19 dezembro 2013

R. Teixeira Mendes: "Contra a vacinação obrigatória"

Por iniciativa do Templo Positivista de Porto Alegre, o opúsculo "Contra a vacinação obrigatória", de autoria de Raimundo Teixeira Mendes (n. 224 da coleção da Igreja Positivista do Brasil, de novembro de 1904) foi doado ao Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul. Esse opúsculo foi digitalizado e está à disposição dos interessados aqui.

É importante notar que a campanha da Igreja Positivista contra a vacinação obrigatória tinha três elementos: 

(1) combate à imposição governamental da vacinação, desconsiderando o convencimento individual e, portanto, a liberdade de pensamento; 

(2) o combate à violência praticada pelas tropas de Osvaldo Cruz, que batiam nas pessoas e invadiam as casas para vacinar; 

(3) uma desconfiança da eficácia das vacinas - afinal, nas primeiras décadas do século XX não se tinha certeza da eficácia desse tipo de tratamento e as condições em que eram ministradas as vacinas eram completamente anti-higiênicas. 

Esses três elementos resultaram em inúmeros confrontos entre as tropas vacinistas e a população, no que acabou denominando-se de "Revolta da Vacina".

13 dezembro 2013

M. Lemos e R. Teixeira Mendes: "Bases de uma constituição política"

O documento escrito por Miguel Lemos e Teixeira Mendes, "Bases de uma constituição política ditatorial federativa", pode ser obtido aqui. Ele foi digitalizado e posto à disposição do público no portal eletrônico da Câmara dos Deputados do Brasil.

Esse texto apresenta o projeto de constituição que os apóstolos da Humanidade elaboraram logo após a Proclamação da República, em 1890, para servir de subsídio aos debates que resultaram na Constituição de fevereiro de 1891.

Convém notar que uma parte do nome - "ditatorial" - é motivo de grande confusão atualmente, parte dela inocente, parte dela interessada. 

Para Augusto Comte (e, portanto, para os apóstolos da Humanidade), qualquer governo que seja exclusivamente material e sem apoio moral generalizado - ou seja, sem uma legitimidade ampla - é "ditatorial"; assim, a expressão refere-se a um governo que é apenas e tão-somente material, podendo ser progressista ou retrógrado, promotor das liberdades ou agressor das liberdades: não tem absolutamente nada a ver com governo "tirânico".

O uso que Augusto Comte fazia da palavra "ditadura" era o uso comum por séculos, incluindo no século XIX, até o início do século XX, quando a Revolução Russa e o nazismo mudaram o seu sentido, que passou de um uso neutro (ou até positivo), para um uso predominantemente negativo e associado ao fim das liberdades.

Uma discussão pormenorizada sobre o conceito de "ditadura" no pensamento político de Augusto Comte pode ser lido na seção 7.1 da minha tese de doutorado (disponível aqui).

06 dezembro 2013

Problemas sobre o Positivismo, na revista História Viva n. 121

Alguns problemas na matéria "O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim", publicada na revista História Viva n. 121, de novembro de 2013



Aproveitando a efeméride do aniversário da Proclamação da República, a revista História Viva, em seu número 121, de novembro de 2013, publicou um dossiê temático sobre a República no Brasil. Com vários artigos, o dossiê termina com uma matéria intitulada "O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim" (p. 42-44), em que uma jornalista aborda tanto a doutrina positivista quanto a contribuição específica dos positivistas brasileiros para a Proclamação da República[1].
De modo geral, a matéria apresenta um tom interessado, apresentando detalhes importantes e interessantes: o fato de que o Positivismo é ao mesmo tempo uma filosofia, uma proposta política e uma religião; a ação de Benjamin Constant no movimento que resultou no 15 de novembro de 1889 etc.
Entretanto, a matéria apresenta – sempre a título de "criticidade"! – uma série de erros e problemas, muitos dos quais simplesmente consistem em repetir preconceitos e lugares-comuns acadêmicos: assim, é necessário convir que, no final das contas, a proposta da revista História Viva de apresentar o Positivismo fracassou.
Vejamos alguns dos problemas e preconceitos identificados[2].

1)   A fórmula sagrada máxima do Positivismo tem uma redação diferente da apresentada como título da matéria: é "O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim". Augusto Comte foi muito claro a respeito da alteração dessa fórmula, entre a versão primitiva (que intitula a matéria) e a segunda e final; em vez de tratar-se de uma enumeração de elementos e características, a fórmula final apresenta um ordenamento lógico, social e moral, indicando que o progresso resulta da união do amor com a ordem, além de dever ser almejado pela união do amor com a ordem.
(Além disso, deve-se ter em mente que a "ordem" não se confunde com o status quo, nem com uma sociedade estática, avessa ao progresso: a ordem são as condições fundamentais da vida social – o que inclui, por exemplo, o bem-estar dos indivíduos e as liberdades de pensamento e de expressão, elementos que usualmente são apresentados como do "progresso".)

2)   A jornalista afirma que a lei dos três estados considera a passagem do estado teológico para o positivo: entretanto, também afirma que o estado teológico é "controlado pelo catolicismo" e que o estado positivo é "[controlado] pela ciência" (p. 43).
Há pelo menos três erros nessa afirmação. Em primeiro lugar, o que significa a palavra "controlado", conforme usada na frase, não está claro. Controlar é mandar, manter o controle, exercer a autoridade: ora, isso não faz sentido algum para a filosofia da história e para a filosofia política de Augusto Comte: seja porque o catolicismo não exerce nenhum poder de mando sobre as etapas específicas anteriores da teologia, seja porque ele não é a mais importante: bem ao contrário, o catolicismo é a etapa final da teologia.
Assim, em segundo lugar, a fase teológica mais importante é o politeísmo (seja em sua vertente conservadora – representada pelas teocracias –, seja em sua vertente progressista – representada pelos regimes militares da Antigüidade). Além disso, o catolicismo foi importante não devido à sua doutrina, mas devido à ação social, intelectual e política do clero católico durante a Idade Média (ou seja, entre os séculos V e XIV).
Em terceiro lugar, a fase final não é "controlada" (o que quer que isso queira dizer) pela "ciência", mas, sim, pela positividade. A positividade é o espírito relativo, simpático, útil; ou melhor, é o estado mental e social caracterizado pelos sete atributos da palavra "positivo": real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático. Também é necessário notar que, enquanto a ciência, ou melhor, as ciências – no plural – são sempre analíticas, a positividade apresenta um caráter sintético.

3)    A matéria repete chavões e lugares-comuns e é extremamente  fantasiosa, como na definição de "ditadura republicana": "[...] o francês [i. e., Augusto Comte] idealizou um programa político com um regime de Estado forte e antiliberal (com a submissão dos direitos individuais ao bem público): uma ditadura republicana" (p. 43).
Essa definição assustadora talvez provenha de livros de popularização do conhecimento (como o recém-publicado 1889), mas o fato é que essa suposta definição da "ditadura republicana" simplesmente não corresponde às idéias de Comte, nem na letra, nem no espírito.
Para Comte qualquer governo é "ditadura", especialmente em épocas de transição social, política e moral, como ele considerava que vive o Ocidente desde o século XV e especialmente após a Revolução Francesa. Se todo governo é ditadura, pode haver ditaduras progressistas e reacionárias, liberais e liberticidas. Além disso, a "ditadura republicana" em particular foi proposta por A. Comte como um regime de transição entre a época de crise e a "era normal"; esse regime, assim como a "era normal", caracterizar-se-iam pelas mais completas e amplas liberdades sociais e políticas (ou seja, pelas "liberdades individuais", que, de acordo com o infeliz relato da jornalista, seriam negados): o que ocorre, e como política e socialmente se sabe, as "liberdades individuais" são altamente deletérias se não houver uma preocupação social com o bem-estar da sociedade: é justamente a união das liberdades públicas com o bem-estar coletivo que caracteriza (por exemplo) os regimes do Estado de Bem-Estar Social.
Além disso, deve-se notar que o conceito de "ditadura republicana" pura e simplesmente é desconhecido no Brasil. Tanto pesquisadores ditos "profissionais" quanto o senso comum assumem a palavra "ditadura" no sentido adotado a partir da prática comunista de Lênin, que corporificou a "ditadura do proletariado" de Marx; com isso, ignoram o "contexto lingüístico" em que viveu e elaborou Augusto Comte, ou seja, que no século XIX Augusto Comte adotou nesse caso o hábito lingüístico da época, em que "ditadura" não tinha sentido negativo e que não era antiliberal.
Nesse sentido, a matéria não esclarece nada e aprofunda vários mitos. A observação de que a ditadura republicana é "antiliberal", para fazer algum sentido e não ser injusta, tem que ser entendida estritamente do ponto de vista da história das idéias, significando que a ditadura republicana não se filia ao liberalismo, especialmente no liberalismo laissez-faire – ou seja, no mesmíssimo sentido em que o Estado de Bem-Estar Social também não se filia ao liberalismo. Ora, usar a palavra "antiliberal" e não esclarecer que se trata estritamente de afastamento do liberalismo é querer dar a entender que se trata de um regime autoritário.
Da mesma forma, a expressão "Estado forte" também sugere autoritarismo: mas nem na obra de Augusto Comte, nem nos opúsculos dos positivistas brasileiros (como nos de Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes) há qualquer referência seja a um "Estado forte" seja, principalmente, a qualquer defesa do que chamaríamos atualmente de "autoritarismo". Aliás, é digno de nota que a idéia da ditadura republicana como autoritária foi difundida no Brasil por pesquisadores explicitamente liberais (e católicos) que, ao mesmo tempo em que denunciavam o suposto autoritarismo da proposta, defendiam o regime militar iniciado em 1964 e suas variadas truculências.
Sem dúvida que a revista tem pouco espaço para apresentar suas idéias, o que talvez justificasse essa gigantesca "imprecisão conceitual". Infelizmente, essa limitação de espaço não pode justificar nem uma imprecisão tão grande nem a manutenção de um mito. Nesse sentido, a reprodução dos mitos na matéria, especialmente sem atribuir os mitos a alguém em particular, equivale a assumir os valores e as perspectivas do mito - como se sabe, isso é que os pesquisadores de comunicação chamam de "enquadramento". 
A imprecisão e os erros assumem maiores perspectivas quando se considera que há explicações detalhadas, a partir de perspectivas variadas, a respeito da idéia de "ditadura republicana": de Gustavo Biscaia de Lacerda, "O momento comtiano" (tese de doutorado em Sociologia Política, UFSC, 2010, especialmente a seção 7.1: http://www.tede.ufsc.br/teses/PSOP0369-T.pdf; livro publicado pela Editora da UFPR: https://www.editora.ufpr.br/produto/405/momento-comtiano,-o--republica-e-politica-no-pensamento-de-augusto-comte) e "Teoria Política positivista: pensando com Augusto Comte" (Poiesis editora, 2013: http://www.poiesiseditora.com.br/publicacoes/teoria-política-positivista-pensando-augusto-comte); de Arthur Lacerda, "A república positivista. Teoria e ação no pensamento de Augusto Comte" (Juruá, 2003, 3ª ed.).

4)   Na p. 44 a matéria cita um famoso pesquisador, de acordo com quem os positivistas eram "sectários e fundamentalistas": o problema é que nem o pesquisador entrevistado nem a jornalista que escreveu a matéria apresentam os motivos para caracterizar os positivistas como "sectários e fundamentalistas".
Sectário e fundamentalista é uma pessoa que pensa apenas em termos do próprio grupo e de maneira irracional e absoluta no que se refere às próprias crenças, desrespeitando e desconsiderando sem mais as idéias e as propostas de outros indivíduos e grupos – o que não era o caso dos positivistas.
Em primeiro lugar, eles eram coerentes com a idéia de "ditadura republicana", ou seja, respeitavam escrupulosamente as liberdades públicas, não negando o direito de expressão a ninguém – ou seja, não impedindo a manifestação de interlocutores, ao mesmo tempo que se opondo às medidas governamentais tendentes a impedir as manifestações de idéias.
Em segundo lugar, o pesquisador citado sugere que o sinal de que os positivistas eram "sectários e fundamentalistas" eram as expulsões do grêmio positivista: ora, esse comentário foi extremamente especioso, pois descontextualizado e injusto. Os membros expulsos eram donos de escravos que não aceitavam o programa abolicionista, bem como aqueles supostos positivistas que queriam manter cargos públicos ao mesmo tempo em que faziam propaganda da doutrina (ou seja, eram indivíduos que se valiam do cargo para pregação, desrespeitando a separação entre Igreja e Estado): em outras palavras, eram indivíduos cujos comportamentos públicos e privados eram moralmente condenáveis, por serem degradantes e/ou hipócritas.
(Convém notar que, a esse respeito, os positivistas eram muito mais corretos, coerentes e orientados para o bem público que a maior parte das associações religiosas e políticas dos dias correntes: se isso é "fanatismo e sectarismo", a conclusão é que a nossa própria época é lamentavelmente merecedora de muita, muita reprovação.)
Além disso, é importante observarmos que o famoso pesquisador que foi consultado pela jornalista autora da matéria é apenas "famoso" - em grande parte porque ele é pesquisador de uma importante fundação de pesquisas (a Fundação Getúlio Vargas) -; entretanto, nem sua fama nem a sua filiação institucional conferem-lhe qualquer conhecimento, seja sobre a doutrina positivista, seja sobre a atuação específica dos positivistas no período considerado. Em outras palavras: na melhor das hipóteses, como se pode perceber pelos diversos problemas comentados nesta postagem, esse famoso pesquisador apenas emite palpites sobre o Positivismo.




[1] Pode-se consultar a revista História Viva neste endereço: http://www2.uol.com.br/historiaviva/. Aí é possível encontrar disponíveis diversas matérias, embora a que seja objeto de nossa crítica não esteja aberta ao público em geral.
[2] Os pontos abaixo baseiam-se em uma série de quatro mensagens eletrônicas trocadas com o editor da revista, sr. Dirley Fernandes, em 3 e 4 de dezembro de 2013 (sendo duas de nossas autoria e duas dele).
Embora os argumentos apresentados pelo sr. Dirley em defesa da matéria não nos tenham convencido, é necessário reconhecer a educação e a rapidez com que nos respondeu – características infelizmente incomuns no mercado editorial brasileiro –, bem como a atenção em responder de maneira clara e direta às nossas observações.
Por fim: acrescentamos alguns pontos e editamos diversos trechos das mensagens originais, de modo a evitar passagens mais duras e/ou que citavam nominalmente pessoas.

Curta-metragem sobre positivistas

Curta-metragem realizado em 1998, da autoria de Bruno Grieco. Disponível aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=9Obd86E3Lh8

01 dezembro 2013

Livro sobre teoria política de Augusto Comte

Para os interessados, está à venda um livro eletrônico de minha autoria, reunindo artigos sobre a teoria política de Augusto Comte: "Teoria Política positivista: pensando com Augusto Comte" (Poiseis editoria):

http://www.poiesiseditora.com.br/publicacoes/teoria-política-positivista-pensando-augusto-comte





27 outubro 2013

Universidades canadenses: generalistas ou especializantes?

A matéria abaixo apresenta uma perspectiva especialmente cara ao Positivismo e presente desde o início nos escritos de Augusto Comte: a afirmação da perspectiva generalista, contrapondo-se à especialização científica.

A visão de conjunto é importante devido a vários motivos. 

Em primeiro lugar, porque ela permite que as pessoas tenham uma compreensão geral da realidade, isto é, permite que a realidade seja compreensível para o comum das pessoas a partir de uma perspectiva científica. Nesse sentido, ela desempenha uma função pedagógica e psicológica central para o ser humano. (Em particular, cabe notar que as teologias mantêm sua relevância atual porque elas oferecem aos seus crentes uma visão geral da realidade, ao contrário da ciência - bem entendido, da ciência como tem sido praticada até agora, isto é, fragmentária e fragmentada, oferecendo aos seres humanos apenas perspectivas parciais e irracionais da realidade.)

Em segundo lugar, porque essa visão de conjunto - como o texto abaixo indica com grande clareza - permite que se estabeleçam relações entre áreas do conhecimento que de outra maneira não se relacionariam e que não seria possível relacionar com facilidade: não apenas áreas científicas, mas também considerações morais e filosóficas e mesmo artísticas são passíveis de integração por meio da visão generalista.

Em terceiro lugar, as aplicações práticas (técnicas) são ampliadas. É importante ressaltar que as aplicações práticas devem ser indicadas por último, para não se considerar que a perspectiva generalista é válida apenas ou principalmente devido ao seu valor "pragmático": ao contrário, ela importa antes de mais nada porque tem valor pedagógico e filosófico.

A visão generalista na matéria abaixo é apresentada como uma opção viável para os currículos universitários. Entretanto, essa opção é atualmente mais adequada para os Estados Unidos e para o Canadá que para o Brasil, devido à flexibilidade curricular desses países e ao sistema de "major" e "minor degrees" - isto é, devido à possibilidade de duplas graduações, com dois anos de formação geral à escolha dos estudantes seguidos de dois anos de especialização técnico-acadêmica.

A matéria abaixo, todavia, apresenta dois problemas. O primeiro é considerar a concepção generalista estritamente em termos de aplicação prática, isto é, para "resolver problemas", em vez de considerar também (e acima de tudo) suas implicações filosóficas e morais. O segundo problema liga-se ao caráter jornalístico do texto: a exposição da matéria é recheada de exemplos pessoais, que, a título de apresentar o "interesse humano" da questão, aumentam de maneira desnecessária e cansativa o texto.

Ainda assim, vale a pena a leitura e a reflexão.

O original da matéria pode ser obtido aqui.

*   *   *

CANADIAN UNIVERSITY REPORT 2014: INNOVATION
The university debate: specialize or be a generalist?
ERIN MILLAR
Special to The Globe and Mail
Published Tuesday, Oct. 22 2013, 7:11 AM EDT
Last updated Tuesday, Oct. 22 2013, 9:30 AM EDT

It was one of those beautiful moments of intellectual revelation that undergraduate education is all about. Evan Pivnick was reading Climate Wars by Gwynne Dyer when he realized that climate change wasn’t just a problem of science but also of politics. “I used to think about it in an analog way,” recalls the University of Victoria political science graduate of his formerly single-channel thinking. All of a sudden, communication theory, psychology, economics and law seemed hugely relevant. “I didn’t want to take a narrow look at climate change. I wanted to study the whole spectrum.”
So Pivnick signed up for Victoria’s new minor in human dimensions of climate change. “I wouldn’t have encountered the hard science of climate change chemistry otherwise,” he says. “It also opened me up to economics. I realized I had certain biases so I took classes to understand and be conversational with economists.” After graduating this spring, he scored a job working for Andrew Weaver, a Victoria climate scientist who was recently elected the first Green Party MLA in British Columbia.
Pivnick says the interdisciplinary nature of his education strengthened his ability to consider problems from different perspectives and communicate with experts from disparate fields − a type of thinking universities are increasingly attempting to foster in their students. While interdisciplinary education is not necessarily new, unique approaches are popping up across the country that recognize that modern problems such as climate change − messy, complex beasts that won’t be solved by a single field − require thinkers with a broad wisdom not limited to a single field.
At McMaster University in Hamilton, for instance, the honours integrated science, arts and science, and bachelor of health sciences programs are inherently interdisciplinary. Since Dalhousie University in Halifax created the College of Sustainability in 2009, more than 1,000 students from almost every faculty have enrolled in a double major that involves working on sustainability challenges in the community with professors in the arts, business, science, engineering, health and design faculties.
Most of the 60 universities researched for the Canadian University Report offer relatively new interdisciplinary undergraduate programs in subjects as varied as cognitive science (Carleton University in Ottawa), peace and justice (University of Toronto), food systems (Trent University in Peterborough, Ont.) and community engagement (Emily Carr University of Art and Design in Vancouver). These programs go by many names − applied or integrated, multi- or trans-disciplinary, inquiry or problem-based − but they all have a fundamental assumption in common: Innovation, whether an idea for a new product or an approach to treating illness, often occurs at the intersection of disciplines.
“One of the dangers of disciplinary thinking is that you can get narrowed into a certain jargon that is familiar to your group of experts but virtually meaningless to other people,” says David Leach, director of the technology and society program at the University of Victoria. “Because we’re not within any faculty, our students have to find a way of communicating and collaborating with one another.”
Communication and collaboration, along with analysis, critical thinking, technological literacy and problem solving, make up a suite of intangibles sometimes called “21st-century skills,” that educators such as Leach argue students gain from a broad education.
This view of what skills are needed to thrive in the 21st century is but one side of a debate that has dominated discussion about the goals of postsecondary education in the past year. In reaction to the tough job market many new university graduates face, a growing chorus of politicians and pundits call for universities to narrow their focus and produce “job ready” graduates with the latest technical expertise; in this view, studying humanities or social sciences is seen as a waste of taxpayers’ money and students’ time because asking unanswerable questions does nothing to prepare one’s mind for the real world.
Writing in Maclean’s magazine, columnist Colby Cosh eloquently argued that broadly educating students amounts to delaying them from entering the work force merely because of a romantic (read: foolish) attachment to the broad education at the heart of the liberal Enlightenment ideal: “What you get when you turn this ideal into a system, however, is a lot like what you get when you transform articles of Christian faith into the Catholic Church: a powerful, unaccountable apparatus that abuses large numbers of young people.”
Prime Minister Stephen Harper has also called for postsecondary institutions to focus on specific skills, particularly in trades, science and engineering. In a meeting with a U.S.-Canada business group in Ottawa last November, he said, “For whatever reason, we know that peoples’ choices, in terms of the education system, tend to lead us to what appears to be a chronic shortage of certain skills.” The contention that Canada’s skills shortage is a barrier to economic recovery is the justification for the Canada Job Grant, a centrepiece of the government’s 2013 economic plan, which pledged to provide 130,000 workers a year with skills training.
But, according to many educators, the set of skills students need to thrive in the modern economy is about much more than technical expertise. In a speech to the Empire Club of Canada last March, David Naylor, outgoing president of the University of Toronto, called the argument for more job-specific education a so-called zombie idea, “one of those persistent and infectious pieces of misinformation, a meme that shouldn’t be alive but just won’t die.” He argued that, instead of focusing on specific technical skills, all people, regardless of their field, need to be able to think quantitatively, communicate effectively, analyze critically and reason through ethical and social challenges. Even in applied disciplines such as health sciences, teachers are replacing narrow skills with what one might call “renewable competencies,” Naylor said. “After all, our students will confront challenges – everything from climate change to cyber-security – that are more intertwined, complex, and social than ever before.”
So what should we make of this debate? Is this shift toward interdisciplinary teaching that prioritizes renewable competencies over narrow expertise preparing students to adapt to fast-changing careers and economies? Or are universities producing unemployable masters of none?
The tiny, private Quest University in Squamish B.C., which exemplifies the trend, may provide the answers to these questions.
Mid-day on a Wednesday in early May, snowshoe-clad students sit on a snowy shore of frozen Garibaldi Lake, a glacial lake in the mountains midway between Vancouver and Whistler, B.C., eating hummus wraps and trail mix. These undergraduates are camping here for five days. They’ve brought gear such as ice augers and instruments to measure water flow. The goal? To quantify the amount of water in the watershed.
In the next three weeks, they’ll spend time on a river and the ocean, studying different aspects of water cycles with professors with expertise in fields from geology to physics to epidemiology. But right now, on this lunch break, they’re thinking about the assignment at hand. Student Julia Simmerling is frustrated because her group spent all morning measuring snow density but the instrument kept maxing out and seemed to be calibrated incorrectly. All her numbers are meaningless, she complains to physics professor Court Ashbaugh. “There’s a way around this,” he tells her. After some discussion with Ashbaugh, Simmerling and her group take a new approach to the problem of quantifying the amount of snow in the water shed: by measuring water from snow off a roof. They later realize they were using the snow density instrument incorrectly, but they learned that there are a lot of different ways to tackle a problem in the field.
The lesson may seem inconsequential − Simmerling may never again need to reason out how to measure the amount of water in snow − but this kind of problem-solving is what this class, and Quest itself, is all about. With no majors or departments, the unusual university in Squamish is arguably Canada’s most extreme example of broad, interdisciplinary undergrad education. “If you have a conventional education, you are trained in how we view the world in 2013,” explains mathematics professor Glen Van Brummelen. “You might be able to exist in the current system for a few years, but what will get you far is flexibility in thinking.” In other words, technology and economies are changing at such a pace that industry-specific skills learned through higher education are often obsolete soon after graduation, therefore students are better served by developing the ability to adapt and continue learning outside formal settings.
Quest buys into an idea that is gaining momentum at universities around the world: that instead of being steeped in disciplinary content, students ought to develop adaptable habits of mind. Traditionally, being educated is most often a process of narrowing; one would study increasingly specific knowledge to the point of knowing enough to be considered an expert. But in this new view, what matters isn’t specific content but the broad strokes of how the world works. Quest is throwing out the conventions of disciplines in order to get at intangibles. For example, during the field class at Garibaldi Lake, students argued with each other about precision and uncertainty while taking measurements – concepts central to doing science that are difficult to get at in the predictable confines of a classroom.
But striking the right balance between teaching habits of mind and disciplinary content is tricky. While Ashbaugh is a great supporter of learning science by doing, he worries his students may end up not knowing much about anything. “Experts think the way they do because they know a lot about something. That keeps me up at night,” he says, but acknowledges that a liberal arts education like that offered at Quest isn’t intended to produce experts. Van Brummelen is less troubled: “The big question in this discussion that never gets addressed is: How much technical knowledge do conventionally trained students actually have?”
Yet, that question is being asked. Mere moments after the Harper government announced a cabinet shuffle last July, MP Jason Kenney, who had just been named Minister of Employment and Social Development, tweeted, “I will work hard to end the paradox of too many people without jobs in an economy that has too many jobs without people.” His comment hints at the view held by the Office of the Prime Minister, that a lack of jobs isn’t the sole reason for persistently above-average unemployment. Harper also sees this as an education issue, which cuts to the heart of the debate about the purpose of universities. Jobs go unfilled because employers can’t find employees with the right skills, this line of reasoning goes; if only universities were better at equipping students with relevant skills demanded by employers, graduates would find jobs. (It’s worth noting that Don Drummond, former chief economist at Toronto-Dominion Bank, now at Queen’s University, told the Toronto Star that he was unable to verify the unfilled jobs stats used in the 2013 budget.)
Everyone interviewed for this article agrees that employers are frustrated with university graduates’ mix of skills, but most say employers aren’t seeking technical knowledge but instead abstract 21st-century skills or “renewable competencies.” Ginny Dybenko, former chief executive officer of Bell Advanced Communications, says, “Whether I asked Procter & Gamble or the banks on Bay Street or the big consulting firms, without exception, all the s nior people told me they needed the soft skills. It’s an ability to communicate with humans. That requires an understanding of how humans think and how they want to understand the world. It sounds so straightforward that I am almost reluctant to say it, but it is something that is hard to deliver on.”
After 40 years at Bell, a stint at a startup, and five years as dean of business at Wilfrid Laurier University, Dybenko joined the University of Waterloo in Ontario in 2011 as executive director of the Stratford Campus, a new digital media campus. The idea was to create an interdisciplinary graduate program in which students work with companies to tackle digital media problems. The course work would touch on business and technology, but its heart was in the arts – history, fine arts, psychology.
“What a remarkable thing – to bring together the geeks and the artists in one site,” recalls Dybenko,“give them interesting tasks to work on together, provide them with a creative frame, lots of opportunity to play in that sandbox, and see what happens.”
Dybenko’s colleagues hoped 50 students would sign up in the first year, and were delighted when 100 started the program. The next year 150 qualified students enrolled. An undergraduate program launched last fall was similarly popular. The response from business was also enthusiastic. Google and Canadian Imperial Bank of Commerce were among companies that submitted projects to the program for students to work on, and all graduates who entered the job market (some became entrepreneurs) are employed.
What is unusual about the Stratford Campus is its firm foundation in the arts. (Its academic director Christine McWebb has a doctorate in French literature.) “In the old days,what students would be told if they were really passionate about the arts or the humanities was to become an accountant, and then they could play with that other stuff in their spare time,” Dybenko says. “If they’re passionate about the arts, and that can be music or sociology or political science or geography or history, then we encourage them and give them enough technology so that they can apply that in the digital age and enough business skills so that they are actually useful in the workplace.”
Stratford Campus was established as arts programs were being cut back at many universities. (In August, the University of Alberta in Edmonton suspended enrolment in 20 arts programs, from music to languages.) The value of an arts education is at the heart of the debate about what skills students should gain from a university education, and it’s an extremely old argument – whether education ought to be about fostering critical, independent thought has been up for debate at least since Plato laid out the bones of a Socratic education in his Republic. But new interdisciplinary programs at universities across the country are lending the arts new relevance, rooted in a recognition that in our race to invent widgets, cure diseases and program apps, we may have neglected the human element.
Robert Gifford, head of the University of Victoria’s human dimensions of climate change program, says the program grew out of an understanding that there is a sociological and psychological side to climate change. He argues that graduates will be valuable to governments and industry dealing with environmental problems. “Stephen Harper’s people are thinking industrial, productive, resource-extraction type of jobs – plumbers, electricians, which we need, but we’re producing people who are job-ready, not for resource extraction, but to be managers of a very complex problem.”
For Dana Petersen, one of the first Stratford Campus graduates, the utility of her broad education is obvious. With her ability to speak the language of designers and engineers alike, she scored a job as a user experience researcher at Samsung, exploring how people interact with technology. “For a long time at universities, there were the sociology and psychology departments, and they were about people.
Way across campus, there were the engineers who built things. We’re just starting to build bridges.”

26 setembro 2013

Dicionário da Elite Política Republicana (1889-1930)

Para os interessados em História do Brasil, a Fundação Getúlio Vargas criou há alguns anos um dicionário eletrônico da elite política da I República (1889-1930), que é mais ou menos complementar ao dicionário de elites relativas ao período posterior a 1930 (disponível aqui).

A iniciativa é interessante; ainda assim, é importante notar que ela deixa muito a desejar: inúmeros nomes da "elite política" da I República pura e simplesmente não aparecem nesse dicionário.

Dois exemplos absolutamente escandalosos de omissões: os apóstolos da Humanidade, Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, que, com base na Igreja Positivista do Brasil, tanto fizeram em prol de uma cultura cívica republicana, do respeito aos trabalhadores, da dignidade da família, da separação entre Igreja e Estado.

Ausências desse gênero diminuem muito a relevância da iniciativa, em particular porque não há previsão de complemento no dicionário e não se aceitam verbetes complementares.

Não há dúvida alguma de que esse tipo de ausência reflete as decisões e as orientações teóricas e políticas tomadas por vários diretores do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdocda Fundação Getúlio Vargas. Em outras palavras, esse núcleo de pesquisa pura e simplesmente decretou que o Positivismo não desempenhou papel algum na história brasileira e que, caso alguém discorde desse decreto, tal papel deve ser desconsiderado. É evidente que isso se afasta bastante do que qualquer cidadão poderia chamar de prática científica e política "sadia".

Enfim: para os interessados, esse Dicionário da I República está disponível aqui: http://cpdoc.fgv.br/dicionario-primeira-republica.


Miguel Lemos (1854-1917)

Raimundo Teixeira Mendes (1855-1827)

23 setembro 2013

Do OLÉ: "Papa no Brasil: para onde foi a laicidade do Estado?"

Reproduzo abaixo postagem recente do Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ), em que trata da recente visita do papa Francisco ao Brasil, por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude (Católica) e das suas relações com a laicidade. 

É um relato minucioso - e, por isso, longo - do evento, indicando vários aspectos em que a laicidade foi francamente desrespeitada, por vezes da maneira mais acintosa e demagógica. 

O OLÉ é um dos poucos órgãos de pesquisa que valorizam a laicidade e assumem-na como um valor para a República, sem se curvar aos inúmeros sofismas contrários a ela - sofismas o mais das vezes produzidos por seus inimigos e repetidos por políticos e juristas interessados no Estado confessional (quando não teocrático).

O vínculo original da postagem encontra-se aqui.

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O PAPA NO BRASIL: PARA ONDE FOI A LAICIDADE DO ESTADO?

            A semana que o papa Francisco passou no Brasil (22-28/7/2013), bem como o período imediatamente anterior e posterior, propiciam uma ocasião privilegiada para se saber para onde vai a laicidade do Estado brasileiro. O que se fez e o que se deixou de fazer, o que se disse e o que se calou, o material e o simbólico, tudo isso recheou e revestiu a passagem do papa pelo Brasil.
            Para começar, não dá para não falar da Marcha para Jesus, promovida por igrejas evangélicas em várias cidades do país, de junho a agosto. Não foi, como parece à primeira vista, um desafio evangélico ao evento católico. Por mais que a rivalidade intra-campo religioso estivesse presente, o evento evangélico se realiza há duas décadas na capital paulista. E foi, de uma certa maneira, institucionalizada pela lei federal 12.025/2009, de iniciativa parlamentar e sancionada pelo presidente Lula, que instituiu o “Dia Nacional da Marcha para Jesus”, a ser comemorado, anualmente, no primeiro sábado subsequente aos 60 dias após o domingo da Páscoa. Não há dúvida que esse marco foi o contraponto da lei federal 6.802/1980, firmada pelo presidente general Figueiredo, que declarou feriado nacional o dia 12 de outubro “para o culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.” Portanto, se algum desses eventos foi marcado para perto do outro foi o católico, não o evangélico.
            Em São Paulo, a “Marcha para Jesus” foi realizada em 29/6/2013, pouco menos de um mês antes da Jornada Mundial da Juventude (Católica). Durou um dia inteiro, contou com cerca de 2 milhões de pessoas de diversas denominações, e teve a presença de vários pastores, entre os quais os altamente polêmicos Silas Malafaia e Marcos Feliciano. A tônica geral das faixas foi de defesa do conservadorismo político e ideológico, com ênfase no confronto com o “ativismo gay”. A imprensa escrita e televisada desmereceu o evento evangélico, focalizando seu caráter local, o número de participantes inferior ao previsto e a presença de líderes polêmicos ou conservadores.
            Em contraste, a presença do papa Francisco no Rio de Janeiro e em Aparecida (SP), foi um sucesso de público e de crítica. Em sua primeira viagem fora da Itália, quatro meses depois de eleito papa, Francisco veio para a 26ª Jornada Mundial da Juventude, evento itinerante da Igreja Católica, cujas duas edições anteriores foram sediadas na Austrália e na Espanha. No Rio de Janeiro, o papa foi aclamado por milhões de pessoas à beira do delírio coletivo; a JMJ recebeu cobertura generosa dos meios de comunicação de massa; os governos federal, estadual e municipal esmeraram-se em mostrar-se atenciosos e convergentes com as ideias da Igreja Católica; mãos de clérigos punidos ou contidos pela Santa Sé foram erguidas ao pontífice. Este, por sua vez, esteve à vontade, falou um portunhol desenvolto, empregou expressões populares e até concedeu entrevista exclusiva à maior rede brasileira de TV. Os evangélicos, adversários principais no campo religioso, mantiveram conveniente silêncio sobre o megaevento. Rapidamente foram esquecidos os vexames da má programação oficial em matéria de trânsito urbano e de transporte público. Problemas da organização da própria administração da Jornada foram imputados aos governos do Estado e do Município da capital, que, devotos e solícitos, os assumiram. O caso mais célebre foi o da escolha, pelos promotores da Jornada, de um distante terreno na zona rural para as celebrações de massa. A advertência da administração pública de que se tratava de área alagadiça foi desconsiderada pelos organizadores. As fortes chuvas que caíram no Rio tornaram a área um grande lamaçal, mas as celebrações foram prontamente transferidas para a praia de Copacabana, que serviu de cenário para a prática do pensamento mágico, aliás incentivada pelo próprio papa – a oferta pelo prefeito de uma dúzia de ovos para Santa Clara, isto é, para o convento das freiras clarissas – uma simpatia para o sol voltar a brilhar. Contrariando os meteorologistas do Instituto de Pesquisas Espaciais, a volta do sol no último dia da Jornada foi atribuída a mais um efeito da ordem sobrenatural sobre a caprichosa natureza carioca.
            Passemos ao tema que nos interessa: para onde foi a laicidade do Estado?
            Financiamento público a evento privado
            O orçamento do Instituto da Jornada Mundial da Juventude era de 350 milhões de reais, a ser coberto pelas inscrições dos participantes, por doações privadas e contratos de patrocinadores empresariais (Bradesco, Itaú, Santander, Ferrero, Nestlé, McDonald’s, Tam Viagens e Havas).
            A estimativa do jornal O Globo foi que o Poder Público gastaria, indiretamente, 118 a 120 milhões de reais, dos quais 62 milhões seriam despendidos pelo governo federal. Estariam incluídos nesta cifra os gastos com o avião da FAB que foi a Roma buscar os dois “papa-móveis” a serem utilizados pelo pontífice no Brasil, além dos voos nos helicópteros militares empregados no seu deslocamento no Rio de Janeiro e no tour a Aparecida.
            Nessa estimativa não foram computados os custos de transporte dos bilhetes de ônibus, barcas e metrô que a Prefeitura do Rio distribuiu a milhares de participantes inscritos. Nem os gastos com serviços médicos e de ambulâncias, que o Instituto JMJ repassou para a Prefeitura do Rio. Inicialmente esses gastos, no valor de 7,8 milhões de reais, seriam assumidos pelo Instituto da Jornada. Mas, diante da redução do número de inscritos internacionais e previsão de déficit, os organizadores convenceram o prefeito a assumi-los. Um processo licitatório de urgência foi aberto, logo contestado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, que, ainda antes do início do evento, abriu uma ação civil pública contra essa despesa adicional. O MP alegou que esse sobregasto estava fora do contrato anterior, além de haver vícios no processo e falhas procedimentais. O Tribunal não aceitou os argumentos do MP, a licitação foi feita e os ônus, assumidos pela Prefeitura.
            Os dirigentes da Igreja Católica e mesmo do Estado brasileiro (a convergência é notável), argumentaram que o papa, além de líder religioso é chefe de Estado (a ambiguidade parece não surpreender ninguém). Por isso, deveria receber tratamento adequado ao seu status. A ninguém ocorreu lembrar que o governo brasileiro jamais mandou buscar o carro próprio de chefe de Estado que visitou o Brasil: nem Barak Obama nem o rei Juan Carlos I. Só para citar dois exemplos. Nem pagou a visita para nenhum deles fazer proselitismo por aqui. Sinal dos tempos: não podendo se basear somente na devoção ou no oportunismo dos políticos,  dirigentes da Igreja Católica tiveram de se valer de um inédito discurso economicista para justificar os gastos públicos com a Jornada. Foi isso que fez o arcebispo de São Paulo, Odilo Scherer. Ele disse que todo o gasto público seria feito no próprio país, iria gerar empregos e representaria uma “injeção de sangue na economia brasileira”. [O Globo, 16/7/2013, p. 18]
            De um ponto de vista puramente economicista, os resultados do evento podem dar razão ao arcebispo de São Paulo: mesmo que os gastos públicos tenham sido superiores aos 120 milhões previstos antes do evento, as estimativas é que foram injetados 1,8 bilhão de reais na economia do Rio de Janeiro (O Globo, 28/7/2013, Caderno Especial, p. 8-A). O ganho teria sido superior da Copa das Confederações de Futebol.
            Mas, se o mercado ganhou, o Estado perdeu – não só o Estado do Rio de Janeiro e de sua capital, mas todas as instâncias do Estado brasileiro. Perdeu substância na difícil construção da laicidade. Para um micro-economista, a laicidade não passa de um detalhe.
            Argumentos economicistas, como o que circulou na cabeça e na fala dos dirigentes religiosos e políticos, podem justificar muita coisa ruim, inclusive o turismo sexual, tão generoso no reforço da renda de milhares de miseráveis famílias nordestinas.
            Vassalagem das autoridades e suas mulheres
            Nelson Rodrigues dizia que o brasileiro tinha o “complexo de vira-lata”, de povo colonizado, tamanha era sua atitude servil diante dos estrangeiros. Se ele fosse vivo, talvez dissesse que os ocupantes de cargos públicos, no Brasil, têm “complexo de vassalos”, tamanho é seu gosto por reverenciar um monarca: curvar-se diante de um rei ou uma rainha, é sinal de vassalagem muito apreciado por nossas, digamos, elites. Pois o papa é um monarca, aliás absolutista, com a vantagem de ser também dirigente da religião dominante no Brasil. As atitudes de vassalagem para com ele teriam tríplice dimensão: sujeição diante do estrangeiro, do monarca e do chefe da Igreja dominante.
            Isso não é invenção recente. Em 1985, quando presidente da República, o atual senador José Sarney, ao visitar o papa João Paulo II no Vaticano, curvou-se e beijou-lhe a mão (ou anel). Quando o mesmo pontífice veio ao Brasil, em 1997, havia a expectativa sobre o que faria Fernando Henrique Cardoso. Ele apertou-lhe a mão, o mesmo fez sua mulher Ruth Cardoso. Ao visitar o Vaticano, em 2008, o presidente Lula apertou a mão do mesmo papa, mas sua mulher, Marisa, curvou-se e beijou-lhe a mão (ou anel). Desta feita, na recepção ao papa Francisco, a presidenta Dilma Rousseff comportou-se com dignidade. Apertou a mão do papa, mas recebeu dele beijos na face. O mesmo, no entanto, não fizeram outros dignatários do Estado brasileiro. Ministros de Estado, parlamentares e chefes militares aproveitaram a oportunidade de serem apresentados ao papa para exibir sua devoção pessoal. Em detrimento de suas posições oficiais, curvaram-se e beijaram contritos a mão (ou anel) do papa Francisco, diante das vistas de milhões de telespectadores. Suas mulheres foram ainda mais acintosas nos atos de vassalagem. O longo e intenso vínculo das mulheres com o Cristianismo, que se materializou na sujeição de seus corpos e de suas mentes, expressou-se, então, nas manifestações “espontâneas” de vassalagem ao papa. Mesmo que os maridos apenas apertassem a mão do pontífice, elas faziam mesuras, meio que se ajoelhavam e beijavam a pontifícia mão (ou anel). Não vai comentada a situação simétrica (autoridade mulher e cônjuge masculino) pela raridade, senão inexistência no evento.
            Movimentos sociais
            No 30 dias anteriores à visita do papa, as maiores cidades do país foram palco de intensas manifestações de rua, com os mais diversos objetivos. Começaram com protestos contra as tarifas de transporte coletivo e logo foram estendidas aos governos estaduais e municipais, ao Congresso Nacional e ao governo federal. De pacíficas, foram se tornando também violentas, com destruição de alguns símbolos do capitalismo, como agências bancárias e agências de automóveis. Os gastos públicos com a Copa das Confederações de Futebol foram alvo direto dos manifestantes, que pediam saúde e educação públicas “padrão FIFA”. A repressão policial foi intensa e funcionou como incentivo de mais e violentas manifestações.
            Esse clima foi projetado para a visita do papa, temendo-se que os manifestantes pudessem comprometer o andamento das celebrações religiosas e políticas durante a Jornada Mundial da Juventude. Mas esses temores se mostraram infundados. Os movimentos de rua evitaram hostilizar os participantes da JMJ, seus dirigentes e suas instituições, preferindo manter os alvos anteriores, especialmente o governador do Estado do Rio de Janeiro e instituições estatais e empresariais. Enquanto os manifestantes insistiam em sitiar em casa o governador Sérgio Cabral, silenciavam-se sobre os gastos públicos com a Jornada. Há analistas da conjuntura política atual que apontam a presença de grupos anarquistas nessas manifestações. Sobre isso, cabe perguntar se os anarquistas brasileiros redefiniram a tradição anticlerical de seus antecessores. Com seu silêncio obsequioso deram um apoio inestimável ao sucesso da JMJ.
            A grande exceção foi a “Marcha das Vadias”, de 27/7/2013, que reuniu mais de 5 mil pessoas em Copacabana, em protesto contra a violência de gênero e violência sexual.
            Surgida no Canadá, em 2011, em resposta ao “conselho” de um policial para as jovens de um campus universitário, de não se vestirem como “vadias”, para não serem estupradas, mulheres de vários países assumem sua sexualidade e proclamam que, independentemente da roupa ou falta dela, a culpa será sempre do estuprador, nunca da vítima.
            Justamente no dia em que a “Marcha das Vadias” foi programada para a praia de Copacabana, seria iniciada no mesmo local a “vigília de oração” da Jornada. Com acesso facilitado pela transferência de local, do lamaçal de Guaratiba para a charmosa e central Copacabana, previa-se a afluência de alguns milhões de pessoas, engrossando o número de participantes. A “Marcha” reuniu movimentos feministas e grupos teatrais, com esquetes sobre a temática da descriminalização do aborto, da diversidade sexual, o fundamentalismo religioso e o racismo. Unindo todos estava a crítica aos preceitos morais da Igreja Católica. Convergentes com esse posicionamento, estavam presentes as Católicas pelo Direito de Decidir, do Brasil e de outros países latino-americanos. Apesar de bem humorada, houve momentos tensos, quando um manifestante quebrou imagens religiosas e outros manejavam desrespeitosamente símbolos e imagens de devoção católicas. Agressões houve também da parte de participantes da JMJ, que insultaram os manifestantes e cuspiram neles.
            De todo modo, o acirramento do confronto foi evitado com o desvio da “Marcha” para Ipanema, onde ela dissolveu após um “beijaço”.
            Entre os cartazes levados pelos participantes da “Marcha das Vadias”, havia alguns que mencionavam o Estado Laico, sempre positivamente, embora a sátira não concorresse para a busca de aliados nos domínios religiosos.
            Uma prévia desse evento, mas de menor porte, ocorreu no dia do desembarque do papa no Rio de Janeiro e sua recepção no Palácio Guanabara. No Largo do Machado, a poucas quadras desse local, um grupo teatral e militantes LGBT desenvolveram esquetes e portaram cartazes em defesa da liberdade sexual, mas acabaram suplantados por manifestantes contra o governador, que ignoraram a dimensão confessionalista do evento que se desenrolava no Palácio.
            O papa e a laicidade do Estado
            Francisco evitou falar diretamente de temas sensíveis nas relações do Estado brasileiro com os dirigentes católicos, principalmente aborto e casamento gay. Ele preferiu não bater de frente com as políticas governamentais que contrariam as orientações do Vaticano e da CNBB, mas fez gestos nesse sentido, embora tímidos. Por exemplo, na última missa do evento, a equipe vaticana levou ao altar uma criança anencéfala, nascida graças à decisão dos pais, católicos. A lei brasileira faculta o aborto nesses casos. O gesto da equipe foi uma discreta “defesa da vida”, uma mensagem aos católicos da posição da sua Igreja nesses casos. De fato, houve uma mudança de estratégia no trato de questões polêmicas. Em visitas anteriores, João Paulo II e Bento XVI fizeram críticas explícitas a políticas públicas, coisa que nenhum chefe de Estado faz no país anfitrião. Mudança de estratégia mas permanência de posição. Foi o que se pôde perceber no “kit peregrino” distribuído aos jovens inscritos na Jornada, voluntários e jornalistas credenciados. Ele incluía um manual com a posição oficial da Igreja, a mesma dos papas anteriores em matéria de aborto, reprodução assistida, eutanásia, homossexualidade e estrutura familiar. Em cada um desses pontos, a orientação do Vaticano colide com a legislação brasileira.
            Em reunião fechada, só para autoridades e convidados, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o papa Francisco usou a expressão Estado laico, a única vez em sua visita:
             “A pacífica convivência entre religiões diversas se vê beneficiada pela laicidade do Estado que, sem assumir como própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença da dimensão religiosa na sociedade, favorecendo suas expressões concretas.” [O Globo, 28/7/2013, Caderno Especial, p. 1]
            Uma visão bem restrita essa, a de pensar o Estado laico em função da convivência entre as religiões, esquecendo que a atuação de cada uma delas tem de ser feita na forma da lei, portanto o Estado está acima delas na esfera política, e mais, existe uma quantidade crescente de pessoas sem religião. E o Rio de Janeiro é o estado em que essa parcela é a mais alta no Brasil, 16%, o dobro da média nacional. O Estado laico existe também para os sem religião, inclusive para os anti-religiosos.
            Mesmo com essa autorreferência religiosa, Francisco Carlos Teixeira, professor titular de História da UFRJ, disse que a declaração do papa “acabou dando mais argumentos para a aprovação de políticas públicas que contrariam dogmas da própria Igreja.” [O Globo,  29/7/2013, Caderno Especial, p. 4] Vejamos como o Estado brasileiro, principalmente o Poder Legislativo, em todos os níveis, vai lidar com essa contradição: marcha adiante ou marcha a ré?
            O Estado Laico na TV
            Dois programas de TV foram dedicados ao Estado Laico, um gravado antes da Jornada, outro logo depois. Merecem destaque pelo contraste com as manifestações ostensivamente devotas da mídia brasileira ao papa e às celebrações em que esteve presente. O primeiro foi o “Observatório da Imprensa”, tradicional programa produzido e apresentado por Alberto Dines na TV Brasil, estatal. Gravado em 9/7, foi ao ar em 23/7/2013, durante a JMJ, portanto. Os entrevistados foram o filósofo Roberto Romano, da Unicamp; Daniel Aarão Reis, da UFF; e Jean Wyllys, historiador e deputado federal (PSOL-RJ). Dines justificou o tema abordado pelo programa como a oportunidade oferecida pelo evento católico para avaliar o papel da mídia eletrônica, frequentemente transformada em púlpito das religiões dominantes, a católica e a evangélica. Apesar das diferenças entre os entrevistados, eles convergiram na defesa da laicidade do Estado como condição para a democracia no Brasil. A conclusão pode ser sintetizada nas palavras do próprio Dines, para quem qualquer fissura no edifício republicano tende a ser continuamente ampliada. É um risco que não vale a pena correr, sobretudo nos momentos tensos em que vivemos. [video de acesso livre  http://www.observatoriodaimprensa.com.br/videos/view/a_vinda_do_papa_e_o_estado_laico ]  O segundo programa foi de emissora privada: “Na Moral”, da TV Globo. Apresentado por Pedro Bial, ele focaliza a mudança de comportamentos e de preceitos morais, sem se prender a uma pauta absoluta de valores. No caso do programa do dia 1/8/2013, praticamente uma semana depois da partida do papa, o tema foi o choque entre as religiões, que absolutizam a moral e o Estado Laico, que além de manter uma moral secular, protege a diversidade cultural. Os debatedores foram Daniel Sottomaior, da ATEA, o padre católico Jorjão, o pastor Silas Malafaia e o babalaô Ivanir dos Santos. Descontando a modéstia argumentativa do padre católico, o debate se deu entre a dupla Daniel-Ivanir contra o pastor Malafaia, isolado em sua arrogância e intolerância. O sambista Arlindo Cruz, igualmente convidado, fez a contraparte musical, com um repertório apoiador do ecumenismo de fato do povo brasileiro. O apresentador Bial revelou uma face distinta da que aparece no programa Big Brother, ao empregar bem conceitos pouco familiares ao pessoal da mídia, como a distinção entre Estado Ateu e Estado Laico, com o que calou a ferocidade do pastor. [acesso para assinantes globo.com  http://globotv.globo.com/rede-globo/na-moral/t/para-assinantes/v/na-moral-programa-do-dia-01082013-na-integra/2730908/]   Se o “Observatório da Imprensa” foi explicitamente montado com vistas à Jornada Mundial da Juventude, “Na Moral” pode ser, sem dúvida alguma, explicado como resultado não intencionado do mesmo evento. Apenas um exercício de Comunicação Social: se somarmos a audiência de ambos os programas, eles podem ter atingido mais, tanto ou menos gente do que os participantes da Jornada?
            Tudo somado, o que se pode esperar do papa Francisco em matéria de posições laicas?
            A realização da Jornada Mundial da Juventude no Brasil não foi por acaso. Maior país católico do mundo, é justamente aqui que se dá a mais pronunciada redução do número relativo de adeptos do catolicismo, em proveito de confissões evangélicas, principalmente as pentecostais. A visita do papa valorizou o protagonismo dos católicos no âmbito de sua igreja e na evangelização, vale dizer, na competição no interior do campo religioso. Com efeito, se as diretrizes do pontífice forem traduzidas em atos, é de se esperar a mudança de uma atitude passiva da hierarquia e dos leigos católicos diante do crescimento dos evangélicos, para adotarem uma atitude ativa e militante de reconquista dos fieis perdidos para os pentecostais. A entrevista concedida pelo papa Francisco à TV Globo deixou clara essa disposição de cruzado. Evitou falar do Brasil, para o que foi convocado pelo entrevistador, mas citou um elucidativo caso argentino. Uma mulher do sul daquele país disse a um padre que visitava seu lugarejo, o primeiro depois de muitos anos, que ela e os demais católicos foram abandonados pela Igreja (isto é, pelo clero). Por isso, ela teve de aderir a uma confissão evangélica para poder “ouvir a palavra de Deus”. Mas a opção teve um custo alto, que foi ter de esconder no armário a imagem de Maria, apesar de sua devoção. Não foi à toa a menção a essa imagem, de especial devoção do papa, que fez questão de incluir uma passagem por Aparecida, não prevista por seu antecessor. O lugar de Maria, como sua imagem, são pontos de alto poder explosivo nas relações entre católicos e protestantes.
            Qual será o teor das mudanças anunciadas pelo papa Francisco, é coisa impossível de se saber, por enquanto. Os articulistas da imprensa brasileira foram unânimes em atribuir efetividade nas mudanças promovidas pelo novo papa na Igreja Católica. Em geral, falou-se das reformas internas na burocracia vaticana, que tem sido alvo de fortes críticas, especialmente em matéria de práticas financeiras e sexuais. Francisco parece disposto a eliminar as razões para tais críticas, mediante a adoção, pelo Banco do Vaticano, de padrões bancários vigentes na Itália e em outros países, de modo a evitar a lavagem de dinheiro. Parece disposto, também, a evitar o prosseguimento da proteção que a Igreja tem dado a padres, bispos e cardeais pedófilos. Ele chegou a dizer que, além de pecado, a pedofilia é um crime, portanto punível pelo Estado, algo inédito na linguagem vaticana. Em matéria doutrinária, todavia, nada foi dito que sugerisse grandes mudanças. Sobre o lugar da mulher na Igreja, ele apenas afirmou que é grande, mas nada de ordenação delas no sacerdócio, isso já estaria resolvido para sempre. Sobre os homossexuais, ele admitiu que a Igreja deve acolhê-los, se buscarem Deus, mas nada de apoiar suas práticas. Sobre os divorciados, reiterou que devem ser acolhidos e até receberem sacramentos, mas nunca se contraírem outro matrimônio.
            O que significam a linguagem simples, o calor humano, o despojamento do ouro e dos confortos vaticanos? Relutando em fazer coro com os articulistas da mídia brasileira, Stéphanie Le Bars publicou artigo em Le Monde (23/7/2013), intitulado “Os primeiros meses do papa Francisco: mudança de estilo ou verdadeira revolução?” A autora não tem dúvidas: ele é revolucionário diante de numerosas práticas vaticanas, mas sua doutrina geral é a mesma de seus antecessores, em matéria de moral sexual, celibato dos padres, do papel da mulher, de ética e bioética. Ela lembra que o papa é favorável a um “estatuto jurídico do embrião”, como certos parlamentares pretendem transformar em lei no Brasil. O artigo transcreve depoimento do cardeal alemão Walter Kasper, que disse ter Francisco mudado a maneira de ser papa, mas não mudará os conteúdos. No entanto, a articulista argumentou que essa  mudança de estilo é ameaçadora para muita gente na burocracia vaticana, de modo que uma oposição interna já se mobiliza para atrapalhar suas atividades. É justamente para se defender dela que se diz que mais ou tanto quanto o reforço do catolicismo no Brasil, o papa voltou para Roma politicamente fortalecido pelo apoio ostensivo de milhões de pessoas. Fazendo seu próprio balanço, Bruno Bimbi foi taxativo: Francisco é Bargoglio. (O Globo, 3/8/2013, Caderno Prosa e Verso, p. 4) Esse militante pelo casamento homoafetivo na Argentina lembra a trajetória política do cardeal Bargoglio contra aquela conquista social. “Ele não é um intelectual alemão, mas um político argentino, acostumado a almoçar com políticos e jantar com jornalistas e a fazer muito lobby, embora tenha condenado o fantasioso ‘lobby gay’.” (Idem, ibidem) Antes de entrar para a Companhia de Jesus, Bargoglio participou da Guarda de Ferro, organização de direita do peronismo. Por essa razão e por seus gestos populistas, ele tem sido apontado, na Argentina, como o primeiro papa peronista.

            Desconversar diante dos temas mais candentes que opõem o catolicismo e as políticas públicas, de um lado; de outro, pedir para se “pôr mais água no feijão” e baixar os vidros do papa-móvel terão sido sinais de um bem sucedido esforço do populismo sul-americano na salvação de uma instituição religiosa em crise? Se esse estilo se mantiver e se consolidar, a laicidade do Estado terá de se haver com um adversário novo: ao invés de sisudos cardeais ou raivosos pastores, o Estado será interpelado também por eloquentes líderes religiosos de massa ao estilo do que a política brasileira conhece em todos os quadrantes: de um Jânio Quadro à direita até um Leonel Brizola à esquerda.