "brancos", mas eles unem-se e fundem-se, a fim de melhorar o Brasil, cada qual com suas características.
Assim, não deixa de ser motivo de profundo lamento que o dia
13 de maio não seja mais feriado nacional: essa perda de status dessa data
indica o quanto a integração e o universalismo não são mais valores nacionais,
cada vez mais substituídos pelos vários particularismos.
É claro que não
precisamos concordar com tais particularismos: é por isso que celebramos o
projeto de um país que respeite e valorize toda a sua população, com suas
particularidades entendidas como traços enriquecedores do patrimônio comum e
não como motivos para segregacionismos.
Cartaz gentilmente criado pelo amigo João Carlos Silva Cardoso. |
[1]
Que, alguns anos depois, foi o fundador da República Brasileira, no glorioso
movimento de 15 de novembro de 1889.
09 maio 2015
De Flávio Heinz: "Intelectuais na política"
Reproduzo abaixo a divulgação de um livro organizado pelo pesquisador gaúcho Flávio Heinz, cujo primeiro capítulo é da autoria de Mary Pickering, a respeito de Augusto Comte. Os dados do livro são estes:
Esse livro faz parte dos esforços do Laboratório de História Comparada do Cone Sul (LabConeSul).
Aliás, como amostra do livro, precisamente o capítulo sobre Comte está disponível para ser baixado (aqui ou no próprio portal do livro):
HEINZ, Flavio M. (Org.) Dos intelectuais na política à
política dos intelectuais. Pensadores, escritores e militantes no diálogo com o
poder. São Leopoldo: Oikos, 2015. ISBN: 978-85-7843-459-5
Esse livro faz parte dos esforços do Laboratório de História Comparada do Cone Sul (LabConeSul).
Aliás, como amostra do livro, precisamente o capítulo sobre Comte está disponível para ser baixado (aqui ou no próprio portal do livro):
02 maio 2015
Marxistas ricos e condenação moral da riqueza para Marx
Nos últimos meses, nas chamadas “redes sociais”, várias pessoas
têm afirmado que nas obras de Karl Marx não há nenhuma afirmação que impeça
socialistas, comunistas ou “marxistas” de serem ricos – ou, por outra, que não
é incoerente ou hipócrita da parte dos marxistas, socialistas ou comunistas
criticarem a riqueza concentrada e serem eles mesmos ricos: talvez essa
inexistência de condenação seja verdade. O problema é que tal argumento é uma
falácia, por definição destinada (1) a enganar (2) os incautos: o conjunto da
obra de Marx pretende demonstrar que a concentração da riqueza – seja o
processo de geração da riqueza, seja o
processo de concentração da riqueza,
seja a simples posse da riqueza
concentrada – é imoral de qualquer maneira.
Em O capital e em
outras obras, Marx argumenta que os ricos são ricos
porque sistemicamente exploram os não-ricos. No capitalismo isso quer dizer que
a burguesia explora o proletariado; tal exploração é “sistêmica” e objetiva: o funcionamento
do sistema conduz os burgueses a explorar e os proletários a serem explorados,
independentemente da vontade individual. Não importa a vontade, a consciência,
os valores, a intenção de quem explora: a exploração ocorrerá quer os
capitalistas queiram, quer não queiram. Em outras palavras, o que o marxismo
pretende demonstrar é que ser rico é explorar o proletariado – sempre.
Além de ser o produto da exploração, a riqueza também é o índice por definição da desigualdade social; a desigualdade, por sua vez, é ruim em si mesma. Por esse motivo, na sociedade socialista – nunca definida por Marx –, as desigualdades devem desaparecer, juntamente com a luta de classes que a produz, que a perpetua e que a justifica. A desaparição das desigualdades, das classes e da luta de classes fará desaparecer, também, a própria idéia de “riqueza”.
Em suas obras, Marx condena a exploração e a desigualdade: esse valor moral específico – condenação da exploração e da desigualdade – é um valor “aceitável”. Mas outros valores morais a respeito dos quais Marx não faz nenhuma ressalva são a hipocrisia e o cinismo; na verdade, o que se percebe nos escritos marxianos é a idéia de que a condenação e a rejeição da hipocrisia e o cinismo são valores morais burgueses ou até pré-capitalistas.
Enquanto Marx pretende fazer uma crítica objetiva (que, como vimos, afirma que no capitalismo ocorre a eterna e necessária exploração do proletariado pela burguesia), as críticas "subjetivas" - que se baseiam em e que consistem na aplicação de valores morais a situações sociais - são sempre hipócritas, cínicas, ingênuas. Aliás, seguindo nessa mesma linha, para Marx, bem como para seus inúmeros seguidores, a crítica ao cinismo e à hipocrisia é “moralismo” e é ela mesma cínica e hipócrita.
Para Marx, a rejeição moral de idéias ou situações, de modo
geral, é uma característica “burguesa” e, como tal, é desprezível e um
instrumento da luta de classes – logo, é um instrumento da dominação burguesa
de classe e da exploração do proletariado realizada pela burguesia. Em suma: rejeitar
a hipocrisia e o cinismo (ou a corrupção) – em todo caso, rejeitar a falsidade –
é um valor burguês que serve apenas para manter a exploração do proletariado e
a desigualdade social.
O resultado disso tudo é que: (1) rigorosamente, pode ser que Marx não fosse contrário a socialistas serem “ricos”, mas (2) a riqueza é sistemicamente o resultado da exploração classista sofrida pelo proletariado. Ao mesmo tempo, contraditoriamente, (3) não há problema em socialistas serem ricos, pois (4) a rejeição da hipocrisia é um valor (ou preconceito) burguês.
As soluções habituais encontradas pelos marxistas (teóricos e/ou práticos) para tal situação profundamente “contraditória” – isto é, para essa incoerência – são as seguintes: (1) afirmar que a riqueza mantida pelo Estado (“propriedade coletiva dos bens de produção”) é progressista e libertadora, ao contrário da riqueza individual, vista como reacionária ou conservadora; (2) denunciar ou desprezar a denúncia moral como sendo burguesa, logo, como sendo ela mesma hipócrita e instrumento da luta de classes; (3) silenciar a respeito dessa incoerência. É claro que essas estratégias não são mutuamente excludentes.
É dessa forma que é possível aos marxistas, socialistas e/ou comunistas denunciarem a riqueza mas eles mesmos serem ricos.
24 abril 2015
Entrevista com Camille Paglia
Entrevista interessantíssima da teórica estadunidense Camille Paglia, em que aborda vários problemas contemporâneos, a partir das relações entre homens e mulheres.
Com um bom senso extremo - bom senso que com freqüência parece faltar em vários meios, há várias décadas -, ela aproxima-se bastante do Positivismo e das propostas de Augusto Comte. Aliás, deixando de lado alguns aspectos menores, talvez o elemento mais importante de discordância dela em relação ao Positivismo seja a insistência dela nas relações de poder entre homens e mulheres e na idéia de que a mulher deve sempre ser "mais" "poderosa": o problema dessa concepção, além de pressupor, ou propor, uma eterna disputa entre homens e mulheres, está em que rejeita a complementaridade entre os gêneros.
Vale muito a pena lê-la e refletir a seu respeito, ainda que seja uma entrevista um tanto longa.
* * *
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/04/1619320-nao-publicar-entrevista-camille-paglia-fronteiras-do-pensamento.shtml
Com um bom senso extremo - bom senso que com freqüência parece faltar em vários meios, há várias décadas -, ela aproxima-se bastante do Positivismo e das propostas de Augusto Comte. Aliás, deixando de lado alguns aspectos menores, talvez o elemento mais importante de discordância dela em relação ao Positivismo seja a insistência dela nas relações de poder entre homens e mulheres e na idéia de que a mulher deve sempre ser "mais" "poderosa": o problema dessa concepção, além de pressupor, ou propor, uma eterna disputa entre homens e mulheres, está em que rejeita a complementaridade entre os gêneros.
Vale muito a pena lê-la e refletir a seu respeito, ainda que seja uma entrevista um tanto longa.
* * *
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/04/1619320-nao-publicar-entrevista-camille-paglia-fronteiras-do-pensamento.shtml
Mulher deve ser
maternal e parar de culpar o homem, diz Camille Paglia
FERNANDA MENA
DE SÃO PAULO
24/04/2015 02h00
Camille Paglia, a
mais antifeminista entre as feministas, aposta na revalorização do lado
maternal da mulher como chave para um reencontro afetivo entre os sexos.
Para a ensaísta,
enquanto a mulher de qualidade maternal exerce poder sobre os homens ao ter
"pena de suas fraquezas", a mulher de perfil profissional exige
deles, em casa, a perfeição do mundo dos escritórios.
Em entrevista à
Folha, Paglia se declara transexual, critica a produção da arte contemporânea e
diz que Madonna deve parar de competir com as mulheres mais jovens.
Leia abaixo a
entrevista na íntegra.
Folha - Você é
feminista ou antifeminista?
Camille Paglia - Eu certamente sou uma feminista. 100%. Os
motivos pelos quais eu discordo de boa parte das feministas de hoje é que minha
militância começou no início dos anos 60, antes da reviravolta que o movimento
teve no final daquela década.
Eu dei uma aula na semana passada na qual eu falava sobre o
filme "Núpcias de Escândalo", com Katharine Hepburn. A mãe da atriz
era uma das líderes da campanha pelo sufrágio das mulheres, e a própria atriz,
antes da Segunda Guerra Mundial, estava participando das manifestações de
sufragistas. Eu estava obcecada também por Amelia Earhart, pioneira da aviação
e uma dessas mulheres emancipadas dos anos 20 e 30.
Eu admiro demais essa geração de mulheres. Porque elas não
atacavam os homens, não insultavam os homens e não apontavam os homens como
fonte de todos os problemas das mulheres. O que elas pediam era igualdade de
condições no âmbito da carreira e da política e queriam demonstrar que podiam
obter as mesmas conquistas dos homens. Era como dizer: somos como os homens,
admiramos os homens, amamos os homens.
Hoje em dia, as feministas culpam os homens por tudo! Elas
exigem que os homens mudem, querem que eles pensem e ajam como mulheres,
almejam que o protagonismo dos homens seja reduzido. Esse é o terrível problema
do feminismo contemporâneo, porque, em última instância, isso está fazendo as
mulheres retrocederem e as está enfraquecendo.
As mulheres de hoje não são tão fortes como as grandes
mulheres dos anos 20 e 30. Então as pessoas me chamam de antifeminista. Mas
não: eu sou contrária à ideologia feminista do presente, que é doente,
indiscriminada e neurótica. E, mais do que tudo, não permite à mulher ser
feliz.
As mulheres precisam se responsabilizar por suas vidas e
parar de culpar os homens por seus problemas, que têm mais a ver com questões e
estruturas sociais, e não são fruto de uma conspiração masculina.
Se os homens se
parecessem mais com as mulheres, como você diz desejarem as feministas de hoje,
o que aconteceria?
As mulheres querem que os homens se comuniquem como elas.
Mas, em toda a história da humanidade, as mulheres viveram entre si e os homens
viveram entre si. Eram dois mundos separados. A mulheres cuidavam das crianças,
da casa, da alimentação, e os homens caçavam e faziam o trabalho pesado. Sei
disso porque todos os meus quatro avós eram agricultores italianos, e meus pais
nasceram neste ambiente. Sou a primeira geração que cresceu fora dessa
estrutura.
O problema hoje é que as mulheres, educadas e ambiciosas,
querem entrar no novo mundo burguês do trabalho em escritórios, que são parte
do legado da Revolução Industrial. Então temos um novo mundo em que homens e
mulheres trabalham lado a lado nos escritórios, em que a divisão do trabalho
entre homens e mulheres não existe. Portanto, ambos têm de mudar suas
personalidades para se encaixar nessa realidade porque ambos são uma unidade de
trabalho, são a mesma coisa.
É muito frustrante para os dois porque, neste ambiente
neutro, em que as mulheres ganharam muito poder, a sexualidade do homem ficou
neutralizada. E essas mulheres querem se casar com um homem com quem seja fácil
se comunicar. E fora do ambiente de trabalho, qualquer homem que se comporte
como homem provoca reações negativas.
Eu vejo grande infelicidade entre mulheres profissionais
porque elas querem que suas vidas amorosas tenham a comunicação maravilhosa que
elas têm com outras mulheres. A mulher profissional casa com o homem
profissional e espera que, ao chegar em casa de noite, ele se comunique com ela
como suas amigas ou seus amigos gays. E os homens heterossexuais jamais serão
capazes na arte da análise emocional. Não dá para cobrar perfeição dos homens,
como se estivéssemos no escritório.
Homem e mulher têm de convergir numa unidade de trabalho. Há
uma terrível desconexão para as mulheres entre suas vidas profissionais e
amorosas. Para os homens não é tão difícil porque eles encontram sexo mais
facilmente. Eles não precisam casar com uma mulher para fazer sexo com ela.
Para mulheres, é um período terrível de infelicidade, porque elas têm muita
dificuldade em ajustar a mulher do trabalho, que tem poder e conquistas, com a
mulher emocional, uma arena na qual as habilidades exercidas no escritório não
funcionam.
Para os homens é frustrante porque, se o trabalho que eles
fazem pode também ser feito por uma mulher, no que consiste sua masculinidade,
afinal? Se antes o homem tinha o trabalho pesado, braçal, hoje, eles estão se
perguntando quem são.
Como essa crise
masculina se manifesta?
Tenho me preocupado muito com a epidemia do jihadismo no
mundo, que é um chamado da masculinidade e está atraindo jovens homens do mundo
inteiro. É uma ideia de que ali, finalmente, homens podem ser homens e ter
aventuras como homens costumavam ter.
A ideologia do jihad
emerge numa era de vácuo da masculinidade, graças ao sucesso do mundo das
carreiras. O Estado Islâmico, por exemplo, usa vídeos para projetar esse
romance, esse sonho de que os jovens podem abandonar suas casas, integrar a
irmandade e se lançar numa aventura masculina por meses, na qual correm risco
de morte. Antes, havia muitas oportunidades de aventuras para homens jovens.
Hoje, suas vidas são como as de prisioneiros: presos nos escritórios, sem
oportunidade para ação física e aventura.
O sistema de carreiras ocidental se tornou tão elaborado e
aprisionado, que está produzindo, como no Império Romano, bandos de vândalos. É
difícil para a classe média entender o fascínio do risco e da morte, de fazer
parte de uma irmandade.
Eu estou muito preocupada politicamente com a forma como as
elites não sabem responder a esse movimento. E parte disso é uma revolta dos
homens e uma busca dos homens por sentido para eles enquanto homens. O mundo
ocidental se tornou tão materialista, e todos estão pensando no próximo
apartamento, próximo carro ou próximo emprego, que somos lentos para entender e
responder a esse tipo de fenômeno.
Como reverter o
desencontro entre homens e mulheres hoje?
O feminismo cometeu um grande erro ao difamar a maternidade.
Quando a segunda onda do feminismo começou no final dos anos 60 e início dos
anos 70 e foi piorada pelas ideias de Gloria Steinem, que pregou a
desvalorização da mulher como esposa e mãe, e a valorização da mulher
profissional como aquela que é realmente livre e admirável.
Betty Friedan (1921-2006), que eu admiro, começou a segunda
onda do feminismo ao co-fundar a Organização Nacional para as Mulheres, em
1967. Ela era casada e tinha filhos, e queria que o feminismo fosse uma grande
tenda que incluísse e acolhesse a todos. Mas Gloria Steinem era parte de um
grupo que só se casou no final da vida e não teve filhos, e havia um tom de
insulto ao tratar da maternidade.
Minha análise das relações sexuais, no livro "Personas
Sexuais", é que a imagem da mãe é extremamente poderosa e que é o motivo
pelo qual conexões entre os sexos é instável. Toda pessoa emerge do corpo
feminino, do útero, e o feminismo cometeu um erro ao tentar apagar a
importância disso, tornando o nascimento um processo mecânico. A imagem
mitológica da mãe é muito poderosa para os homens no nível psicológico. Todo
menino precisa se livrar da sua mãe. E todo heterossexual que penetra uma
mulher retorna ao útero.
Há uma ansiedade e um perigo no ato sexual entre homem e
mulher. O homem se sente em risco ao colocar seu pênis no que considera uma
potencial armadilha. Por isso há e sempre haverá uma ambivalência na relação
sexual entre homens e mulheres. Ele deseja a mulher, ele quer ser nutrido por
ela, e quer se livrar dela ao mesmo tempo porque tem receio de ser preso
novamente no útero.
Muitos dos comportamentos machistas, arrogantes e estúpidos,
são formas tortas de o homem dizer que não está sob o poder da mulher, que não
é mais um bebê. São parte do medo do poder da mulher, do útero e da criação.
Qualquer pessoa que tentar racionalizar isso, não irá pelo caminho certo.
E é isso o que o
feminismo está fazendo, na sua opinião?
Sim. O feminismo é muito racionalista. Está tentando
consertar a mecanismos sociais, consertar a sociedade, passando leis contra a
discriminação e a favor de cotas para as mulheres. Eu concordo que precisamos
de igualdade de condições, mas isso não vai resolver os problemas entre os
sexos porque o que existe aí é uma consequência direta da biologia, que não tem
sido considerada.
Há todas essas pessoas com ideias estúpidas, que derivam de
Michel Foucault (1926-1984), negando a existência dos gêneros. Dizem que o
gênero é algo imposto pela sociedade, que não há base biológica para a ideia de
gênero. Essas pessoas estão malucas? Elas não sabem que toda e qualquer pessoa
que está na face da Terra nasceu do corpo feminino?
As mulheres têm um poder tremendo sobre os homens. Se as
feministas não querem esse poder, e querem apenas ser iguais aos homens, ok. O
que eu vejo como observadora e como professora é que os homens são muito
frágeis psicologicamente em relação às mulheres. E quando as mulheres renunciam
ao poder da maternidade, como aconteceu na segunda onda do feminismo, elas
perderam uma parte enorme de seu poder sobre os homens.
As mulheres que entenderam seu poder sobre os homens são
mais felizes. As mulheres que pedem que os homens mudem e se aproximem delas
são mais nervosas, são brutais. Elas não têm confiança no seu poder como
mulheres.
As mulheres que têm sucesso com os homens são aquelas que
mantém uma certa qualidade maternal e entendem as fraquezas dos homens. E têm
pena deles por isso. Elas tratam homens com humor e conseguem entender as
necessidades dos homens e nutri-los de certa forma.
De que maneira o
adiamento da maternidade das últimas gerações de mulheres é produto desse tipo
de pensamento da segunda onda do feminismo?
Gloria Steinem é responsável por isso. Ela e seus problemas
psicológicos. Ela teve uma infância terrível. Seu pai era negligente, abandonou
a mãe, a mãe teve problemas psiquiátricos.
Steinem, então, mantinha aquele sorriso como se tivesse a
resposta para tudo. E ela dizia: a mulher pode ter tudo. E dizia também: uma
mulher precisa de um homem tanto quando um peixe de uma bicicleta. Mas em todas
as festas que ela frequentava em Nova York ela tinha um homem nos braços.
Ela pregava que a mulher cuidasse de sua carreira e deixasse
a maternidade para mais tarde. Só a completa ignorância da biologia permitiu
isso, porque sabemos que a fertilidade feminina é maior quanto mais nova ela é,
e que a gravidez é mais segura antes dos 35 anos. E há gerações inteiras de
mulheres que foram convencidas de mentiras. O que eu digo é que a verdade sobre
a biologia precisa ser dita para as meninas cedo.
A mulher tem de
escolher entre carreira e maternidade?
Sem dúvida. O mecanismo da educação-treinamento será
sacrificado de alguma maneira para as mulheres que escolherem ter filhos. Elas
provavelmente podem alcançar sucesso profissional mais tarde, mas tem um grande
valor em ter filhos mais cedo.
Por exemplo, eu nasci quando meus pais tinham 21 anos. Não
tínhamos grana, mas eles tinham muita energia e eram otimistas. Catorze anos
depois, minha irmã nasceu, e meus pais estavam com 35 anos, eles tinham uma
casa e uma vida estável, com emprego e tudo mais. Os pais que eu tive foram
completamente diferentes dos pais que minha irmã teve. Então minha irmã é muito
diferente de mim. Ela tem modos (risos).
Então, mulheres que acham que vão ter filhos aos 45 anos
terão energia para correr atrás de uma criança como os pais de 20 e tantos
anos. Educação tem que se adaptar a essa realidade da biologia.
As universidades têm que ser mais flexíveis na oferta de
cursos para mulheres e de berçários nos campi para que elas deixassem seus
filhos por algum tempo. Deveria ser possível para uma mulher jovem decidir ter
filhos cedo e continuar a estudar meio período ou fazendo uma disciplina por
vez, levando mais tempo para se formar.
As universidades se beneficiariam muito pela presença de
estudantes casados e com filhos. Muitas das besteiras que são ditas sobre
gênero seriam melhor debatidas se houvessem jovens pais nas salas de aula.
Como essa
flexibilidade para jovens mães poderia ser aplicada ao mundo do trabalho?
As empresas não existem para serem agentes de mudanças
sociais. Elas existem para obter lucro. Aquelas criadas por investidores
progressistas, como muitas firmas na Califórnia, disponibilizam berçários, mas
é tudo muito caro. E mais: certos benefícios fazem com que funcionários que não
têm filhos reclamem.
Então, isso precisa ser visto com cuidado porque precisa
haver igualdade entre os profissionais. A verdade é que maternidade é uma
escolha e você precisa aceitar que isso implica numa certa troca.
Há muitas dificuldades na carreira no início, mas não
depois. Minha geração de mulheres, cuja maioria focava na carreira e nos
salários, está quase se aposentando. De repente, a realidade vai bater: no
momento em que deixarem seus empregos, elas não terão nada e serão rapidamente
esquecidas. Poderão ter uma aposentadoria financeiramente confortável, mas é
só. Enquanto as classes mais populares terão as crianças já crescidas e os
netos e os bisnetos. E isso traz um novo sentido à vida.
Precisamos de um discurso melhor sobre o sentido da vida,
que não é apenas algo materialista.
Você adotou um
menino. Como se vê enquanto mãe?
Sempre deixei claro que eu sou sua parente, mas não sua mãe.
Ele tem uma única mãe, que é sua mãe biológica, que é minha ex-companheira, que
vive aqui perto e nós temos uma ótima relação centrada na criação dele. Eu
estava lá no consultório médico quando ele foi concebido, no hospital quando
ele nasceu, tenho sido parte da sua vida desde sempre.
Todas as minhas observações sobre meninos e homens têm sido
confirmadas na experiência de ter um filho e de ter adentrado o mundo das mães.
E vi com meus próprios olhos que as mulheres comandam a vida das crianças, da
casa e do mundo emocional da família. E o marido, que antes era o número um,
passa a ser mais um no sistema da mulher. A mulher cria toda a rotina e o homem
executa o que ela diz.
Na contramão do discurso
que nega os gêneros, há o debate sobre os transgêneros. De que maneira o
feminismo pode incluir essas pessoas?
Vou dizer algo controverso, mas real: eu me identifico como
transgênero. Quando era mais nova, esse termo não existia. Mas estava muito claro
que eu era muito inibida em relação ao meu gênero biológico desde sempre. Eu
demonstrava isso, ainda criança, no Halloween. Eu sempre escolhia um personagem
masculino. Fui um soldado romano, fui Napoleão, fui Hamlet... E nenhuma menina
se fantasiava assim. Eu me sentia alienada em ser uma menina.
Eu estou muito preocupada com essa tendência cirúrgica para
mudança do corpo. Isso está por toda parte nos EUA. Dizem que a criança nasceu
no corpo errado e já começam com hormônios até chegar à intervenção cirúrgica.
Se essa ideia estivesse no ar quando eu era jovem, eu teria me tornado obcecada
com isso. Eu teria sido convencida de que essa seria a resposta para todos os
meus problemas com a sociedade contemporânea e sua rigidez sexual. E eu teria
cometido um engano terrível.
Por quê?
Transformar o corpo cirurgicamente é uma ilusão. Há um
número muito pequeno de pessoas realmente intersexuais. É uma anormalidade
congênita. A maioria dos casos não é assim. Intervir no corpo, removendo o
pênis ou os seios, é uma ilusão porque todas as células do seu corpo permanecem
sendo o que elas sempre foram. Simplesmente não é verdade que você mudou de
gênero.
Eu acredito que é preciso respeitar o desejo das pessoas de
transformar seus corpos, seja por motivos cosméticos, médicos ou de gênero.
Cada um tem poder sobre o próprio corpo e eu sou uma libertária neste sentido.
Por outro lado, ninguém vai me convencer de que a Chaz Bono, a filha
transgênero da atriz Cher, é um homem. Ele precisa tomar uma injeção de
hormônios todos os dias para ser o que é, um transgênero, nunca um homem. Cada
célula daquele corpo é uma célula feminina.
As pessoas que olham para esse debate e pensam que estamos
caminhando para um futuro progressista estão enganadas. Nós vivemos em um
período em que os gêneros são fluidos e ninguém se identifica com os papeis de
cada um dos gêneros no passado. Mas a ideia de que isso é um sintoma de saúde
social está errada. É o caos.
Estamos numa fase tardia da cultura, como ocorreu com outras
civilizações, em que as definições dos sexos começam a se borrar e a se
dissolver e surgem todos os tipos de androginia e de brincadeiras com trocas de
papéis entre feminino e masculino. Eu adoro tudo isso, mas acho que não pode
ser confundido com um sintoma de saúde e de progresso. Sinto muito. É um
sintoma de declínio histórico da nossa cultura. E deveríamos nos preocupar
porque isso indica ansiedade e algo errado.
Eu não noto, a propósito, nenhum avanço no campo das artes.
Ninguém está em um período especialmente fértil. Pelo contrário, todos estão
obcecados consigo próprios. O ego se tornou um trabalho artístico. As pessoas
têm dez conceitos diferentes sobre o que elas são. Acho que a obsessão com
gênero e com orientação sexual se tornou uma doença.
Eu sou ateia, mas acredito no poder da religião e de sua
visão do universo. Vivemos essa transição da perspectiva religiosa para essa
horrível perspectiva centrada no indivíduo, com o apoio da mídia. Isso não são
os anos 60, quando se pregou o poder do indivíduo contra a autoridade, mas a
destruição dessa ideia cósmica do lugar de cada um no universo. E isso tudo
convergiu para a obsessão por gênero e orientação sexual. Isso virou uma
loucura. É o novo narcisismo.
Há formas menos
obsessivas de olhar para essas questões?
Eu apoio a união civil, mas nunca apoiei o casamento gay,
por exemplo. Não acho que o governo deve se envolver em casamento, um termo
circunscrito à Igreja. Perante a lei, deve haver igualdade de gêneros e
orientações sexuais. Mas deve haver mais respeito por religião. Se você quer se
casar, vá a uma igreja que aceite casá-lo. Mas a insistência de que o governo
deve intervir neste sentido é muito juvenil.
As pessoas têm de assumir responsabilidade por sua
identidade e estar preparadas para desaprovação e rejeição. Os liberais
ofereceram a arte como substituto para religião, mas não vejo nenhuma
criatividade relevante, mas um mundo de trivialidades. As pessoas hoje estão
neste sonho, alucinando ao pensar que o mundo ocidental é eterno. Todos os
grandes impérios caíram. Não somos diferentes.
Qual é a consequência
do narcisismo nas artes?
Não vejo nada tão profundo sendo produzido hoje se
compararmos àquilo produzido em culturas mais repressivas. Tennessee Williams,
que eu admiro muito, era um artista gay quando isso não era fashion, e produziu
trabalhos incríveis como "Um Bonde Chamado Desejo" e "Gata em
Teto de Zinco Quente". Quem é o grande escritor gay neste mundo tão
permissivo? Parece que a repressão é um estímulo para a arte (risos).
O que você acha dos
protestos topless, como a Marcha das
Vadias e as ações do grupo Femen?
Eu adoro qualquer performance de rua, qualquer provocação
pública, sejam manifestações ou brincadeiras. Adoro a ideia de pequenos grupos
desafiando os poderes constituídos. Sempre participei de muitas delas até que
fui disciplinada na universidade porque me colocaram em condicional por um
semestre de tanto que eu aprontava.
No entanto, essas meninas são totalmente incoerentes
ideologicamente. Femen não faz o menor sentido, é algo fabricado que não tem
nenhum sentido político. Uma mulher bonita, com belos seios e palavras
desenhadas pelo corpo deveria estar apoiando a indústria do sexo, a
prostituição e a pornografia, e não protestando contra a indústria do sexo. É
ridículo e demonstra o nível de insanidade do feminismo radical atual.
Como você vai expor seu corpo para protestar contra a
indústria do sexo se o que você está fazendo é gerar excitação sexual? É
maluco. Eu mostrei para meus alunos o vídeo em que uma maluca do Femen agarrou
o menino Jesus no presépio do Vaticano e a polícia a agarrou e ela ficou gritando
(risos). Achei tudo muito divertido, mas fiquei com pena dos fiéis que estavam
lá porque aquilo é profanação para eles.
A Marcha das Vadias é outra incoerência das meninas
burguesas e universitárias de hoje. Fui uma das feministas que levantou a
bandeira pró-sexo nos anos 90, mas essas manifestações estão equivocadas.
Madonna expunha seu corpo ao mesmo tempo em que assumia a responsabilidade de
se defender. Você tem o direito de se vestir como Madonna nas ruas às 3h da
manhã e faz parte do comportamento da mulher liberada fazer isso. Só que essa
mulher tem que saber se defender.
Se você vai provocar e usar roupas para demonstrar que está
disponível sexualmente, porque é isso o que você está fazendo. Está dizendo:
sou uma mulher que gosta de sexo e estou pronta para receber ofertas. Mesmo que
as mulheres demandem o controle masculino, sempre vai haver um psicótico ou um
criminoso que será impossível controlar. Não dá pra pedir para a sociedade a
proteger o tempo todo. Se você é uma mulher livre, você tem que aceitar que,
toda vez que se vestir de modo convidativo, está enviando uma mensagem e tem de
se defender se for necessário.
E é claro que ninguém tem o direito de fazer nada com você,
mas só uma idiota acha que vai para as ruas de vestimentas provocativas sem
correr o risco de ser atacada, culpando o Estado por isso.
Uma pesquisa no Brasil apontou que 25% dos brasileiros
concordam que uma mulher vestida de forma provocativa merecia ser atacada.
Ninguém merece ser atacada. Isso está totalmente errado. Ninguém
tem o direito de colocar as mãos no seu corpo sem permissão. O que essas
pessoas devem estar dizendo é que a vestimenta comunica uma mensagem e indica
um nível de disponibilidade sexual.
Eu também acredito que roupas comunicam algo sobre você
naquele momento. Roupas são uma linguagem. As mulheres não entendem como os
homens as enxergam com determinadas roupas. Elas acham que estão se vestindo
para elas mesmas, mas precisam saber que há um perigo em se vestir de certas
formas.
Eu adoro exibição sexual, mas precisam saber que estão
comunicando para uma certa audiência. E não necessariamente se pode culpar os
homens por entenderem uma mensagem que, talvez inconscientemente, as mulheres
estão enviando. Por isso chamo o meu feminismo de safo ("street smart").
Por que você foi tão
crítica ao ensaio fotográfico recente em que Madonna aparece com os seios à
mostra?
Madonna é uma das figuras mais importantes da cultura pop e
da cultura contemporânea. Ela mudou o mundo com sua atitude. Até hoje seus
vídeos antigos são grandes obras de arte. Ela tornou possível para as mulheres
assumirem o comando de suas sexualidades. Ela nunca foi uma vítima. Ela sempre
controlou a transação entre homem e mulher. Ela era extremamente sexy, mas
estava no controle da situação.
Mas acho que esse ensaio ficou feio, acho que ela está se
repetindo. Nós já vimos seu corpo no auge da forma e era magnífico. O que ela
está fazendo agora? Por que expor o corpo na sua idade em fotografias
horrorosas? Sinto muito, mas foi uma desgraça artística. Madonna não deveria
estar competindo com mulheres jovens, cujos corpos são belos. Marlene Dietrich,
que é um modelo para Madonna, nunca fez isso.
Você acha que
mulheres mais maduras não devem mostrar o corpo?
Se você o mostra de um modo belo e sexy, ok. Mas aquelas
fotos da Madonna eram revoltantes. Era embaraçoso. Hediondo. Ela parecia uma
prostituta decadente que não sabe que está na sarjeta.
Madonna é uma estrela global e não deveria se expor assim.
Se você quer seduzir, há outras formas de transmitir isso. Jeanne Moreau é sexy
na idade dela sem mostrar nada, e Catherine Deneuve, apesar de ter ganhado peso,
continua sexy. Não é digno de uma mulher de tantas conquistas se mostrar assim.
As mulheres têm que superar o envelhecimento. Não dá para
dizer que o corpo de uma mulher de idade é tão bonito como o de uma jovem
mulher. Não é! Os hormônios não permitem, a pele fica fina, desidratada, etc.
Temos de parar de tentar glamurizar a beleza da mulher madura.
O que precisamos é deixar as mulheres jovens dominarem o
mundo da beleza e buscar novos papéis para as mulheres mais velhas. Aquelas que
são mães ganham poder à medida que a idade avança e encontram novas colocações
para si. Precisamos aprender a mudar para o próximo estágio da vida. O que
precisamos é criar uma persona para as mulheres na cultura de hoje, e isso tem
a ver com desapegar de algo. Senão, elas só têm a perder. Como não há como
congelar o processo de envelhecimento, quanto mais as mulheres lutarem contra
ele, mais infelizes serão.
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