21 fevereiro 2021

Roteiro da exposição sobre o segundo mês dos calendários positivistas (Homero e Casamento)

O vídeo relativo às anotações abaixo encontra-se disponível aqui


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Roteiro da exposição sobre o segundo mês dos calendários positivistas

 

Parte I – Mês concreto: Homero

 


-        2º mês do calendário positivista concreto

o   Considerando o ano júlio-gregoriano de 2021, o mês de Homero começa em 29 de janeiro e termina em 25 de fevereiro

o   O segundo mês concreto representa a poesia antiga

§  É o segundo mês da Antigüidade

§  Ele é antecedido por Moisés (a teocracia inicial) e seguido pelos outros três meses da Antigüidade (Aristóteles, Arquimedes e César)

-        A poesia foi o primeiro ramo intelectual a separar-se da árvore teocrática; não por acaso, a evolução da poesia na Grécia apresenta o espetáculo de progressiva humanização de seus temas e, mais ainda, de progressiva especialização das suas formas

o   As poesias mais antigas correspondem aos mitos de criação e de explicação, de tal sorte que são, ao mesmo tempo, históricas, cosmológicas e literárias: Hesíodo claramente apresenta esse caráter

o   De qualquer maneira, a poesia antiga apresenta um forte caráter moral, servindo para refletir sobre a condição humana, as possibilidades de ação individuais e os destinos coletivos:

§  Ésquilo era um dramaturgo fortemente moralista (Prometeu acorrentado, Os persas), ao passo que em Homero vemos os destinos individuais (Odisséia, Ilíada) e coletivos (Ilíada) postos em questão

o   Paulatinamente surgiu também espaço para as críticas de costumes, com Aristófanes (em Atenas) e Plauto e Horácio (em Roma)

-        A poesia antiga surgiu de poetas que iam de cidade a cidade cantando os feitos míticos e heroicos da cultura comum; do culto a Dionísio surgiu o teatro; o politeísmo também incentivou as artes plásticas, especialmente com a escultura, a arquitetura e a pintura

o   Os romanos compartilhavam esse fundo comum de cultura, ao mesmo tempo em que herdaram a cultura grega; ainda assim, eles produziram seus próprios grandes poetas e artistas, de que Virgílio é o grande representante

-        Uma última observação: conforme nota Frederic Harrison, a poesia antiga é mais homogênea que a moderna, em termos de valores compartilhados e de estabilidade da ordem social

o   Como “o progresso é o desenvolvimento da ordem”, a poesia antiga pôde desenvolver-se bastante e, em certo sentido, até mais que a poesia moderna; ela atinge altos píncaros com facilidade

-        Homero e Ésquilo integram o “triângulo dos poetas” (Catecismo, p. 455): 

 

-        O mês e as semanas do mês de Homero correspondem ao seguinte:

o   Homero – representa a poesia antiga, em seus variados aspectos, especialmente em termos de idealizar a moralidade individual e coletiva

o   Ésquilo – congrega os grandes dramaturgos e os poetas moralistas

o   Fídias – reúne os artistas plásticos, ou seja, pintores, escultores e arquitetos

o   Aristófanes – reúne os poetas fabulistas e os moralistas satíricos e de costumes

o   Virgílio – reúne os poetas romanos, nos seus variados aspectos (dramaturgia, poesia épica, fábulas, poesia de costumes, poesia lírica) – em particular com a previsão da Humanidade em paz

 

Parte II – Mês abstrato: o casamento

-        O segundo mês do calendário positivista abstrato celebra o casamento

o   É o primeiro mês que celebra os laços fundamentais, em número de cinco: casamento, paternidade, filiação, fraternidade e domesticidade

-        Ao mesmo tempo em que é um dos laços fundamentais, o casamento também é um dos sacramentos positivistas (que são em número de nove)

1)      Apresentação

2)      Iniciação

3)      Admissão

4)      Destinação

5)      Casamento

6)      Madureza (ou maturidade)

7)      Retiro

8)      Transformação

9)      Incorporação

o   O casamento é o sacramento mais importante de todos

o   Como todos os demais sacramentos, ele é de caráter facultativo (em particular, ele não pode ter caráter de imposição legal) – embora, é claro, a sua aceitação indica o grau de comprometimento com a moralidade humana e altruísta

-        O casamento é importante porque (1) funda uma nova família, o que implica todos os encargos morais e materiais daí decorrentes; assim, (2) institui-se a relação inicial e original entre homem e mulher: o Positivismo vem “[...] regenerar o casamento humano, concebendo-o doravante como destinado sobretudo ao aperfeiçoamento mútuo dos dois sexos, abstraindo de toda sensualidade” (Catecismo, p. 338)

o   Assim, o casamento positivista afirma a importância da moral e do altruísmo, substituindo as concepções profundamente egoístas próprias à teologia, para quem o casamento tem por objetivo meramente a reprodução humana

o   A relação entre o casal é tanto objetiva quanto subjetiva e deve manter-se por toda a vida e até além da morte de um dos cônjuges

§  Em virtude disso, isto é, da importância subjetiva do casamento, o casamento positivista tem a particularidade do voto obrigatório da viuvez eterna

§  “Uma vida inteira é insuficiente para que um casal conheça-se suficientemente”

§  Segundas núpcias são uma forma subjetiva de poligamia – em outras palavras, o casamento deve ser rigorosamente monogâmico

§  Os positivistas que não quiserem realizar o casamento positivista (com a viuvez eterna) não podem, entretanto, prescindir do casamento civil, necessário de qualquer maneira

§  Evidentemente, a importância subjetiva do casamento estende-se para além da morte dos dois cônjuges, sobre os filhos e demais descendentes do casal

o   É no casamento que se verifica de maneira direta e imediata a influência moral da mulher sobre o homem

§  Essa influência moral da mulher sobre o homem é da mesma natureza, embora de caráter privado, que a realizada pelo sacerdócio sobre a opinião pública e o governo no âmbito público

§  A influência moral da mulher, além disso, evidentemente, também se verifica também sobre os filhos

§  A influência moral da mulher sobre o homem baseia-se na superioridade moral da mulher sobre o homem – que, em contrapartida, apresenta outros tipos de superioridade em relação à mulher, gerando-se complementaridades

o   A reprodução humana é importante, não há dúvida, mas casais que não tenham filhos nem por isso deixam de ter seus casamentos validados; em tais casos, é claro que a adoção pode suprir a ausência de filhos próprios (com a vantagem de desonerar casais que não tenham condições de criar seus filhos): “[...] a teoria positiva da união conjugal, em que as relações sexuais não são diretamente necessárias” (Catecismo, p. 340)

o   Os sacerdotes positivistas devem obrigatoriamente se casar, a fim de sofrerem a influência moral das mulheres

-        São quatro as modalidades determinadas por nosso mestre no casamento, com as respectivas festas semanais:

1)      Completo – celebra o vínculo em sua inteireza, tanto objetiva quanto (sobretudo) subjetiva: “glorifica a união conjugal em toda a sua plenitude, ao mesmo tempo exclusiva e indissolúvel, mesmo pela morte” (Catecismo, p. 158)

2)      Casto – celebra as uniões em que, por qualquer motivo (moral ou físico), um casal não consiga ter filhos; nesse caso, a castidade até certo ponto impõe-se, o que evidencia o caráter subjetivo do casamento; as adoções podem suprir essa lacuna

3)      Desigual – celebra os casamentos, de caráter excepcional, em que houver desigualdades muito acentuadas entre os cônjuges, especialmente em termos de idades

4)      Subjetivo – celebra o caráter moral, mais puro e mais afetivo do casamento; é a parte que se evidencia e que se fortalece na viuvez eterna

 

Parte III – Comemorações de aniversários e feriados cívicos

-        Em termos de aniversários, comemoramos neste mês as seguintes figuras:

o   Louis Mignien (1823-1871) – morte (8.Homero – 5.fev.)

o   Paulo de Tarso Monte Serrat (1923-2014) – nascimento (10.Homero – 7.fev.)

o   Georges Audiffrent (1823-1909) – morte (17.Homero – 14.fev.)

o   Agliberto Xavier (1869-1952) – nascimento (20.Homero – 17.fev.)

o   Paulo Carneiro (1901-1982) – morte (20.Homero – 17.fev.)

o   Pierre Laffitte (1823-1903) – nascimento (24.Homero – 21.fev.)

o   Teófilo Braga (1843-1924) – nascimento (27.Homero – 24.fev.)

 







 

Referências bibliográficas

Augusto Comte: Sistema de filosofia positiva, Sistema de política positiva, Catecismo positivista, Síntese subjetiva

Frederic Harrison: O novo calendário dos grandes homens

Raimundo Teixeira Mendes: As últimas concepções de Augusto Comte

David Carneiro: História da Humanidade através dos seus grandes tipos, v. 1

Ângelo Torres: Calendário Filosófico

Comité des travaux historiques et scientifiques: Sociétés savantes de France

Roteiro da exposição sobre o primeiro mês dos calendários positivistas (Moisés e Humanidade)

O vídeo da exposição abaixo encontra-se disponível aqui


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Roteiro da exposição sobre o primeiro mês dos calendários positivistas

 

Parte I – Mês concreto: Moisés

 

 

-        1º mês do calendário positivista concreto

o   Considerando o ano júlio-gregoriano de 2021, o mês de Moisés começa em 1º de janeiro e termina em 28 de janeiro

o   O primeiro mês concreto representa a teocracia inicial

§  É o primeiro mês da Antigüidade

§  Representa a Antigüidade mais recuada no tempo, comum a todas as grandes civilizações

§  Os outros quatro meses da Antigüidade (Homero, Aristóteles, Arquimedes, César) indicam já a transição própria ao Ocidente e, na verdade, a desagregação e a reação às teocracias ocorridas especificamente no Ocidente (desagregação da arte, da filosofia e da ciência e, depois, reação guerreira aos sacerdotes)

-        As características da teocracia inicial são as seguintes:

o   é o regime próprio às grandes civilizações sedentárias

o   são próprias ao politeísmo, a partir da sedentarização dos povos nômades e da conseqüente abstração dos fetiches em direção à concepção das divindades, passando pela astrolatria

§  há três importantes exceções nas teocracias em relação ao politeísmo: duas que vão para a frente (a teocracia monoteísta judaica, iniciada por Moisés, e, a partir dela, a teocracia islâmica) e outra que fica atrás (a civilização chinesa, que se baseia no fetichismo do culto ao Sol, à Lua, ao meio ambiente e aos antepassados)

o   as teocracias são regimes que regulam o conjunto da existência humana, isto é, regulam ao mesmo tempo os sentimentos (via culto), a atividade prática (via regime) e a inteligência (via dogma)

§  os conhecimentos humanos são relativamente poucos aí, mas a necessidade de regular a existência humana já se impunha com grande clareza; para garantir essa regulação, os sacerdotes dominavam a sociedade e, em particular, os guerreiros

§  o trabalho era realizado por famílias especializadas, que transmitiam as funções e os conhecimentos para seus descendentes; a partir disso, constituíam-se as castas

§  ocorria um efetivo desenvolvimento técnico e do conhecimento, mas de maneira muito lenta; esses conhecimentos eram regulados pelos sacerdotes e, de qualquer maneira, eram objeto do mais cuidadoso segredo (reservado apenas aos iniciados)

§  assim, as teocracias eram conservadoras; a fim de evitar a ação progressista (e dissolvente) dos guerreiros, os sacerdotes ordenavam expedições militares distantes, com a fundação eventual de colônias autônomas (igualmente distantes)

§  ainda assim, as teocracias ruíam por fim, quando os guerreiros (autóctones ou estrangeiros) suplantavam os sacerdotes – mesmo que isso ocorresse ao cabo de milênios

§  Vale notar que as teocracias, ao regularem a vida humana, estabeleceram os calendários, estabelecendo o dia (rotação da Terra) como unidade de contagem e os anos (translação da Terra), com as semanas e os meses como unidades intermediárias

§  Tudo isso foi aceito como objetivo, embora seja largamente subjetivo; essa metafísica objetivista mantém-se até hoje, a despeito das observações de Augusto Comte

o   Augusto Comte considera as várias teocracias existentes ao longo da história, como a do bramanismo, dos povos pré-colombianos, a persa, a cananeica etc.; no caso da marcha ocidental, ele observa que o Egito é a grande teocracia originária

§  as teocracias eram mantidas pelos sacerdócios, isto é, pelos colégios sacerdotais; isso dificulta a identificação de nomes particulares

§  ao mesmo tempo, a teocracia judaica, ainda que tenha tido uma importância secundária no conjunto da evolução ocidental, permite a identificação de vários nomes e, em particular, do seu fundador: Moisés

§  os dois motivos acima levaram Augusto Comte a selecionar um nome de um monoteísmo para caracterizar uma instituição que era essencialmente politeísta

-        O mês e as semanas do mês de Moisés correspondem ao seguinte:

o   Moisés – é o primeiro nome que consegue representar uma teocracia (embora ele mesmo tenha instituído uma teocracia monoteísta, contrária ao caráter geral das teocracias iniciais, próprias ao politeísmo)

o   Numa – reúne tipos mitológicos e lendários que caracterizam as teocracias abortadas próprias à marcha ocidental, isto é, a regimes em que os guerreiros impediram o ascendente sacerdotal

o   Buda – são os fundadores de religiões ou de teocracias orientais (com exceção da China e do Japão)

o   Confúcio – são os sacerdotes das teocracias que se mantêm ou que se mantiveram até há (relativamente) pouco tempo (China, Japão, incas, Havaí) e que mantiveram características fortemente fetichistas

o   Maomé – as teocracias monoteístas, em particular a judaica e a islâmica

 

Parte II – Mês abstrato: a Humanidade

 

-        O primeiro mês do calendário positivista abstrato celebra a Humanidade, nosso Grão-Ser

o   Devido à sua importância, evidentemente é o primeiro mês do ano

-        A Humanidade, para ser adorada, tem que ser conhecida; mas a sua existência em si mesma não está em questão (como no caso da divindade teológica); assim, em termos de organização da Religião da Humanidade, a definição e as características do Grão-Ser positivo são apresentadas para que, logo em seguida, tenhamos a exposição do culto, do dogma e do regime

o   Essa é a seqüência seguida por Augusto Comte no Catecismo positivista, embora nosso mestre tenha inicialmente seguido a ordem própria à teologia, ou seja, pondo o dogma antes de tudo (devido a um respeito então inconseqüente pelos antecedentes teológicos e também à preferência preliminar pela inteligência)

o   É importante lembrar que a Humanidade tem que ser adorada, mas também que recebemos dela nossas idéias, nossas possibilidades de ação,  nosso capital e, claro, nossos sentimentos

§  Em outras palavras, a Humanidade é objeto e instrumento de veneração, conhecimento e ação

§  Nós adoramos a Humanidade para melhor servi-la, aperfeiçoando-nos (p. 84 do Catecismo)

§  Augusto Comte observa que o serviço à Humanidade e a busca do aperfeiçoamento (pessoal e coletivo) são partes constituintes e importantes das relações que os seres humanos mantêm com o Grão-Ser; vale notar isso para evitar o misticismo causado pelo exclusivo culto dos sentimentos

§  A Humanidade é idealizada pelo culto, que liga o dogma ao regime

-        A definição da Humanidade é importantíssima, portanto; no Catecismo positivista, Augusto Comte apresenta os traços dela em várias conferências, embora o grosso dos seus comentários concentre-se na primeira:

o   Antes de mais nada, nosso Grão-Ser é real e é eterno (bem entendido: eterno enquanto durar o ser humano)

o   A Humanidade é um ser composto, não é unitário: isso quer dizer que a Humanidade é formada pelo conjunto de seres humanos, em termos subjetivos e objetivos

§  Em contraposição, as divindades são sempre unitárias

§  A Humanidade é o conjunto dos seres convergentes passados, futuros e presentes à os seres passados e futuros são duas massas crescentes e subjetivas; os seres presentes são objetivos

§  A Humanidade recusa os parasitas (aqueles que, após a infância, somente consumem, sem nunca retribuir nada) e os puramente negativos, mas inclui os animais (por exemplo, os cachorros)

§  As massas subjetivas correspondem à continuidade humana (que é afirmada e regulada pelo sacerdócio), ao passo que a massa objetiva corresponde à solidariedade à é importante notar que a Humanidade é cada vez mais e sempre o conjunto subjetivo e, portanto, ela é muito mais a continuidade que a solidariedade à “os vivos são sempre e cada vez mais, necessariamente, governados pelos mortos”

§  A convergência na subjetividade, claramente, é muito mais fácil e muito superior que a da objetividade à cada um dos indivíduos vivos convergentes é um agente da Humanidade; sem eles não há Humanidade, seja porque são os vivos que mantêm e aumentam as riquezas, seja porque são os vivos que mantêm na memória os mortos e consideram os seres futuros

§  O Positivismo afirma a importância, a validade, a positividade dos mortos, que nos fornecem nossos valores, nossas idéias, nossas famílias, nossas riquezas à assim, o Positivismo rejeita como antissociológica e imoral a afirmação marxista de que as gerações passadas oprimem os vivos

o   Os seres humanos vivos não têm nunca a certeza de que serão incorporados subjetivamente à Humanidade

§  Raríssimos são os seres humanos absolutamente indispensáveis e que em vida podem ser julgados como se incorporando à Humanidade

§  A incorporação subjetiva à Humanidade é uma esperança individual, que nos conduz ao mesmo tempo à convergência e à humildade

§  Tudo devemos à Humanidade e todas as nossas ações referem-se a ela (quer queiramos, quer não queiramos; quer saibamos, quer não saibamos)

o   A Humanidade é semelhante ao homem, isto é, nosso Grão-Ser tem a mesma natureza que o ser humano

§  Ao contrário da teologia, na qual as divindades consideram os homens ínfimos e desnecessários, a Humanidade não considera os seres humanos nem desprezíveis nem inúteis: na medida em que somos (e podemos ser) convergentes, cada um de nós é necessário para o verdadeiro Grão-Ser (p. 77 do Catecismo)

o   O culto, o dogma e o regime permitem que conceito de Humanidade resuma as ordens humana e exterior à ele afirma o amor (ordem humana) e consolida a fé (ordem exterior)

§  É fundamental lembrar que o amor, que é a base do Positivismo, é o único sentimento que permite de fato unir os indivíduos

-        A Humanidade será sempre simbolizada por u’a mulher

o   Essa mulher deve ter cerca de 30 anos, segurando em seu colo uma criança recém-nascida ou um bebê (o futuro)

o   No culto privado reverenciamos as personificações mais próximas da Humanidade, que são as mulheres próximas a nós: mães, esposas, filhas, irmãs

-        Por fim: a Humanidade substitui a divindade teológica, reconhecendo seus serviços (necessariamente passados)

-        São quatro os laços inferiores à Humanidade celebrados nas semanas do mês:

o   Do primeiro ao último, há uma diminuição da extensão territorial e um aumento da intimidade:

1)      religioso – o único universal

2)      histórico – relativo aos vínculos que já não existem mais

3)      político (ou cívico) – é aquele em que cada um de nós vive e trabalha

4)      comunal – são os vínculos mais próximos e acima da família

 

Parte III – Comemorações de aniversários e feriados cívicos

-        Em termos de aniversários, comemoramos neste mês as seguintes figuras:

o   Festa da Humanidade – 1º de Moisés (1º de janeiro)

o   Augusto Comte (1798-1857) – nascimento (19.Moisés – 19 de janeiro)

o   Pierre Laffitte (1823-1903) – morte (4.Moisés – 4.jan.)

o   Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927) – nascimento (5.Moisés – 5.jan.)

o   Frederic Harrison (1831-1923) – morte (14.Moisés – 14.jan.)

o   Cândido Rondon (1865-1958) – morte (19.Moisés – 19.jan.)

o   Benjamin Constant (1836-1891) – morte (22.Moisés – 22.jan.)

o   Rosália Boyer (1764-1837) – nascimento (28.Moisés – 28.jan.)

o   Teófilo Braga (1843-1924) – morte (28.Moisés – 28.jan.)


 









(Fonte: https://live.staticflickr.com/102/311286524_388afe675b_n.jpg)


Referências bibliográficas

Augusto Comte: Sistema de filosofia positiva, Sistema de política positiva, Catecismo positivista, Síntese subjetiva

Frederic Harrison: O novo calendário dos grandes homens

Raimundo Teixeira Mendes: As últimas concepções de Augusto Comte

Raimundo Teixeira Mendes: Calendário positivista – precedido de indicações sumárias sobre a teoria positiva do calendário (1899)

David Carneiro: História da Humanidade através dos seus grandes tipos, v. 1

Ângelo Torres: Calendário Filosófico

Comité des travaux historiques et scientifiques: Sociétés savantes de France

15 fevereiro 2021

Raimundo Teixeira Mendes: citações diversas

Apresentamos abaixo diversas citações de Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927, vice-Diretor da Igreja Positivista do Brasil e autor da bandeira nacional republicana), extraídas de um belo opúsculo publicado em 1899, mas reunindo publicações feitas originalmente em um jornal diário em 1881. Esse opúsculo intitula-se “Calendário positivista – precedido de indicações sumárias sobre a teoria positiva do calendário”.

 As citações escolhidas apresentam de maneira clara como é que o Positivismo, ou melhor, a Religião da Humanidade reúne em uma síntese poderosa a moralidade e a ciência, a preocupação social e as motivações individuais, o estímulo do altruísmo e a satisfação do egoísmo.

Para facilitar a leitura, inserimos pequenos títulos descritivos antes de cada citação. A grafia foi atualizada.




Mundo e homem, objetivo e subjetivo, cientificidade e moralidade

Seja qual for o problema que solicite a nossa atenção, podemos dispor em duas categorias o conjunto dos dados imprescindíveis à sua completa solução: de um lado, a série de considerações fornecidas pelo mundo; de outro lado, a soma de exigências resultantes dos interesses humanos. É isto que se exprime em linguagem filosófica, dizendo que todo problema tem condições objetivas, – referentes ao mundo, – e condições subjetivas – referentes ao homem. Por exemplo, quando se projeta uma estrada de ferro, não basta examinar as condições do terreno, os lucros pecuniários etc.; cumpre saber sobretudo se a sua realização não importa a ruína da população a cujo cargo estava antes o transporte das mercadorias. E, ao formular a solução, é imprescindível indicar os meios de prevenir semelhante cataclismo, sob pena de ser uma solução incompleta, cientificamente, e iníqua sob o ponto de vista social e moral.

p. 5-6

 

Subjetividade e moralidade da existência humana

É para o homem que o homem trabalha; e para o homem devem convergir todos os esforços humanos; fora deste círculo, tudo é imoralidade e anarquia, seja qual for o pretexto e o título com que o decorem.

Ora, o predomínio do ponto da vista humano significa a satisfação dos interesses coletivos, o bem estar de todos, e não as conveniências de um individuo, de uma cidade ou de uma nação. Toda a concepção da ordem social que não se mostrar compatível com a felicidade de todos os homens, seja qual for a sua condição e o seu grau de civilização, é um sistema imperfeito, incapaz de satisfazer ás inteligências e aos corações bem formados.

p. 6-7

 

Unidade e síntese humanas possíveis apenas com o amor e o altruísmo

Ora, é claro que os órgãos do egoísmo não podem ser escolhidos como devendo dominar para se alcançar que todos os homens tenham o mesmo sentimento; se cada um cuida de si, é forçoso que haja desunião e contenda. Só resta escolher para sentimento dominante o altruísmo, isto é, os órgãos menos intensos, para conseguir que os atos convirjam. Somos assim conduzidos a esta conclusão fatal: a vida social é impossível sem o predomínio do amor, isto é, da dedicação. E será isso possível? Seguramente que sim: – tal foi o resultado de toda a grandiosa elaboração de Augusto Comte. Com efeito, a satisfação dos instintos altruístas não exige o aniquilamento dos instintos egoístas; pelo contrario, a eficácia social dos sentimentos humanos se altera igualmente quando eles se tornam demasiado subtis ou demasiado grosseiros, na frase do nobre Pensador. A expansão altruísta é impossível sem uma certa dose de egoísmo: para amar é preciso viver. Somente, de acordo com uma profunda observação do fervoroso S. Paulo, o destino superior dos órgãos inferiores os enobrece e exalta. O ascetismo é condenado pela Religião da Humanidade, por tornar-nos incapazes de servir a outrem, isto é, de amar; porque melhor ama quem, melhor serve.

Tomemos um exemplo que esclareça o que porventura houver de obscuro nas considerações precedentes. Examinemos um operário em hora de trabalho. A vida social exige dele uma série de operações que constituem o sou ofício, e de cujo produto não tem o menor quinhão: trabalha realmente para outrem. No entanto, ó fácil de ver nele em jogo todos os instintos. O instinto conservador tem a justa satisfação, visto como a vida lhe é assegurada pelo salário, e demais ele tem de velar incessantemente para não ser vítima dos perigos que salteiam a pratica industrial. Os instintos construtor e destruidor funcionam simultaneamente, porque é da natureza da industria separar e reunir materiais. O orgulho encontra uma válvula no domínio da matéria bruta, pelo menos. A vaidade compraz-se na apreciação de seus companheiros. Isto pelo que respeita aos órgãos egoístas; vejamos os altruístas. A veneração se desenvolve na consideração de seus chefes e na lembrança dos grandes inventores. A bondade expande-se no trato dos aprendizes, na recordação dos filhos por quem trabalha, e na contemplação da posteridade, que virá a gozar dos seus labores e sacrifícios. O apego finalmente se exercita no culto de seus companheiros e até de seus instrumentos de oficina. Tome-se qualquer função social, e encontrar-se-ão todos os órgãos cerebrais em jogo.

Este exemplo basta para mostrar como é possível conciliar a satisfação de todos os instintos egoístas, com o imprescindível domínio dos órgãos altruístas; e portanto evidencia a possível solução do grande problema humano. Para assegurá-la basta fazer intervir uma lei biológica, conhecida de todo o mundo, e vem a ser que o exercício desenvolve a função e o órgão, e a falta de exercício os atropina. Não ha quem ignore que o meio de fazer qualquer cousa bem, é exercitar-se em fazê-la sempre que possível for.

p. 8-10

 

Sem o altruísmo e a moralidade não há solução dos problemas enfrentados pelo ser humano

Todo problema, portanto, em que se desprezar o aspecto moral; toda solução que não puder ser considerada como um meio de subordinar o egoísmo ao altruísmo, é um problema não resolvido, é uma solução inútil e até prejudicial. Porque não há meio termo: ou o egoísmo fica subordinado ou subordina.

p. 11

 

Noção positiva de progresso I

Hoje liga-se à palavra progresso a ideia de qualquer mudança no que existe; e por outro lado é geral a crença de que tudo quanto atualmente encontramos na sociedade, pode-se vir a mudar com o correr dos anos. Esta concepção da instabilidade das instituições humanas e de sua variabilidade indefinida constitui a mais seria ameaça à ordem publica, e está em flagrante contradicção com as indicações do método positivo nas ciências inferiores.

p. 12

 

Noção positiva de progresso II

Para ele [Augusto Comte] tudo quanto se tinha passado até então, se dera em virtude de leis naturais; e para descobri-las só havia um caminho a seguir: – ver como se tinham passados os fatos registrados pela história. Feito isto, o conhecimento das leis sociais e morais poderiam dirigir a intervenção humana no governo do homem, assim como as leis matemáticas, físicas e químicas a dirigem na construção de qualquer máquina.

Com estas disposições metódicas, que aprendera no cultivo das ciências conhecidas até si, desde a matemática até a biologia, Augusto Comte empreendeu o descobrimento das leis que regem a sociedade e o homem. Foi então que reconheceu que de fato as sociedades variavam com o tempo, o que já outros haviam também reparado antes dele; mas o que ninguém tinha feito e ele fez foi dizer como é que se opera semelhante variação. Foi assim que ele construiu a sociologia, demonstrando que o progresso consiste sempre:

1.° Sob o aspecto intelectual, em fazer a razão humana passar por três fases: teológica, metafísica e positiva.

2.° Sob o aspecto pratico, em fazer a atividade passar pelas três fases de ataque, defesa, e industria ou paz.

3.° Sob o aspecto moral, em fazer o sentimento passar elas três fases; Família, Pátria e Humanidade.

Em virtude da primeira lei, o homem tende cada vez a tornar-se mais sintético; em virtude da segunda a tornar-se mais sinérgico; em virtude da terceira a tornar-se mais simpático. E tudo isso se resume neste aforismo único: O homem torna-se cada vez mais religioso.

Assim, o positivista crê que a sociedade muda, mas não crê que mude ad libitum do primeiro que chega; o progresso para ele tem uma significação precisa.

p. 13-14

 

Noção positiva de ciência

Vejamos agora a importância que se deve atribuir à ciência, isto é, qual deve ser a posição da inteligência no conjunto da vida humana.

Em primeiro lugar observemos que o ascendente científico não exige que cada homem seja um sábio; se assim fosse, o positivismo não passava de quimera. Existe uma fé científica, como existem uma fé teológica e uma fé metafísica: crê-se por confiança e sem demonstração. Para evidenciá-lo basta reparar que a maioria do Ocidente acredita no movimento da Terra; e no entanto bem pequeno é o numero dos que estão nos casos de formular hoje semelhante teoria. Crê-se porque pessoas que se julgam competentes assim o afirmam.

Isto posto, é fácil de mostrar o caráter anárquico e corruptor da inteligência isolada. Basta reparar que a construção de qualquer máquina de guerra exige em nossos dias talvez maiores esforços intelectuais do que os instrumentos industriais. No ponto de vista objetivo o monitor Solimões é mais apto para revelar a força prodigiosa da ciência moderna do que as faluas que cruzam a nossa baía. Mas decida cada um por si em qual dos casos a inteligência teve melhor destino: se construindo um monstro de destruição numa época que deve aspirar à paz; se construindo um aparelho insignificante consagrado a estreitar as relações sociais.

A ciência isolada é até prejudicial; como todos os aspectos de nossa existência, ela tem de subordinar-se ao amor universal que nos impele a servir à Família, à Pátria, e à Humanidade.

p. 15-16

14 fevereiro 2021

"Contra alguns mitos da 'reforma administrativa'"

O artigo abaixo foi publicado em 8.2.2020 no jornal Monitor Mercantil; o original pode ser lido aqui.

Da mesma forma, ele foi publicado em 14.2.2021 no jornal Gazeta do Povo; o original pode ser lido aqui

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Contra alguns mitos da “reforma administrativa”

A tragédia global e nacional que caracterizou o ano de 2020 deveria reverter-se em lições para a sociedade brasileira; entretanto, o início de 2021 já sinaliza que nós teimamos em não aprender com nossos erros e nossas tragédias. A nova retomada da proposta de “reforma administrativa” é exemplar nesse sentido. Essa “reforma” prevê a alteração radical de diversos dispositivos que regram a estrutura do Estado brasileiro, em particular na contratação e na manutenção de servidores. O principal advogado dessa “reforma” é o Ministro da Economia, Paulo Guedes, defensor de um novo AI-5 e que não esconde desgostar dos servidores públicos – “parasitas” cuja sindicalização deve ser proibida e os sindicalizados, demitidos.

A reforma administrativa pressupõe que o Estado brasileiro é “grande demais”; mas, na verdade, em termos de quantidade de servidores ou de gastos com pessoal, o Brasil está longe de ser “grande”. O tamanho do Estado tem que ser medido pela quantidade e pela qualidade de serviços públicos prestados: mas a estrutura disponível para os serviços públicos é insuficiente para as necessidades nacionais. Os serviços mais evidentes já o ilustram: professores, médicos, enfermeiros, peritos previdenciários etc., sua quantidade está longe de ser suficiente. Os problemas suscitados pela pandemia de covid-19 estão escancarando essa insuficiência.

Os exemplos acima deveriam lembrar-nos de que as necessidades sociais brasileiras não são pequenas, não são de curto prazo nem são estritamente econômicas; inversamente, deveriam lembrar que o Estado brasileiro não pode ser meramente o “regulador neutro do ambiente de negócios”. Como representante prático e realizador concreto do “interesse nacional”, o Estado tem a obrigação de realizar mudanças necessárias na sociedade em conformidade com a opinião pública, além de orientar em grandes linhas a atividade econômica. Entretanto, desde a crise da dívida na década de 1980, progressivamente o Estado brasileiro abdicou dessas funções: a abertura econômica indiscriminada (a financeira em particular) é expressão disso. Assim, os servidores públicos têm um papel central na realização de algo que está meio fora de moda, mas que deveria voltar aos debates públicos: um “projeto de país”.

Passamos, então, à estabilidade dos servidores: simplesmente não se deveria pô-la em questão. A perseguição político-ideológica, realizada com freqüência de maneira raivosa, levada a cabo pelo governo Bolsonaro é a própria justificativa para a existência da estabilidade. Não se trata de um “privilégio” do funcionalismo público, que se erige em casta, contra a instabilidade do setor privado, mas a garantia de que os servidores públicos exercerão um serviço profissional e, ainda mais, que eles não estarão sujeitos aos humores dos governantes do momento.

Também se afirma que os servidores públicos “ganham muito”, com o juízo implícito de que tais “grandes salários” seriam ultrajantes. O ultraje não está no “ganhar muito”, mas na comparação com o setor privado, cujos trabalhadores supostamente ganhariam bem menos. O problema é que essa comparação é superficial, tomando-se uma simples média aritmética dos gastos do setor público com alguma média do setor privado; comparam-se duas coisas que seriam homogêneas, quando, na verdade, elas são heterogêneas. Nos dois setores, quem está no início de carreira recebe bem menos que quem está no final; da mesma forma, quem exerce cargo de chefia recebe mais que quem está nas posições mais humildes. O setor público divide-se em três ou quatro poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público) e três níveis federativos (nacional, estadual e municipal): todos os estudos sérios indicam que a quantidade de servidores aumenta quando passamos do nível federal para o nível estadual e daí para o municipal, mas que os salários pagos diminuem nessa mesma direção. Além disso, o Judiciário e o Ministério Público têm salários muito maiores que o Legislativo e estes são maiores que os do Executivo. O poder Executivo, por sua vez, especialmente no âmbito federal, também é bastante heterogêneo: as Forças Armadas, o Itamaraty, a Receita Federal e mais algumas carreiras são regiamente pagas. Também vale lembrar que algumas áreas são sempre grandes – aquelas que lidam diretamente com a população: educação, saúde, previdência e assistência social, segurança pública –; além disso, há setores que são intrinsecamente caros e custosos, como as áreas de infraestrutura e as de pesquisa: tudo isso entra na conta do Executivo. Quando se fala em supersalários no setor público – e a “reforma administrativa” é defendida em parte para combaterem-se os “supersalários” –, eles ocorrem no Judiciário, no Ministério Público e na cúpula do Executivo; ainda assim, a reforma terá efeito apenas no Executivo civil federal, silenciando a respeito das Forças Armadas e dos outros três poderes.

O setor público tem uma dinâmica específica: a estabilidade no emprego permite que as carreiras desenvolvam-se de maneira efetiva, com ascensão profissional, a partir de cursos feitos pelos servidores. É claro que os servidores buscam subir na carreira porque isso se converte em salários maiores; mas, do ponto de vista da utilidade pública, isso significa que os servidores especializam-se e ampliam suas habilidades. Só de uma perspectiva meramente contábil e fiscalista essa maior qualificação é vista como correspondendo a “mais gastos”!

O setor privado tem outra dinâmica. Para começo de conversa, ele não investe de verdade na qualificação, mas espera que haja trabalhadores qualificados no “mercado” que possam ser contratados; quando há “qualificação”, elas são tópicas e de curto prazo. As qualificações de longo prazo, como são demoradas e caras, não são realizadas pelo setor privado. Aliás, a busca da “redução de custos” tem um efeito paradoxal, pois há trabalhadores superqualificados que, por isso mesmo, não encontram emprego, pois custariam muito! A idéia de lealdade das empresas para com os trabalhadores é algo que inexiste; como há apenas o “mercado” e a competição entre as empresas, os trabalhadores mais velhos e mais qualificados – mais caros – são mandados embora em benefício de trabalhadores mais novos, menos experientes e mais baratos (e não sindicalizados.) Assim, o setor privado ou privatiza a qualificação profissional mais exigente ou beneficia-se dos investimentos feitos pelo setor público: não é por acaso que os grandes programas de mestrado e doutorado no país são todos públicos (ou pesadamente financiados pelo setor público).

A ausência de projeto nacional a partir dos anos 1980 resultou em que estamos fortemente vinculados aos fluxos internacionais de capital especulativo e que o país progressivamente se desindustrializa. Daí termos cada vez menos investimento na economia real, que gera renda e empregos, e termos cada vez menos empregos, isto é, trabalhos com carteira assinada, salários dignos e benefícios efetivos. Inversamente, um vago setor de “serviços” ampliou-se dramaticamente nas últimas décadas, não porque tenhamos uma população altamente qualificada prestando serviços de complexidade média a alta, mas porque temos uma população que é pobre, ganha pouco, não consegue empregos e meramente realiza serviços ou “trabalhos”, ou melhor, faz “bicos”. O grande símbolo disso é o entregador de comida vendida por meio de aplicativos de celulares que vai de bicicleta entregar o produto: recebe uma miséria, não tem estabilidade, não tem benefício social nenhum e tem que usar os próprios recursos para o trabalho; é a “uberização” do trabalho erigida em ideal. Não falta engenhosidade, operosidade ou industriosidade à população: o que falta são políticas públicas que gerem emprego de verdade, um projeto de país que se afaste do capital especulativo e uma elite que valorize o país (e não seja nem autoritária nem seja cega para os “invisíveis”.)

A reforma administrativa não resolverá nenhum desses problemas; na verdade, por opção das elites brasileiras, aumentará os existentes e criará outros, ao desestruturar um serviço público importante e qualificado mas insuficiente para as necessidades nacionais. No fundo, essa é uma contra-reforma, ou anti-reforma: carecemos de uma verdadeira reforma, a partir de um projeto nacional efetivo.

 

Gustavo Biscaia de Lacerda é sociólogo da UFPR e Doutor em Sociologia Política.