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21 dezembro 2017

O "Secreto horror à realidade": exame da crítica de Sérgio Buarque aos positivistas

Na década de 1930, o agora famoso historiador Sérgio Buarque de Holanda redigiu um libelo contra a I República brasileira (1889-1930) que se tornou famoso, o livro Raízes do Brasil. Entre inúmeras outras críticas, Sérgio Buarque afirmou que os positivistas brasileiros tinham um "secreto horror à realidade". Já na década de 1970, esse historiador retomou as críticas aos positivistas, agora com muita mais ousadia e acidez: tendo o desplante de afirmar que os positivistas brasileiros não conheciam corretamente a obra de Augusto Comte (!), Sérgio Buarque atribuiu-lhes a origem do ativismo político dos militares brasileiros e, por extensão, a origem dos golpes militares de 1930, 1945 e 1964.

Desde então, todas essas fantásticas críticas foram aceitas como verdadeiras pelos intelectuais e universitários brasileiros; sem conhecimento de causa mas transbordando de "criticidade", os "pensadores" nacionais sempre referendaram os comentários de Sérgio Buarque de Holanda.

Pois bem: no artigo "O 'secreto horror à realidade': exame das críticas de Sérgio Buarque aos positivistas", faço um exame detido das acusações feitas pelo antigo professor da Universidade de São Paulo, indicando, ainda que brevemente, os vários erros teóricos e factuais que ele comete ao tratar do Positivismo brasileiro.

O artigo foi publicado pela revista Educare et Educere, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Cascavel. 

O artigo pode ser lido aqui. O resumo e as palavras-chave estão indicados abaixo.

*   *   *

http://e-revista.unioeste.br/index.php/educereeteducare/article/view/16768/12023

Resumo: O artigo examina criticamente as observações de Sérgio Buarque de Holanda a respeito do Positivismo no Brasil, em particular o vigente entre o fim do Império e a I República. Em um primeiro momento, são expostas as principais observações de Sérgio Buarque sobre o Positivismo, conforme aparecem em Raízes do Brasil e no v. 7 de História geral da civilização brasileira, com o objetivo de avaliarem-se os seus argumentos e seus recursos retóricos. Em seguida, avaliam-se as publicações do Apostolado e Igreja Positivista do Brasil de 1881 a 1917, em termos de quantidade e variedade temática. Os comentários finais são no sentido de que, bem ao contrário do que afirmava Sérgio Buarque, os positivistas não tinham nenhum “horror à realidade”, secreto ou não.

Palavras-chave: Sérgio Buarque de Holanda; positivistas ortodoxos; I República.

07 outubro 2017

Foto de Miguel Lemos

Reproduzimos abaixo uma foto de Miguel Lemos (1854-1917), fundador da Igreja e Apostolado Positivista do Brasil e seu primeiro Diretor.

Infelizmente, não temos informação de quando é essa foto, nem por quem ela foi tirada. O original foi-me gentilmente cedido pelo meu amigo Hernani Gomes da Costa.



12 junho 2017

"Teoria do Brasil" dos positivistas: composição étnica e unidade nacional

A revista Política & Sociedade - da Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - acabou de publicar, em seu número mais recente (v. 16, n. 35, jan.-abr.2017) um artigo de minha autoria, intitulado "A “Teoria do Brasil” dos Positivistas Ortodoxos Brasileiros: composição étnica e independência nacional".

O texto pode ser obtido aqui.

Eis o resumo e as palavras-chave do artigo:

Resumo: Podemos definir como “teoria do Brasil” o conjunto de concepções que um autor ou um grupo político-intelectual possui a respeito da história e da estrutura da sociedade e do Estado brasileiros, bem como de suas relações mútuas; essas concepções costumam ser incluídas no “pensamento político e social brasileiro”. Nesse sentido, os positivistas ortodoxos brasileiros – ou seja, aqueles ligados à Igreja Positivista do Brasil, especialmente Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes – tinham a sua “teoria do Brasil”. Embora haja estudos sobre alguns aspectos do pensamento e da prática dos positivistas (como a respeito da escravidão), há uma importante lacuna na literatura a respeito da sua “teoria do Brasil”. Dessa forma, o presente artigo pretende abordar precisamente essa questão, tratando de modo específico (1) da formação étnica brasileira e (2) das condições sociais e políticas brasileiras que conduziram à Independência nacional, em 1822; para isso, serão analisados alguns documentos escritos por Teixeira Mendes. Preliminarmente serão expostos alguns elementos da doutrina positivista, conforme definida por Augusto Comte; já nas conclusões são expostas algumas considerações sobre a importância política e intelectual dos positivistas no Brasil e na área acadêmica do “pensamento político brasileiro”.

Palavras-chave: Positivistas ortodoxos. Teoria do Brasil. Evolução sócio-política. Formação étnica. Independência do Brasil. Raimundo Teixeira Mendes. 

31 agosto 2015

Igreja Positivista concorre a prêmio da Unesco

A nota abaixo foi informada pelo nosso correligionário Paulo Augusto Proença Rosa e foi publicada no jornal O Globo, de 31.8.2015. A nota original pode ser lida aqui.

Além da importância política, social e histórica, a participação em tal certame da Unesco tem um outro elemento: a própria Unesco teve como um de seus fundadores o positivista brasileiro Paulo Estevão Berredo Carneiro.

Um pequeno esclarecimento: o Inepac é o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, do Rio de Janeiro.

*   *   *


A história da República

O acervo da Igreja Positivista do Brasil, na Glória, concorre ao Prêmio Memória do Mundo da UNESCO.

Os documentos  assinados por nome como Benjamim Constant e Miguel Lemos,
contam a criação da República do Brasil.

O dossiê, catalogado pelo INEPAC, acaba de ser encaminhado a UNESCO  e o resultado sai até o fim do ano.


Nota publicada no jornal O Globo, de 31.8.2015.

12 agosto 2015

De Miguel Lemos: "Pequenos ensaios positivistas"

A biblioteca virtual do Senado Federal pôs à disposição dos interessados uma edição eletrônica de um interessante livro do fundador da Igreja Positivista do Brasil, Miguel Lemos; o livro intitula-se Pequenos ensaios positivistas, é originalmente de 1877 e está disponível aqui ou diretamente neste vínculo.

O sumário do livro é este:
  1. O nosso ideal político
  2. O ensino publico
  3. A monarchia constitucional
  4. As tres philosophias
  5. A Escola Polytechnica
  6. O nosso estado actual e a mulher
  7. Objecções e respostas
  8. Questão religiosa
  9. Augusto Comte e o positivismo
  10. Philosophia do desespero
  11. Calendário positivista / organizado por Augusto Comte, para substituir o calendário catholico

Miguel Lemos (1854-1917)

13 maio 2015

13 de maio - fraternidade dos brasileiros

O dia 13 de maio é celebrado no Brasil como o da abolição da escravidão. Por si só, sem dúvida alguma, isso deve ser celebrado e valorizado, pois foi o momento em que no país finalmente se encerraram séculos da exploração mais vil de seres humanos por outros seres humanos, em que uns eram propriedade de outros. A escravidão no Brasil deu-se inicialmente contra os indígenas autóctones e, depois, contra os africanos, que se tornaram imigrantes forçados.

Por outro lado, como também sabemos, a escravidão gerou efeitos persistentes na sociedade brasileira, de que o racismo contra os negros e a exclusão das populações descendentes dos antigos escravos são dois dos mais graves. Isso se deve à própria escravidão mas, também, ao fato de que a sua abolição, em 1888, não foi seguida por medidas públicas e privadas no sentido de integrar os antigos escravos à sociedade nacional, com ensino público, frentes de trabalho em condições dignas, moradias populares etc.

Ainda assim, é importante notar que a campanha abolicionista desenvolveu-se ao longo da década de 1880 e envolveu os mais variados setores da população brasileira, incluindo as elites, setores populares, ex-escravos, membros da “nobreza” nacional.

Entre todos esses grupos, os positivistas tiveram papel destacado, seguindo nesse sentido as orientações de Augusto Comte – fosse como favoráveis à abolição imediata sem reparação para os donos de escravos, fosse como favoráveis à incorporação social dos antigos escravos, fosse como cidadãos que não admitiam entre suas fileiras donos de escravos: por exemplo, Miguel Lemos e Teixeira Mendes, diretores da Igreja Positivista do Brasil, expulsaram de seu grêmio donos de escravos que se recusavam a alforriar seus cativos.

Da mesma forma, o Positivismo celebra a independência do Haiti, na figura do "general de ébano", Toussaint de L'Ouverture.

Além disso, o também positivista Benjamin Constant Botelho de Magalhães[1] e Deodoro da Fonseca, respectivamente na qualidade de vice-Presidente e Presidente do Clube Militar, recusaram em 1887, em nome da tropa, a usar o Exército a perseguir os escravos fugitivos.

Em outras palavras, é indiscutível que a abolição por si só foi um passo importantíssimo para o Brasil – mas, ainda assim, foi um passo insuficiente, pois não foi seguido das necessárias medidas de valorização e de integração social.

É exatamente como um esforço em favor da integração social dos descendentes dos antigos escravos que os positivistas propuseram desde o início da República a comemoração do dia 13 de maio. Na verdade, os positivistas propuseram essa data como celebrando a integração não apenas dos negros, mas de todos os elementos sociais e culturais da sociedade brasileira. Nessa utopia, não se contrapõem os "negros" contra os "brancos", mas eles unem-se e fundem-se, a fim de melhorar o Brasil, cada qual com suas características.

Assim, não deixa de ser motivo de profundo lamento que o dia 13 de maio não seja mais feriado nacional: essa perda de status dessa data indica o quanto a integração e o universalismo não são mais valores nacionais, cada vez mais substituídos pelos vários particularismos. 

É claro que não precisamos concordar com tais particularismos: é por isso que celebramos o projeto de um país que respeite e valorize toda a sua população, com suas particularidades entendidas como traços enriquecedores do patrimônio comum e não como motivos para segregacionismos.



Cartaz gentilmente criado pelo amigo João Carlos Silva Cardoso.





[1] Que, alguns anos depois, foi o fundador da República Brasileira, no glorioso movimento de 15 de novembro de 1889.

15 novembro 2014

Vídeos do Seminário "Positivismo Ontem e Hoje"

Aqueles que tiverem interesse em assistir aos vídeos do Seminário "Positivismo Ontem e Hoje", promovido pela e realizado na Casa de Rui Barbosa, em 10.11.2014, eles estão disponíveis aqui:

- primeira parte, realizada pela manhã, com as comunicações dos pesquisadores Gustavo Biscaia de Lacerda (UFPR), Luís Otávio Ferreira (Fiocruz), Heloísa Bertol Domingues (MAST) e Christian Lynch (FCRB): https://www.youtube.com/watch?v=x2YYOdmkeG0

- segunda parte, no início da tarde, com a apresentação do projeto de reforma da Igreja Positivista do Brasil: https://www.youtube.com/watch?v=ZzxhhWg-5Ss

- terceira parte, com a conferência do Prof. Jean-François Braunstein (Casa de Augusto Comte): https://www.youtube.com/watch?v=gjrAfeUZFQE

13 novembro 2014

Roteiro da exposição: "A ortodoxia da Igreja Positivista"

Exponho abaixo o roteiro da minha exposição "A ortodoxia da Igreja Positivista", que apresentei no Seminário "Positivismo Ontem e Hoje", realizado no dia 10 de novembro de 2014 na Fundação Casa de Rui Barbosa.

Como o tempo era limitado e também como, em princípio, não se previram anais do evento, elaborei apenas um roteiro da exposição.


O folheto com a programação do evento pode ser visto aqui.



*   *   *



A ortodoxia da Igreja Positivista

Gustavo Biscaia de Lacerda

Roteiro da exposição

Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2014 – Fundação Casa de Rui Barbosa

1. Agradecimentos:

a. Ao público presente

b. À Casa de Rui Barbosa

c. Ao Christian Lynch, pelo convite

2. Questão básica da comunicação: o que é ser “ortodoxo”?

a. Quem eram os “ortodoxos”? Embora não exclusivamente, eram aqueles ligados à IPB

b. Os dois mais conhecidos eram Miguel Lemos e, ainda mais, Raimundo Teixeira Mendes

3. Os ortodoxos eram religiosos e é nesse sentido que eram “ortodoxos”

a. O próprio Augusto Comte já tinha definido a distinção entre “ortodoxos” e “heterodoxos”:

                                                              i. Os ortodoxos eram os religiosos, ou seja, os que aceitavam todas as obras de Comte, em particular as “religiosas” (Sistema de política positiva, Discurso sobre o conjunto do Positivismo, Apelo aos conservadores, Catecismo positivista, Síntese subjetiva)

                                                            ii. Os heterodoxos eram aqueles que rejeitavam a parte religiosa e tinham preocupações mais intelectuais, restringindo-se ao Sistema de filosofia positiva

1. Secundariamente, os heterodoxos apoiavam ativamente a tese de que Augusto Comte tinha ficado louco, ou retomado a “loucura” de 1826-1828

2. E. Littré; J. Stuart Mill, A. Giddens

4. Os ortodoxos não eram fanáticos nem dogmáticos:

a. Eram pessoas que adotavam as idéias religiosas e políticas de Comte como parâmetro de ação e de pensamento

b. Em outras palavras, não eram pessoas que adotavam de maneira genéricas as idéias filosóficas de Comte como fonte de inspiração e como apoio metodológico

5. Há a concepção geral de que a ortodoxia corresponde a rigidez mental e/ou a falta de imaginação ou inventividade

a. Mas, por um lado, a gigantesca maioria das idéias que qualquer indivíduo tem em qualquer momento já foi pensada antes por outras pessoas, seja no mesmo contexto, seja em períodos anteriores

b. Além disso, em particular, as idéias de qualquer pessoa baseiam-se nas idéias de outras pessoas, sejam pensadores sistemáticos, sejam indivíduos comuns

c. Assim, a concepção de que a imaginação das pessoas é “ilimitada” – defendida tanto pelo vulgo quanto por acadêmicos – é fantasiosa, quimérica e, no fundo, é anti-histórica, anti-sociológica e profundamente individualista

d. Costuma-se afirmar que a ortodoxia corresponde à falta de imaginação e de “inovações”: mas as inovações por si próprias não querem dizer muita coisa:

                                                              i. Muitas “inovações” consistem apenas em repetições de idéias já lançadas em outros momentos, com ou sem conhecimento da parte do “inovador”: as “viradas” (“turns”) acadêmico-intelectuais demonstram sobejamente essas falsas inovações

                                                            ii. Além disso, muitas inovações consistem simplesmente em retrogradações ou em propostas daninhas e/ou liberticidas: o nazismo e o comunismo soviético são dois exemplos perfeitos dessas inovações retrógradas

e. Deve-se notar que os ortodoxos não eram meros comentadores acadêmicos, sem maiores compromissos com o Positivismo e a obra de Comte: eles defendiam essa obra e aplicavam-na abertamente aos vários temas que agitavam as sociedades carioca, brasileira, americana e internacional

6. Um aspecto central da ortodoxia: a Religião da Humanidade

a. Em círculos acadêmicos e vulgos pode parecer estranha a religião secular proposta por A. Comte, seja porque se considera que Comte era “cientificista”, seja porque se considera de modo geral que religião é igual a teologia

b. Todavia, para Comte “religião” não equivale a “teologia”: a religião é um sistema geral de regulação das condutas e das vidas, individual e coletivo: para Comte, religião vem de “religare”, isto é, produzir a harmonia individual e também produzir a harmonia coletiva

c. Ao mesmo tempo, os acadêmicos adotam um desprezível double standart (dois pesos e duas medidas) a respeito da religião:

                                                              i. As religiões teológicas e metafísicas afirmam com enorme freqüência as coisas mais aberrantes e assustadoras a respeito do ser humano, da natureza, da realidade, da sociedade e da moral, mas, mesmo assim, são respeitadas e levadas a sério, por serem “sistemas de pensamento”, “religiosidades populares”, “fontes de identidades coletivas” etc.

                                                            ii. Mas, ao mesmo tempo, os acadêmicos costumam negar ao Positivismo esse respeito, simplesmente porque a Religião da Humanidade não é teológica – mesmo que o Positivismo afirme e exija a fraternidade universal, o pacifismo, o realismo cognitivo e político etc.

                                                          iii. Assim, os intelectuais costumam ser ou hipócritas ou cínicos a respeito da Religião da Humanidade

                                                          iv. Quais “acadêmicos” fazem isso? Os mais variados possíveis: católicos, marxistas, liberais; além disso, os especialistas em “religião” (isto é, em teologia): sociólogos, antropólogos, historiadores, filósofos da religião

7. Os positivistas ortodoxos eram “intelectuais públicos”

a. A idéia do “intelectual público” tem sido defendida há vários anos pelo marxista Michael Burawoy

                                                              i. O intelectual público é aquele intelectual que desenvolve uma atividade “extramuros”, que participa dos debates públicos, procurando constituir e desenvolver uma “consciência pública”

b. Em outras palavras, a figura do intelectual público corresponde à ação do que Augusto Comte chamava de “novo poder Espiritual”, que constituiria e mobilizaria a opinião pública

                                                              i. Incidentalmente, cabe notar mais um caso de double standart: se um marxista defende o “intelectual público”, a proposta é válida; se Augusto Comte defende um “poder Espiritual”, um “sacerdócio” que desenvolva a opinião pública, é motivo de chacota e desprezo

c. Os positivistas ortodoxos manifestavam-se a propósito de tudo que julgavam útil e/ou importante, de acordo com suas possibilidades materiais e pessoais: problemas sociais, políticos, econômicos, jurídicos, íntimos etc.

d. Assim, de fato, eles procuravam constituir uma nova moral pública e uma nova consciência pública

                                                              i. Deve-se notar que eles tinham como alvo o público não-estatal, ou seja, a sociedade civil

e. Em suas intervenções, eles procuravam dialogar com todos, ao mesmo tempo em que rejeitavam o uso da violência, fosse em suas intervenções, fosse como instrumento político em qualquer situação; também valorizavam muito as liberdades individuais e coletivas de escolha e decisão

                                                              i. A leitura direta das obras dos positivistas ortodoxos e, em particular, de Teixeira Mendes, revela e confirma o que o próprio Teixeira Mendes afirmou certa vez: com o passar do tempo ele(s) melhorou(raram), tornando-se cada vez mais fraterno(s), pacífico(s), humano(s)

                                                            ii. Embora do ponto de vista teórico o Positivismo rejeite a noção de “direitos humanos”, por ser metafísica, anti-histórica, anti-social e individualista, o fato é que todas as suas intervenções sempre defenderam o que se chama atualmente de “direitos humanos”

8. No Brasil, juntamente com o coro dos que ironizam ou desprezam os positivistas, houve quem dissesse que os ortodoxos tinham “medo da realidade”

a. O autor dessa tese é o historiador Sérgio Buarque de Hollanda

                                                              i. Nessa tese há um explícito desprezo pelos portugueses e pela herança portuguesa na colonização e na formação do Brasil, considerando-os molengas e preguiçosos: dando continuidade a essa “tradição”, os positivistas seriam intelectualmente moleirões

b. Também há uma especiosa interpretação da ação e das intervenções positivistas, com a fantástica e arrogante afirmação de que os positivistas não conheciam a obra de Comte nem sabiam interpretá-la – evidentemente ao contrário do próprio Sérgio Buarque

c. A atuação pública dos positivistas revelava uma preocupação enorme com o Brasil, com a América e com todos os povos do mundo: suas intervenções tinham por objetivo melhorar a situação de todos, combater injustiças, corrigir problemas etc.

d. Assim, eles teriam tido “horror à realidade”? Não: eles eram sacerdotes do novo poder espiritual ou, dito de outra maneira, eram “intelectuais públicos”: sua preocupação era apontar soluções, opções, alternativas para os problemas que identificavam

                                                              i. Ou seja: para usar uma palavra que está na moda (e que o próprio Augusto Comte empregava), eles defendiam uma utopia

e. Mas em certo sentido é possível empregar a expressão “horror à realidade”:

                                                              i. Ao contrário da interpretação cheia de rancor e preconceitos de Sérgio Buarque, o fato é que, de fato, os positivistas tinham “horror à realidade” brasileira do período em que atuaram (1881-1927): era uma sociedade oligárquica, com exclusão sistemática dos antigos escravos, com miséria, com uso sistemático da violência da parte dos ricos, dos poderosos e do governo contra os pobres, os fracos e a sociedade civil; eram uma sociedade que cada vez mais valorizava o militarismo, que desrespeitava os índios etc.

9. Não deixa de ser suspeito o desprezo habitual manifestado pelos intelectuais aos positivistas ortodoxos: provavelmente se escondem em tais manifestações ciúme e inveja, além de estratégias para afirmação política

10. Em síntese:

a. A atuação prática dos positivistas ortodoxos foi positiva para a sociedade brasileira

b. A despeito disso, os intelectuais comprazem-se em vilipendiar os positivistas, gerando os mais variados preconceitos


(Reprodução livre, desde que citada a fonte.)

03 novembro 2014

Evento na Casa de Rui Barbosa: Seminário Positivismo Ontem e Hoje

http://www.casaruibarbosa.gov.br/interna.php?ID_S=195&ID_M=3035



Seminário Positivismo ontem e hoje
Dia 10 de novembro, segunda-feira, das 10 às 18h
O evento apresentará um panorama da irradiação do Positivismo no Brasil, de suas influências na vida política brasileira e suas ligações com o pensamento positivista na França. Nesta ocasião, será mostrado o projeto de restauro do Templo da Humanidade situado na rua Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, sede da Igreja Positivista do Brasil, e de implementação de um Centro de Referência do Positivismo, em parceiria com o meio acadêmico e instituições museais.
"Positivismo ontem e hoje" tem por finalidade tecer uma rede de parcerias em torno do projeto, discutir suas linhas de pesquisas e agregar novas iniciativas.

:: Programação:
Mesa1: O Positivismo e suas repercussões na cultura brasileira (10-12h)
Convidados:
- Gustavo Biscaia Lacerda (UFPR) A ortodoxia da Igreja Positivista.
- Luiz Otávio Ferreira (Fiocruz) O positivismo e a institucionalização das ciências no Brasil no início do século XX.
- Heloisa Bertol Domingues (MAST/MCTI) Um viés do positivismo brasileiro na UNESCO.
- Christian Lynch (FCRB) Positivismo versus liberalismo: José Veríssimo, crítico de Joaquim Nabuco.
Mediação : Marcos Veneu (FCRB)

Mesa 2: Projeto de recuperação do Templo da Humanidade (14-16h)
Convidados:
- Luciano Cavalcanti, arquiteto encarregado do projeto de restauro do Templo da Humanidade (Ateliê Belmonte)
- Bertrand Rigot-Muller, consultor encarregado do projeto do Centro de Referência do Positivismo (Soluções Urbanas)
- Alexandre Martins, diretor da Igreja Positivista do Brasil
Mediação: Ana Pessoa (Diretora do CMI/FCRB)

Debatedores:
- Magaly Cabral (Museu da República)
- Marcos Felipe de Brum Lopes (Museu Casa de Benjamin Constant)
- Mariana Várzea (Superintendência de Museus)
- Paulo Vidal (Inepac)
- Superintendência do Iphan - Rio de Janeiro
- Carina Mendes (Superintendência do Iphan - Rio de Janeiro)


Conferência: Auguste Comte aujourd’hui: science et religion (16h30-18h)

Convidado:
- Jean-François Braunstein (Sorbonne-Paris I/presidente da Maison Auguste Comte)
Palestra em francês com tradução simultânea.


Organização:
FCRB e Soluções Urbanas

Apoio:
Consulado geral da França e Igreja Positivista do Brasil

Auditório
Entrada franca
Informações: 3289 8676


13 fevereiro 2013

Revisão da literatura: Positivismo no Brasil

O artigo "De Positivismo e de positivistas: interpretações do Positivismo brasileiro", de Ângela Alonso, está finalmente disponível na rede (aqui - o vínculo baixará automaticamente um arquivo PDF).

É uma revisão geral da literatura sobre o Positivismo no Brasil, expondo e coordenando as várias interpretações filosóficas e sociológicas sobre ele - bem entendido que o foco da autora é sociológico, ou seja, ela procura entender quais os papéis desempenhados pelo positivistas no país (e não tanto a validade ou a correção das interpretações sobre a doutrina).

12 janeiro 2013

Ódios históricos - Sérgio Buarque e os positivistas

Li há pouco o capítulo que Sérgio Buarque de Holanda redigiu sobre o Positivismo e os positivistas ortodoxos para o v. 7 do “História geral da civilização brasileira”, dedicado ao final do Império brasileiro. (O título do capítulo é: “Da maçonaria ao positivismo”.)

Fiquei assustado com o que li. Sérgio Buarque pode gozar de uma grande reputação como historiador (e até como sociólogo), mas certamente não é devido a esse capítulo. Todas as observações feitas sobre Augusto Comte, Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes estão ou erradas ou profundamente distorcidas. Não há nada no texto que se possa identificar como “objetividade”, “neutralidade”, “isenção”; cada palavra expõe as “interpretações” do autor, todas elas com evidentes raiva e desprezo. Ou melhor, com ódio.

Exemplos tirados ao acaso do texto:

(1) os positivistas brasileiros seriam contrários ao fim imediato e sem compensação aos donos de escravos: mentira! Lemos e Teixeira Mendes afirmavam que a escravidão é um crime e que os escravos é que deveriam ser ressarcidos.

(2) Comte e os positivistas apoiariam os militares e o militarismo na política: falso! Eles eram contra a violência na política e nas relações sociais, defendendo o poder do aconselhamento, contra a truculência do Estado e dos poderosos sobre os fracos; em particular, eram contrários ao militarismo, atitude compartilhada pelo Coronel Benjamin Constant.

(3) A “ditadura republicana” era uma modalidade de autoritarismo: falso! Ela consiste no governo exclusivamente civil e não opinativo, ou seja, na rigorosa aplicação da laicidade do Estado, com a cuidadosa garantia de todas as liberdades civis, sociais e coletivas.

Sérgio Buarque cita algumas vezes o próprio Augusto Comte; mas provavelmente é pelo mesmo expediente adotado, depois, por Roberto Romano (em Brasil: igreja contra Estado – São Paulo: Kairós, 1979): cita literatura de segunda mão e a partir dela obtém as referências de Comte – sem indicar a literatura secundária de origem e, mais importante, sem ter lido o próprio Comte (veja-se o meu comentário sobre R. Romano e os positivistas aqui: http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com.br/2012/02/carvalho-romano-catolicos-desmerecendo.html).

A leitura direta das obras dos próprios positivistas já bastaria para indicar o quanto de ódio Sérgio Buarque nutria pelos positivistas. Mas, afinal, quem lê os positivistas hoje, não é mesmo? Quem tem coragem de dizer, com simplicidade e tranqüilidade, que um dos “grandes historiadores” nacionais claramente destilou preconceitos em vez de adotar minimamente o procedimento sine ira et studio?

Livros cujas leituras demonstram cabalmente os erros sistemáticos de S. Buarque:

- Ivan Lins, História do Positivismo no Brasil (Brasília: Senado Federal, 2009, 3ª ed.);

- João Pernetta, Os dois apóstolos (Curitiba: Centro de Propaganda do Positivismo no Paraná, 1927-1929, 3 v.; facilmente encontrado em sebos);

- Gustavo Biscaia de Lacerda, O momento comtiano (tese de doutorado em Sociologia Política, UFSC, 2010; disponível aqui: http://www.tede.ufsc.br/teses/PSOP0369-T.pdf); convertido em livro de mesmo nome (Curitiba: UFPR, 2019), à venda na página da editora ou na Amazon.

Última observação: qual a origem do ódio nutrido por Sérgio Buarque pelos positivistas? De modo geral considera-se que ele não era “ideológico”, como os comunistas, os liberais e/ou os católicos. Seria inveja, ciúme? Em todo caso, o dano por ele causado e eternizado já está feito, com resultados a olhos vistos.


*   *   *

Observação de 8.3.2020: as observações feitas acima, de 12.1.2013, foram extensamente desenvolvidas em alguns artigos e livros publicados nos anos seguintes:

- como parte dos argumentos desenvolvidos no livro Laicidade na I República: os positivistas ortodoxos (Curitiba: Appris, 2016), à venda na página da editora ou na Amazon;

- de maneira completa e sistemática no capítulo "O 'secreto horror à realidade' dos positivistas: discutindo uma hipótese de Sérgio Buarque", presente no livro Comtianas brasileiras: Ciências Sociais, Brasil e cidadania (Curitiba: Appris, 2018), à venda na página da editora ou na Amazon;

- em uma versão resumida das exposições acima, na revista Educere et Educare (Cascavel (Paraná), v. 12, n. especial, 2017), no artigo de título "O 'secreto horror à realidade': exame das críticas de Sérgio Buarque aos positivistas".

A leitura dos textos acima não deixa dúvidas: Sérgio Buarque era movido ao mesmo tempo por enormes má-fé e, antes, má vontade para com o Positivismo. Ele não hesitou em mentir e distorcer, em falsear e sofismar a respeito de Augusto Comte e dos positivistas, em mais de uma ocasião - e isso apesar de afirmar a necessidade da "honestidade histórica".