07 abril 2014

Premiação contra a laicidade

Mais um pequeno artigo de minha autoria, publicado na Gazeta do Povo neste dia 7.4.2014. 

(Apenas peço que desconsiderem os vários erros de pontuação e de acentuação, devidos à colaboração do revisor da própria Gazeta do Povo.)


ARTIGO

Premiação contra a laicidade

Publicado em 07/04/2014 | GUSTAVO BISCAIA DE LACERDA
Mais uma vez temos de escrever sobre a laicidade – agora devido a um projeto que tramita na Câmara de Vereadores de Curitiba para instituir um prêmio oficial para evangélicos, conforme proposto pela vereadora Carla Pimentel (PSC).

Basicamente, e de modo geral, utilizam-se no Brasil dois argumentos para justificar o desrespeito à laicidade do Estado, nos níveis federal, estadual, municipal e local: o fato de a maioria da população ser (nominalmente) cristã; e a ideia de que um Estado laico não é um “Estado ateu”.

Comecemos pelo segundo. De fato, Estado laico não é Estado ateu. Um Estado laico não apoia, não beneficia e nem reprime nenhuma religião, ou seja, não existe religião de Estado, pois o Estado escolhe não beneficiar e influenciar-se por nenhuma religião: assim, não se mistura a figura do crente com a do cidadão. O Estado ateu faz uma escolha religiosa muito clara, em favor do ateísmo. Em termos de laicidade, essa perspectiva é idêntica à propalada pelo deputado-pastor Marco Feliciano, também do PSC, para quem no Brasil o Estado é “laico-cristão”: isso é um completo oxímoro, pois o Estado ou é cristão (com alguma seita erigida em culto oficial), ou é laico (sem religião oficial e com liberdade total garantida aos cidadãos para crer no que quiserem). Para que um indivíduo seja cidadão, basta ter a cidadania jurídica; para ser um bom cidadão, basta cumprir seus deveres e exercer seus direitos conforme estabelecidos por lei. Não há obrigação de frequentar templos, rezar orações, falar em nome de deuses, vestir adereços e/ou pagar dízimos.

Há de se notar que, se um Estado tem religião oficial, surgem duas ou três consequências: as crenças íntimas dos cidadãos tornam-se matéria de regulação estatal e, portanto, os cidadãos são obrigados a crer no que o Estado determinar; surgem as figuras dos crimes de heresia e de blasfêmia, ou seja, de exprimir ideias discordantes das doutrinas oficiais; e cria-se um sistema oficial de hipocrisia e cinismo, em que os cidadãos têm de fingir que acreditam no que descreem.

Nesse sentido, não tem a menor importância que a maioria da população brasileira seja, supostamente, cristã. As crenças íntimas dos cidadãos não podem ser impostas pelo Estado e, inversamente, a laicidade garante a liberdade de cada um crer no que desejar: caso um Cristianismo – mas, aliás, qual? – fosse novamente tornado religião oficial, a liberdade deixaria de existir. Convém notar, além disso, que é exatamente devido à liberdade garantida pelo Estado laico que os evangélicos podem expressar publicamente suas crenças, construir seus templos e organizar-se politicamente. Assim, Carla Pimentel só pôde tornar-se vereadora porque no Brasil vige (ou deveria viger) a mesma laicidade que ela mina.

Sempre que o Estado adota símbolos, valores, frases de uma religião qualquer, ou, por outro lado, sempre que ele premia determinados grupos religiosos somente porque são religiosos, ele faz uma opção em favor dessa religião e discrimina todas as demais. É por esse motivo que crucifixos em espaços públicos, feriados religiosos, prêmios de caráter religioso, capelanias em hospitais públicos e nas Forças Armadas, além do ensino religioso público e obrigatório, são todos atentatórios da laicidade. Em outras palavras, são violadores da intimidade dos indivíduos e das liberdades dos cidadãos.

28 março 2014

Proselitismo cristão no CRM-PR

Meu irmão, Leonardo Biscaia, escreveu o texto abaixo a respeito do escandaloso proselitismo cristão (católico, de modo mais preciso) praticado no âmbito do Conselho Regional de Medicina do Paraná e, mais especificamente, na revista dita "científica" da autarquia, o Iátrico.

Não há outra palavra para descrever a propaganda religiosa praticada: ela é escandalosa. Ou melhor, há outras palavras, sim: despudorada, desrespeitosa da laicidade, atentatória das liberdades, inconstitucional.

Para quem quiser confirmar essas práticas, basta ver a matéria de capa da atual edição do Iátrico, disponível aqui.

*   *   *

Há vários anos o CRM-PR manifesta uma evidente predileção pela crença cristã, especialmente a da igreja católica romana. Publicações oficiais do Conselho, notadamente o periódico Iátrico, têm sido usadas para veicular matérias que, direta ou indiretamente, louvam valores e símbolos cristãos e católicos, como “fé”, Jesus Cristo, “leis divinas” etc. O proselitismo católico praticado pelo CRM-PR é tão escandaloso que as gravuras escolhidas para ilustrar as páginas do Iátrico mostram, em um número assustador, figuras católicas, como o próprio Jesus Cristo, Maria, santos e papas. Não é incomum ver-se na sede do CRM-PR símbolos e flâmulas que aludem ostensivamente ao catolicismo, como os crucifixos existentes na repartição e uma figura de Lucas (um santo católico) que é exposta no auditório do Conselho. Além disso, foi prática do presidente do CRM-PR de algumas gestões atrás enviar mensagens alusivas a datas católicas para os médicos da jurisdição do CRM-PR por meio da mala direta do CRM-PR, em nome do CRM-PR.
O Estado brasileiro e, por extensão, o CRM-PR, é laico; não é “laico-cristão” nem “laico positivo”. Isso significa simplesmente que o Estado brasileiro (e o CRM-PR) não deve (e nem pode) seguir nenhuma doutrina oficial, no sentido de que seus cidadãos não precisam perfilhar nenhuma doutrina a fim de terem o status político-jurídico de cidadãos; por outro lado, nenhuma igreja ou doutrina é beneficiada pelo Estado. Semelhantemente, o estatuto de médico não depende da profissão de qualquer fé, bastando estar inscrito regularmente no CRM-PR.
A laicidade do estado brasileiro e, por extensão, do CRM, não foi determinada como nos Estados Unidos da América, onde, pela impossibilidade de escolher uma dentre as inúmeras seitas cristãs, optou-se por não se privilegiar nenhuma. No Brasil, a separação entre igreja e Estado é um princípio que independente de quaisquer religiões concretas. O CRM é uma autarquia do Estado, o seu poder de regular a conduta dos médicos foi concedida pelo Estado. As suas manifestações em favor do catolicismo são modos de impingir aos médicos, como forma de discurso oficial do CRM, o catolicismo. Isso é muito claro.
Se o CRM-PR está interessado e receptivo ao acolhimento de outras opiniões, que publique, como já sugeri em outras ocasiões aos editores das publicações do CRM-PR, textos de teor ateu, agnóstico ou positivista (ou budistas, ou hinduístas). Ou ainda melhor: não publique nenhum deles sobre nenhuma religião. Não entendo o que a discussão sobre fé e dúvida tem a ver com a medicina ou com a eticidade da prática médica. Além disso, o ordenamento legal brasileiro proíbe textualmente as festividades religiosas de caráter estatal, das quais os feriados religiosos municipais são exemplos flagrantes. Alegar que a população brasileira é religiosa como justificativa para o proselitismo católico é usar de um cinismo impressionante. Esse argumento procura justificar práticas discriminatórios a partir de alusões a vagas e propositadamente confusas “tradições”; essas mesmas “tradições” são usadas como formas de tornar aceitáveis práticas como a coivara ou a circuncisão feminina. No fundo, são práticas tão populares e tradicionais como o homicídio e o estupro.
Os médicos paranaenses não pagam a anuidade do CRM-PR para verem elogios mensais ao cristianismo. A função do CRM-PR, a menos que esteja enganado, é fiscalizar a eticidade da conduta dos médicos sob sua jurisdição. Qualquer manifestação de opinião que não trate dessa matéria deve ser excluída dos meios de comunicação disponíveis ao Conselho. Se os editores da revista Iátrico desejam abordar a fé, a devoção ou o sagrado, que o façam em publicações que não tenham qualquer relação com o CRM-PR; publiquem, por exemplo, na Gazeta do Povo. O discurso que procura justificar esse comportamento é cínico e intolerante, pois força argumentos para justificar a sua propaganda católica, ridicularizando a verdadeira liberdade de expressão.

Leonardo Biscaia
Médico

Doutorando em Sociologia-UFPR.

18 março 2014

Bill Maher comenta o filme "Noé" e a moralidade teológico-monoteísta

vídeo abaixo apresenta o apresentador estadunidense Bill Maher comentando o filme "Noé", que está prestes a ser exibido no Brasil.


Em alguns momentos o apresentador é bastante agressivo em termos do uso de palavrões, o que pode parecer engraçado na hora em que fala, mas que degrada o discurso para quem assiste a ele depois (ou seja, para todos os demais expectadores).

Ainda assim, o fato é que B. Maher comenta o aspecto central não só do filme "Noé", como da lenda de Noé e também da Bíblia de modo geral: sua mais completa imoralidade. Um ser todo-poderoso fica com raiva de si próprio e mata todos os seres humanos - feitos "à imagem e semelhança" do próprio ser que os criou, com o fim de adorar tal ser onipotente - exceto aqueles que o adoram: isso é genocídio por motivos religiosos em sua forma mais clara. Ou genocídio por motivos imbecis ("torpes", diriam os advogados criminalistas).

É esse conjunto de mitos e fábulas fantásticas, mas profundamente imorais, que é tomado como exemplo de conduta por cristãos e, até certo ponto, por judeus ortodoxos. Não é à toa que ocorreram tantas guerras por motivos religiosos - e que elas continuem ocorrendo.

Uma pequena observação doutrinária, no que se refere ao Positivismo e à conduta dos positivistas para com as religiões teológicas. O respeito que Augusto Comte recomendava às religiões passadas não era no sentido de fazê-las valer na atualidade e ad aeternum, mas com um sentido de respeito filial às nossas antecessoras: em outras palavras, era o respeito que se deve ao que preparou o caminho para nós mas que, de qualquer maneira, cuja época já passou.

Se queremos um mundo pacífico, construtivo, respeitador da vida humana, temos que afirmar as perspectivas humanas, relativas e pacíficas e afirmar com clareza, sem titubear, que a época das crenças absolutas, extra-humanas e guerreiras já passou e que devem permanecer no passado e nos museus de história.

10 março 2014

Vídeo sobre monumento a Augusto Comte

Abaixo um vídeo que mostra a estátua da Humanidade, com um pedestal com as máximas positivistas e os perfis, em alto-relevo, de Augusto Comte e Clotilde de Vaux. Esses monumentos encontram-se ao lado do túmulo de A. Comte, no cemitério parisiense do Père-Lachaise (http://equipement.paris.fr/cimetiere-du-pere-lachaise-4080).

Não sei de quem é a autoria do vídeo.

https://www.youtube.com/watch?v=do7EdDBO4dQ

O monumento foi uma doação do Almirante Henrique Batista da Silva Oliveira, da Igreja Positivista do Brasil.


28 fevereiro 2014

Portal "Auguste Comte et le Positivisme"

Para quem tiver interesse, eis o novo endereço do portal Auguste Comte et le Positivisme:

http://confucius.chez.com/clotilde/index.xml

É bastante interessante e um dos portais mais completos sobre o Positivismo. Na medida do possível, ele também apresenta versões em inglês de seus textos.

07 janeiro 2014

Comentário sobre Comte e a tradução espanhola da Sociologia da "Filosofia positiva"

Na página da livraria virtual Amazon, o professor de filosofia Manuel Fernández Lorenzo postou um comentário extremamente interessante, seja sobre a obra sociológica de Augusto Comte, seja sobre sua relevância política. 

Esse comentário foi feito a propósito da recente tradução para o espanhol da maior parte dos capítulos sociológicos presentes na primeira grande obra de Comte, o Sistema de filosofia positiva (vulgarmente conhecido como Curso de filosofia positiva).

As observações do professor Lorenzo são tão interessantes que as reproduzo abaixo. O comentário original está disponível aqui; o livro a que ele refere-se (erroneamente intitulado pela editora espanhola como "Física Social") pode ser visto aqui; finalmente, o blogue pessoal do professor Lorenzo, que inclui o seu curriculum vitae, pode ser visto aqui.

Deve-se notar, em todo caso, que a Sociologia comtiana foi sem dúvida formulada no Sistema de filosofia positiva (1830-1842), mas é no Sistema de política positiva (1851-1854) que ele desenvolve de maneira mais sistemática, mais conseqüente e, portanto, de maneira mais interessante a sua Sociologia e, assim, a sua política. Nem o Sistema de filosofia nem o Sistema de política estão traduzidos para o português.


*   *   *

En España, tras la muerte de Ortega y Gasset, ya durante la llamada Guerra Fría, el marxismo sustituyó paulatinamente al filósofo madrileño en las influencias sobre las minorías intelectuales, junto con una influencia, más reducida a estamentos académico-universitarios, del Positivismo Lógico y la Filosofía Analítica. Desde entonces hemos asistido a un torrente de traducciones al español de las obras de Marx y Engels, de Russell, Popper o Witgenstein e incluso, con la llegada del llamado postmodernismo, de las obras de Nietzsche y Schopenhauer. Pero han quedado, sin embargo, casi sin traducir, los principales autores del Positivismo clásico como el Conde de Saint-Simón, Herbert Spencer y el propio Augusto Comte. Además, la influencia predominante del marxismo en la formación del progresismo español de la segunda mitad del pasado siglo, junto con el reforzamiento de la filosofía tomista en la enseñanza por el franquismo, debido a la necesidad de Franco de pactar con la Iglesia Católica, han conseguido reducir el espectro intelectual español a la influencia preponderante de Marx o Santo Tomás, cristalizada en los dos grandes partidos PSOE y PP que han monopolizado el poder en las últimas décadas. Sin embargo, entre ambos extremos se podría situar la figura de Augusto Comte, en el sentido de que su lema Orden y Progreso pretendía abrir el camino a una posición que se oponía tanto a los intentos de volver a épocas anteriores a la Gran Revolución francesa, como pretendían el romanticismo reaccionario, como a la pretensión de mantener abierto indefinidamente la política revolucionaria con un horizonte utópico y metafísico o puramente negativo, como pretende aun hoy el revolucionarismo izquierdista; aunque, esto último, con menos fuerza tras la caída del Muro de Berlín y la conversión de China al capitalismo desde Deng Xiaoping, siguiendo su famosa frase: "da igual que el gato sea blanco o negro, lo importante es que cace ratones".

Comte creía que, después de las Grandes Revoluciones burguesas modernas, se abría una época de organización y consolidación de la nueva sociedad industrial en la que los obreros, dirigidos por los empresarios emprendedores, junto con la colaboración estrecha de un nuevo "poder espiritual", encarnado por los científicos, los artistas y los filósofos positivistas, llevarían a la Humanidad a una nueva Edad Media, en el sentido de una nueva época de estabilidad alcanzada tras el final de la crisis que abrió la Modernidad. Una crisis que Comte concibe como inevitable, dado el avance imparable de los conocimientos positivos que afloran en el Renacimiento y que exigían una nueva sociedad acorde con ellos, pero una crisis que debe cesar en el momento que se ha producido, con las revoluciones liberales modernas, el parto histórico de la nueva sociedad industrial, sucesora y superadora de las anteriores sociedades de naturaleza esencialmente militar y pre-científicas. Es preciso para ello, ante todo, evitar el regreso a las sociedades militaristas - superadas por la naturaleza de la sociedad industrial en tanto que su riqueza se obtendrá cada vez más del explotación científica de la Naturaleza y no ya de la explotación de unos pueblos por otros -, fomentando la paz, tan necesaria para centrar todas las fuerzas en la organización industrial de la producción. Herbert Spencer, quien llegó a vivir hasta comienzos del siglo XX, vio como el Socialismo ascendía de forma imparable en su época, pero profetizó que lejos de conducir a la Humanidad a un mayor estadio de Progreso, traería una vuelta a la organización militarista de la Sociedad. La Unión Soviética, desde Stalin a Breznev, confirmaría tal aserto. No obstante ello, Comte consideraba también que el positivismo debía mejorar especialmente la situación de la clase obrera y de las mujeres. En tal sentido creía que la clase obrera debía poder salir de la situación de empobrecimiento y miseria en que se hallaba en el siglo XIX y llegar a un entendimiento justo con los patrones o capitanes de la industria. Pero que, en el nuevo orden industrial, la jerarquización debía ser mantenida, pues los empresarios no juegan el papel de meros parásitos sino que son imprescindibles en una sociedad industrial por sus iniciativas y habilidad para organizar la producción. Por otra parte, las mujeres, a las que dirige su famoso Catecismo positivista, tampoco deben buscar una estricta igualación con los hombres, como proponía frente a Comte el propio Stuart Mill, sino que deben buscar un nuevo equilibrio en sus funciones sociales que no se podrá encontrar con la brocha gorda del igualitarismo utópico, sino que es preciso tener en cuanta las diferentes aptitudes en relación, por ejemplo con el "poder terrenal" o político y el "poder espiritual" o cultural. Comte ve a las mujeres más capaces para el segundo que para el primero, como probaría el hecho histórico, constatable en todas las sociedades, de la mayor y más cercana influencia espiritual en la educación de los hijos de las madres y las mujeres en general, por sus características femeninas propias, como dulzura en el trato, capacidad de compasión y comprensión, etc.

En la polémica epistolar de Comte con Stuart Mill sobre las mujeres o la naturaleza de la religión, que hizo que quedase desacreditado el llamado Comte religioso, propugnador de la Religión de la Humanidad y santificador de Clotilde de Vaux, se suele pasar por alto una diferencia cultural muy importante entre los dos, como es la diferencia entre Protestantismo y Catolicismo. O se la entiende en un sentido favorable al Protestantismo, como una religión superior al Catolicismo, más progresista, etc. Pero esto es muy relativo, puesto que si se considera que el objetivo final es una sociedad en continua revolución, entonces el Protestantismo, que influye en un inglés como Stuart Mill, es más adecuado por dogmas tales como el de la "libertad de conciencia", por el que cualquiera puede poner permanentemente todo en discusión. Sin embargo, si el objetivo es poner fin al periodo revolucionario moderno, una vez cumplido su objetivo de destruir los grandes obstáculos que impedían el progreso, para iniciar una era de orden y consolidación del propio progreso científico e industrial, puede ser preferible lo que Comte denominaba un "catolicismo sin cristianismo", en el sentido de que dicha mentalidad se caracteriza por la salvación por las obras y no sólo por la fé, la no discusión de toda jerarquía en nombre de una libertad de conciencia elevada a dogma, la preferencia por los rituales y ceremonias como manifestación positiva de la espiritualidad, la dignificación de la mujer a través de la institución de un culto diferencial, etc. En definitiva, una especie de laicismo positivo católico que se contrapone al laicismo negativo y revolucionario de origen protestante, dominante en la Ilustración francesa e inglesa y que alimento y alimenta aún como una especie de fundamentalismo democrático, la forma estándar de la "conciencia revolucionaria". Comte pretende organizar la sociedad industrial francesa, siguiendo muchas propuestas de su precursor el Conde de Saint Simon, partiendo directamente de la organización social y espiritual católica, cambiando solamente el argumento o contenido (sustituir industriales por nobles guerreros y científicos y filósofos por eclesiásticos), no la función. Por tanto, su lucha se dirige contra los filósofos metafísicos y políticos legistas que accedieron al poder tras la Reforma Protestante, mal necesario para Comte en tanto que permitió la destrucción del poder espiritual de una Iglesia que se había quedado anticuada ante la nueva ciencia. Pero, la mentalidad protestante, aunque se haga laica en los revolucionarios, no sirve ya una vez cumplidos sus objetivos de destrucción del poder de la Iglesia y de los nobles, y debe dejar paso a una mentalidad positiva que abra una era que hoy algunos llaman postmoderna. Dicha nueva mentalidad, en tanto que positiva, tiene más homologías (semejanzas funcionales no identidades sustanciales) con la mentalidad católica, en la que fue educado el propio Comte por padres burgueses, católicos y legitimistas en Montpellier, que con la mentalidad del negativismo protestante.

Por todo ello la traducción de los volúmenes 4º, 5º, y la primera parte del 6º, del Cours de philosophie positive de Augusto Comte, en un solo volumen de 1295 páginas, con el título Fisica social (Akal, Madrid, 2012), por Juan R. Goberna Falque, profesor de la Universidad de Murcia y autor de un extenso estudio preliminar, a modo de biografía intelectual, y una bibliografía seleccionada (pp. 7-138), nos parece muy oportuna en el mundo de lengua española, tanto porque empieza a corregir la carencia de traducciones sobre los clásicos del Positivismo, como porque puede ayudar a desbloquear la polarización de opciones político filosóficas entre los dos extremos de Marx y Santo-Tomás, dominante en España desde el final del franquismo, como señalamos más arriba. Pues la posición filosófico-política de Comte, mal comprendida en su época, puede ser mejor entendida hoy cuando, tanto el fantasma de la revolución utópica (el marxismo) como el de la reacción ucrónica al imperialismo medievalizante del fascismo o el conservadurismo extremo, han perdido notablemente su poder de fascinación en el imaginario social.

06 janeiro 2014

Nova edição da Sociologia de Augusto Comte

Foi recentemente publicada uma nova edição dos capítulos que Augusto Comte escreveu sobre Sociologia no "Sistema de filosofia positiva"; essa edição tem a vantagem adicional, para nós brasileiros, de ser em espanhol:


Convém notar, todavia, que o título "Física Social" é enganador, ao sugerir que, para Comte, a Sociologia é mecanicista e que os seres humanos seriam como os átomos ou como equações matemáticas, ou seja, seriam como robôs. Nada mais enganoso: nada disso se evidencia nem no "Sistema de filosofia positiva", nem nas principais obras, que são as religiosas ("Sistema de política positiva", "Catecismo positivista", "Apelo aos conservadores", "Síntese subjetiva", "Discurso sobre o conjunto do Positivismo").

Uma notícia bibliográfica foi publicada sobre esse livro:


Não é dos comentários mais interessantes e em vários momentos rende-se às modas intelectuais de nossa época, mas pelo menos faz um pouco de publicidade.

29 dezembro 2013

Comemorações de 226 (2014)

COMEMORAÇÕES DE 226 (2014)

            NOME
VIDA
CALENDÁRIO
J.-G.
WIKIPÉDIA
Augusto
63 ac-14 (2000 anos)
22.César
14.maio
Apeles
336 ac-306 ac (2350 anos)
13.Homero
10.fev
Aristófanes
446 ac-386 ac (2400 anos)
21.Homero
18.fev
Bergmann
1814-1865 (200 anos)
15.Bichat
17.dez
Cardeal de Cusa
1401-1464 (550 anos)
4.Descartes
11.out
Carlos Magno
742-814 (1200 anos)
Carlos Magno
18.jun-15.jul
CIPIÃO
236 ac-183 ac (2250 anos)
21.César
13.maio
Cosme de Médicis, o Velho
1389-1464 (550 anos)
2.Frederico
6.nov
Fichte
1762-1814 (200 anos)
24.Descartes
31.out
Filipe
382 ac-336 ac (2350 anos)
9.César
1.maio
Frederico Borromeu
1564-1631 (450 anos)
23.São Paulo
12.jun
GALILEU
1564-1642 (450 anos)
7.Bichat
9.dez
Gluck
1714-1787 (300 anos)
24.Shakespeare
3.out
Heloísa
1101-1164 (850 anos)
19.São Paulo
8.jun
Mário
157 ac-86 ac (2100 anos)
20.César
12.maio
Miquelângelo
1475-1564 (450 anos)
9.Dante
24.jul
Rogério Bacon
1214-1294 (800 anos)
2.Descartes
9.out
S. LUÍS
1214-1270 (800 anos)
28.Carlos Magno
15.jul
Shakespeare
1564-1616 (450 anos)
Shakespeare
10.set-7.out
Villiers
1464-1534 (550 anos)
5.Carlos Magno
22.jun
FONTE: Wikipédia; “Apêndice” de Apelo aos conservadores (autoria de Augusto Comte; Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1899), organizado por Miguel Lemos.
NOTAS:
  1. As datas de vida foram pesquisadas na internet (basicamente na wikipédia), considerando que esse procedimento permitiria obter o que há de mais atualizado a respeito das diversas biografias; além disso, cotejaram-se essas datas com as disponíveis no “Apêndice” do Apelo aos conservadores.
  2. Letras maiúsculas em negrito: nomes de meses.
  3. Letras maiúsculas simples: chefes de semana.
  4. Letras em itálico: tipos adjuntos, considerados titulares nos anos bissextos.
  5. As datas em negrito indicam os anos cujos centenários comemoram-se em 226 (2014).
  6. Os artigos da Wikipédia foram selecionados basicamente em português, mas em diversos casos ou só havia em outra(s) língua(s) ou eram melhores em outra(s) língua(s) (francês, inglês, espanhol).

19 dezembro 2013

R. Teixeira Mendes: "Contra a vacinação obrigatória"

Por iniciativa do Templo Positivista de Porto Alegre, o opúsculo "Contra a vacinação obrigatória", de autoria de Raimundo Teixeira Mendes (n. 224 da coleção da Igreja Positivista do Brasil, de novembro de 1904) foi doado ao Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul. Esse opúsculo foi digitalizado e está à disposição dos interessados aqui.

É importante notar que a campanha da Igreja Positivista contra a vacinação obrigatória tinha três elementos: 

(1) combate à imposição governamental da vacinação, desconsiderando o convencimento individual e, portanto, a liberdade de pensamento; 

(2) o combate à violência praticada pelas tropas de Osvaldo Cruz, que batiam nas pessoas e invadiam as casas para vacinar; 

(3) uma desconfiança da eficácia das vacinas - afinal, nas primeiras décadas do século XX não se tinha certeza da eficácia desse tipo de tratamento e as condições em que eram ministradas as vacinas eram completamente anti-higiênicas. 

Esses três elementos resultaram em inúmeros confrontos entre as tropas vacinistas e a população, no que acabou denominando-se de "Revolta da Vacina".

13 dezembro 2013

M. Lemos e R. Teixeira Mendes: "Bases de uma constituição política"

O documento escrito por Miguel Lemos e Teixeira Mendes, "Bases de uma constituição política ditatorial federativa", pode ser obtido aqui. Ele foi digitalizado e posto à disposição do público no portal eletrônico da Câmara dos Deputados do Brasil.

Esse texto apresenta o projeto de constituição que os apóstolos da Humanidade elaboraram logo após a Proclamação da República, em 1890, para servir de subsídio aos debates que resultaram na Constituição de fevereiro de 1891.

Convém notar que uma parte do nome - "ditatorial" - é motivo de grande confusão atualmente, parte dela inocente, parte dela interessada. 

Para Augusto Comte (e, portanto, para os apóstolos da Humanidade), qualquer governo que seja exclusivamente material e sem apoio moral generalizado - ou seja, sem uma legitimidade ampla - é "ditatorial"; assim, a expressão refere-se a um governo que é apenas e tão-somente material, podendo ser progressista ou retrógrado, promotor das liberdades ou agressor das liberdades: não tem absolutamente nada a ver com governo "tirânico".

O uso que Augusto Comte fazia da palavra "ditadura" era o uso comum por séculos, incluindo no século XIX, até o início do século XX, quando a Revolução Russa e o nazismo mudaram o seu sentido, que passou de um uso neutro (ou até positivo), para um uso predominantemente negativo e associado ao fim das liberdades.

Uma discussão pormenorizada sobre o conceito de "ditadura" no pensamento político de Augusto Comte pode ser lido na seção 7.1 da minha tese de doutorado (disponível aqui).

06 dezembro 2013

Problemas sobre o Positivismo, na revista História Viva n. 121

Alguns problemas na matéria "O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim", publicada na revista História Viva n. 121, de novembro de 2013



Aproveitando a efeméride do aniversário da Proclamação da República, a revista História Viva, em seu número 121, de novembro de 2013, publicou um dossiê temático sobre a República no Brasil. Com vários artigos, o dossiê termina com uma matéria intitulada "O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim" (p. 42-44), em que uma jornalista aborda tanto a doutrina positivista quanto a contribuição específica dos positivistas brasileiros para a Proclamação da República[1].
De modo geral, a matéria apresenta um tom interessado, apresentando detalhes importantes e interessantes: o fato de que o Positivismo é ao mesmo tempo uma filosofia, uma proposta política e uma religião; a ação de Benjamin Constant no movimento que resultou no 15 de novembro de 1889 etc.
Entretanto, a matéria apresenta – sempre a título de "criticidade"! – uma série de erros e problemas, muitos dos quais simplesmente consistem em repetir preconceitos e lugares-comuns acadêmicos: assim, é necessário convir que, no final das contas, a proposta da revista História Viva de apresentar o Positivismo fracassou.
Vejamos alguns dos problemas e preconceitos identificados[2].

1)   A fórmula sagrada máxima do Positivismo tem uma redação diferente da apresentada como título da matéria: é "O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim". Augusto Comte foi muito claro a respeito da alteração dessa fórmula, entre a versão primitiva (que intitula a matéria) e a segunda e final; em vez de tratar-se de uma enumeração de elementos e características, a fórmula final apresenta um ordenamento lógico, social e moral, indicando que o progresso resulta da união do amor com a ordem, além de dever ser almejado pela união do amor com a ordem.
(Além disso, deve-se ter em mente que a "ordem" não se confunde com o status quo, nem com uma sociedade estática, avessa ao progresso: a ordem são as condições fundamentais da vida social – o que inclui, por exemplo, o bem-estar dos indivíduos e as liberdades de pensamento e de expressão, elementos que usualmente são apresentados como do "progresso".)

2)   A jornalista afirma que a lei dos três estados considera a passagem do estado teológico para o positivo: entretanto, também afirma que o estado teológico é "controlado pelo catolicismo" e que o estado positivo é "[controlado] pela ciência" (p. 43).
Há pelo menos três erros nessa afirmação. Em primeiro lugar, o que significa a palavra "controlado", conforme usada na frase, não está claro. Controlar é mandar, manter o controle, exercer a autoridade: ora, isso não faz sentido algum para a filosofia da história e para a filosofia política de Augusto Comte: seja porque o catolicismo não exerce nenhum poder de mando sobre as etapas específicas anteriores da teologia, seja porque ele não é a mais importante: bem ao contrário, o catolicismo é a etapa final da teologia.
Assim, em segundo lugar, a fase teológica mais importante é o politeísmo (seja em sua vertente conservadora – representada pelas teocracias –, seja em sua vertente progressista – representada pelos regimes militares da Antigüidade). Além disso, o catolicismo foi importante não devido à sua doutrina, mas devido à ação social, intelectual e política do clero católico durante a Idade Média (ou seja, entre os séculos V e XIV).
Em terceiro lugar, a fase final não é "controlada" (o que quer que isso queira dizer) pela "ciência", mas, sim, pela positividade. A positividade é o espírito relativo, simpático, útil; ou melhor, é o estado mental e social caracterizado pelos sete atributos da palavra "positivo": real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático. Também é necessário notar que, enquanto a ciência, ou melhor, as ciências – no plural – são sempre analíticas, a positividade apresenta um caráter sintético.

3)    A matéria repete chavões e lugares-comuns e é extremamente  fantasiosa, como na definição de "ditadura republicana": "[...] o francês [i. e., Augusto Comte] idealizou um programa político com um regime de Estado forte e antiliberal (com a submissão dos direitos individuais ao bem público): uma ditadura republicana" (p. 43).
Essa definição assustadora talvez provenha de livros de popularização do conhecimento (como o recém-publicado 1889), mas o fato é que essa suposta definição da "ditadura republicana" simplesmente não corresponde às idéias de Comte, nem na letra, nem no espírito.
Para Comte qualquer governo é "ditadura", especialmente em épocas de transição social, política e moral, como ele considerava que vive o Ocidente desde o século XV e especialmente após a Revolução Francesa. Se todo governo é ditadura, pode haver ditaduras progressistas e reacionárias, liberais e liberticidas. Além disso, a "ditadura republicana" em particular foi proposta por A. Comte como um regime de transição entre a época de crise e a "era normal"; esse regime, assim como a "era normal", caracterizar-se-iam pelas mais completas e amplas liberdades sociais e políticas (ou seja, pelas "liberdades individuais", que, de acordo com o infeliz relato da jornalista, seriam negados): o que ocorre, e como política e socialmente se sabe, as "liberdades individuais" são altamente deletérias se não houver uma preocupação social com o bem-estar da sociedade: é justamente a união das liberdades públicas com o bem-estar coletivo que caracteriza (por exemplo) os regimes do Estado de Bem-Estar Social.
Além disso, deve-se notar que o conceito de "ditadura republicana" pura e simplesmente é desconhecido no Brasil. Tanto pesquisadores ditos "profissionais" quanto o senso comum assumem a palavra "ditadura" no sentido adotado a partir da prática comunista de Lênin, que corporificou a "ditadura do proletariado" de Marx; com isso, ignoram o "contexto lingüístico" em que viveu e elaborou Augusto Comte, ou seja, que no século XIX Augusto Comte adotou nesse caso o hábito lingüístico da época, em que "ditadura" não tinha sentido negativo e que não era antiliberal.
Nesse sentido, a matéria não esclarece nada e aprofunda vários mitos. A observação de que a ditadura republicana é "antiliberal", para fazer algum sentido e não ser injusta, tem que ser entendida estritamente do ponto de vista da história das idéias, significando que a ditadura republicana não se filia ao liberalismo, especialmente no liberalismo laissez-faire – ou seja, no mesmíssimo sentido em que o Estado de Bem-Estar Social também não se filia ao liberalismo. Ora, usar a palavra "antiliberal" e não esclarecer que se trata estritamente de afastamento do liberalismo é querer dar a entender que se trata de um regime autoritário.
Da mesma forma, a expressão "Estado forte" também sugere autoritarismo: mas nem na obra de Augusto Comte, nem nos opúsculos dos positivistas brasileiros (como nos de Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes) há qualquer referência seja a um "Estado forte" seja, principalmente, a qualquer defesa do que chamaríamos atualmente de "autoritarismo". Aliás, é digno de nota que a idéia da ditadura republicana como autoritária foi difundida no Brasil por pesquisadores explicitamente liberais (e católicos) que, ao mesmo tempo em que denunciavam o suposto autoritarismo da proposta, defendiam o regime militar iniciado em 1964 e suas variadas truculências.
Sem dúvida que a revista tem pouco espaço para apresentar suas idéias, o que talvez justificasse essa gigantesca "imprecisão conceitual". Infelizmente, essa limitação de espaço não pode justificar nem uma imprecisão tão grande nem a manutenção de um mito. Nesse sentido, a reprodução dos mitos na matéria, especialmente sem atribuir os mitos a alguém em particular, equivale a assumir os valores e as perspectivas do mito - como se sabe, isso é que os pesquisadores de comunicação chamam de "enquadramento". 
A imprecisão e os erros assumem maiores perspectivas quando se considera que há explicações detalhadas, a partir de perspectivas variadas, a respeito da idéia de "ditadura republicana": de Gustavo Biscaia de Lacerda, "O momento comtiano" (tese de doutorado em Sociologia Política, UFSC, 2010, especialmente a seção 7.1: http://www.tede.ufsc.br/teses/PSOP0369-T.pdf; livro publicado pela Editora da UFPR: https://www.editora.ufpr.br/produto/405/momento-comtiano,-o--republica-e-politica-no-pensamento-de-augusto-comte) e "Teoria Política positivista: pensando com Augusto Comte" (Poiesis editora, 2013: http://www.poiesiseditora.com.br/publicacoes/teoria-política-positivista-pensando-augusto-comte); de Arthur Lacerda, "A república positivista. Teoria e ação no pensamento de Augusto Comte" (Juruá, 2003, 3ª ed.).

4)   Na p. 44 a matéria cita um famoso pesquisador, de acordo com quem os positivistas eram "sectários e fundamentalistas": o problema é que nem o pesquisador entrevistado nem a jornalista que escreveu a matéria apresentam os motivos para caracterizar os positivistas como "sectários e fundamentalistas".
Sectário e fundamentalista é uma pessoa que pensa apenas em termos do próprio grupo e de maneira irracional e absoluta no que se refere às próprias crenças, desrespeitando e desconsiderando sem mais as idéias e as propostas de outros indivíduos e grupos – o que não era o caso dos positivistas.
Em primeiro lugar, eles eram coerentes com a idéia de "ditadura republicana", ou seja, respeitavam escrupulosamente as liberdades públicas, não negando o direito de expressão a ninguém – ou seja, não impedindo a manifestação de interlocutores, ao mesmo tempo que se opondo às medidas governamentais tendentes a impedir as manifestações de idéias.
Em segundo lugar, o pesquisador citado sugere que o sinal de que os positivistas eram "sectários e fundamentalistas" eram as expulsões do grêmio positivista: ora, esse comentário foi extremamente especioso, pois descontextualizado e injusto. Os membros expulsos eram donos de escravos que não aceitavam o programa abolicionista, bem como aqueles supostos positivistas que queriam manter cargos públicos ao mesmo tempo em que faziam propaganda da doutrina (ou seja, eram indivíduos que se valiam do cargo para pregação, desrespeitando a separação entre Igreja e Estado): em outras palavras, eram indivíduos cujos comportamentos públicos e privados eram moralmente condenáveis, por serem degradantes e/ou hipócritas.
(Convém notar que, a esse respeito, os positivistas eram muito mais corretos, coerentes e orientados para o bem público que a maior parte das associações religiosas e políticas dos dias correntes: se isso é "fanatismo e sectarismo", a conclusão é que a nossa própria época é lamentavelmente merecedora de muita, muita reprovação.)
Além disso, é importante observarmos que o famoso pesquisador que foi consultado pela jornalista autora da matéria é apenas "famoso" - em grande parte porque ele é pesquisador de uma importante fundação de pesquisas (a Fundação Getúlio Vargas) -; entretanto, nem sua fama nem a sua filiação institucional conferem-lhe qualquer conhecimento, seja sobre a doutrina positivista, seja sobre a atuação específica dos positivistas no período considerado. Em outras palavras: na melhor das hipóteses, como se pode perceber pelos diversos problemas comentados nesta postagem, esse famoso pesquisador apenas emite palpites sobre o Positivismo.




[1] Pode-se consultar a revista História Viva neste endereço: http://www2.uol.com.br/historiaviva/. Aí é possível encontrar disponíveis diversas matérias, embora a que seja objeto de nossa crítica não esteja aberta ao público em geral.
[2] Os pontos abaixo baseiam-se em uma série de quatro mensagens eletrônicas trocadas com o editor da revista, sr. Dirley Fernandes, em 3 e 4 de dezembro de 2013 (sendo duas de nossas autoria e duas dele).
Embora os argumentos apresentados pelo sr. Dirley em defesa da matéria não nos tenham convencido, é necessário reconhecer a educação e a rapidez com que nos respondeu – características infelizmente incomuns no mercado editorial brasileiro –, bem como a atenção em responder de maneira clara e direta às nossas observações.
Por fim: acrescentamos alguns pontos e editamos diversos trechos das mensagens originais, de modo a evitar passagens mais duras e/ou que citavam nominalmente pessoas.