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19 janeiro 2015

"Positivismo" na divulgação científica da Associação Brasileira de Ciências

Nota prévia:

Os cinco primeiros parágrafos desta postagem foram enviados via correio eletrônico para o "contato" do portal "Proficiência" (http://www.proficiencia.org.br/article.php3?id_article=2) e para a Presidência da Associação Brasileira de Ciências (http://www.abc.org.br/rubrique.php3?id_rubrique=88).

Quase imediatamente ao envio, recebemos uma resposta da sra. Elisa Oswaldo-Cruz, responsável pelo portal, afirmando que em alguns dias as informações que foram objeto de minhas críticas seriam retiradas do ar para reavaliação subseqüente.

Agradecemos a atenção e ficamos no aguardo da reavaliação.

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O portal "Proficiência", dedicado à divulgação e ao estímulo da prática e da cultura da ciência, mantido pela Associação Brasileira de Ciências, apresenta algumas afirmações espantosas para quem leva o pensamento científico a sério, bem como a história e a filosofia das ciências.

Considero, em particular, a referência ao "Positivismo" no referido portal (http://www.proficiencia.org.br/article.php3?id_article=600): a concepção do "Positivismo" que se apresenta ali é espantosamente, extremamente simplista e reducionista, mesmo considerando que é específico de um portal de divulgação científica.

Sabe-se que a Academia Brasileira de Ciências foi criada no início do século XX em oposição ao Positivismo no Brasil, considerando o Positivismo como o inimigo a ser combatido ativamente. Sabe-se também que a ABC foi criada buscando-se especificamente a constituição de uma torre de marfim intelectual, em que os cientistas pesquisassem e pudessem rejeitar as preocupações com a "utilidade social da ciência": mas, com o objetivo de legitimar-se, passar dessa concepção isolacionista - que, aparentemente, a ABC agora rejeita - para afirmar  que (1) o Positivismo é "utilitarista" (ou seja, que busca apenas a ciência com vistas a estritas e imediatas aplicações tecnológicas), (2) que a ele contrapõe-se o pensamento "complexo", (3) que o Positivismo nega as influências sociais e culturais no desenvolvimento da ciência - tudo isso, e muito mais, é pior que criar o famoso "espantalho" do sofisma do espantalho - pois esse espantalho corresponderia a uma versão simplificada do pensamento original, mas que manteria ainda alguma relação com o original -, pois consiste pura e simplesmente em criar uma nova verdade histórica.

Se os autores do portal Proficiência fossem minimamente honestos e se desejassem apresentar uma concepção minimamente correta de que é o Positivismo e sua filosofia da ciência, teriam o mínimo trabalho de ler os textos dos positivistas - Comte, Laffitte, Miguel Lemos, Teixeira Mendes -: ora, a simples leitura desses textos evidencia o quanto de inverdade e de ficção histórica está sendo difundido no portal.

Há muitos livros e artigos que tratam desses aspectos - embora, de maneira alguma por acaso, a quase totalidade desses textos encontre-se inédito na língua portuguesa, de modo geral em francês mas também em inglês.

Nas seções "Missão" e "Missão institucional" do portal eletrônico da ABC (http://www.abc.org.br/rubrique.php3?id_rubrique=30) lê-se que essa entidade é a mais prestigiosa sociedade científica nacional e que seus quadros constituem os representantes da melhor tradição científica nacional. Contrapondo os descalabros teóricos e históricos apresentados no portal "Proficiência" a respeito do Positivismo com a pretensão de prestígio e tradição, só é possível tirar uma conclusão entre duas hipóteses: ou o portal "Proficiência" não corresponde à alardeada qualidade da instituição, ou essa pretensa qualidade é somente isso, pretensa qualidade.

No fundo, tudo isso consiste na criação de mitos, em uma evidente manobra de "política científica". Seguramente, Pierre Bourdieu divertir-se-ia à beça com tais lances no campo científico brasileiro.

06 janeiro 2013

Justificativa positivista da ciência – contra o cientificismo e o academicismo


Uma das observações mais impressionantes de Augusto Comte é relativa à justificativa social da ciência. Muito longe de defender um “cientificismo”, isto é, uma prática da ciência pela ciência, para ele a ciência justifica-se por seus serviços intelectuais e práticos – ou seja, antes de mais nada, por fornecer uma visão realista e relativa da realidade e, depois, devido às suas aplicações tecnológicas. Convém lembrar que, na economia geral do ser humano proposta por A. Comte, a inteligência tem um caráter instrumental (embora não servil) em relação aos sentimentos e à atividade prática.
Uma outra conseqüência importante da justificativa apresentada por A. Comte para a ciência é de especial importância contemporânea: como a ciência não se justifica por si mesma, devendo ter utilidades específicas, o produtivismo acadêmico (literário, científico, tecnológico) não se justifica: para o Positivismo, a prática do produtivismo conduz apenas a uma acumulação infinita – e inútil e injustificável – de fatos e verdades, da mesma forma que a produção econômica encarada como um fim em si mesmo conduz a uma acumulação infinita (e igualmente inútil e injustificável) de riquezas.
É fácil ver que, com tais idéias, Comte não é, não pode ser, um autor “academicista” – e que, mais do que isso, ele torna-se um inimigo de todos os cultores do academicismo.

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“Cet état normal de la culture scientifique sera solidement fondé sur le système complet d’éducation universelle, déjà indique au discours préliminaire. Il fait preceder et diriger l’initiation théorique par un essor affectif et une évolution esthétique dont l’irrésistible ascendant y rappellera toujours la raison au service ou du sentiment ou de l’activité. La culture scientifique n’est moralement justifiable que par sa nécessité théorique et pratique” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 474).