31 maio 2010

Criticidade de manual

Artigo publicado em 31.5.2010, no jornal Gazeta do Povo (Curitiba, n. 29 421, p. 2); o original pode ser lido aqui.


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Criticidade de manual

Na realidade pedagógica brasileira inúmeros temas são tratados de maneira rasteira, estereotipada e baseada em interesses facciosos.

A recente introdução da Sociologia no ensino médio, embora segundo alguns seja um avanço para a “reflexão social crítica”, também apresenta um sério risco de criar distorções intelectuais e políticas. A Sociologia, ao contrário de outras disciplinas, como a Matemática ou a Biologia, trata diretamente da organização da nossa sociedade; o que se ensinar em suas aulas terá consequências claras, embora não mecânicas nem imediatas, para a vida coletiva. Dessa forma, problemas em seu ensino resultam em sérios problemas sociais.

Deixemos claro, antes de mais nada, que não advogamos uma ciência “neutra”, asséptica, que se encastele nos bancos escolares e que, no fundo, não tenha serventia social alguma: o que nos preocupa, ao contrário, é que essa disciplina sirva para difundir preconceitos interessados, à direita e/ou à esquerda, isto é, dos marxistas, dos liberais ou dos católicos. Ao difundir preconceitos teóricos, essa disciplina pode legitimar perspectivas e rejeitar outras, ao sabor das conveniências e dos interesses.

Não afirmo que isso seja a regra: mas, por um lado, a implantação da Sociologia no Ensino Médio está apenas no início (ou seja, há tempo de sobra para tais distorções firmarem-se). Por outro lado, já temos à disposição exemplos clamorosos que confirmam os temores: basta ver a proposta de diretrizes para Sociologia do estado do Rio de Janeiro (cf. aqui: http://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=1587〈=pt-br).

Vejamos outro exemplo, mais sutil e, por isso, mais daninho. No vestibular da Universidade Estadual de Maringá (UEM) de 2009, víamos a seguinte questão na prova de Sociologia: “Sobre o tema conflito social, assinale o que for correto”; entre as várias opções, havia a seguinte: “08) Auguste Comte define o conflito como propulsor da mudança social em direção ao Estado positivo”. O formulador da prova considerava que essa afirmação está errada – mas, ao contrário do afirmado pelos preconceitos (interessados ou não) e repetido pelos manuais, isso é incorreto.

A perspectiva-padrão (e única) dos manuais é que a teoria comtiana é a favor do “consenso”, a partir de um organicismo, em que todos os indivíduos e instituições têm de ser pacíficos e obedientes à ordem social vigente; assim, ele seria o arquiconservador, a que se deve opor o “progressivismo” da revolução e dos “conflitos”. Ora, deixando de lado a ideologia partidária implícita nessa visão, o fato é que – como minha tese de doutorado em Sociologia Política foi, precisamente, sobre a teoria sociopolítica de Augusto Comte – posso afirmar com segurança que essa teoria não é 1) contra o “conflito”, 2) nem organicista, 3) nem a favor do status quo 4) nem “conservadora”.

Recentemente, colaborei na elaboração da apostila do Colégio Positivo para a disciplina de Sociologia no ensino médio, redigindo a parte relativa a Comte: sem dúvida que abordei o tema acima. Todavia, essa é apenas uma única apostila – mesmo que seja uma apostila adotada em centenas de escolas Brasil afora –; outra coisa é a realidade pedagógica brasileira, em que inúmeros temas são tratados de maneira rasteira, estereotipada e, como vimos, baseada em interesses facciosos; ainda outra coisa é a realidade dos vestibulares, que seguem os mesmos preconceitos e erros, seja voluntariamente, seja involuntariamente.

Como dissemos há pouco, o exemplo acima é sutil, mas seus efeitos intelectuais e práticos não o são. O resultado disso tudo é desastroso sob qualquer perspectiva: os alunos dos manuais são deseducados, os vestibulares incentivam o erro e, no meio do caminho, quem aprender corretamente os conceitos sociológicos poderá ser apenado devido aos estereótipos acadêmicos e políticos.

30 maio 2010

Mais um artigo sobre Comte: moral laica e Positivismo

Mais um artigo sobre Comte, agora da autoria de Laurent Fedi e sobre a contribuição do Positivismo para a moral laica em ambientes de Concordata - aliás, nada mais atual para o Brasil.

http://www.augustecomte.org/contenu/fjoints/49-fjoint.doc

22 maio 2010

Propaganda antecipada, cultura política e república

O texto abaixo foi publicado no jornal curitibano Gazeta do Povo de 20 de maio de 2010; pode ser consultado diretamente por aqui:

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1004919&tit=Propaganda-antecipada-cultura-politica-e-republica

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Três anos atrás, víamos que nos Estados Unidos a campanha eleitoral que escolheria o sucessor de George W. Bush iniciara-se mais de um ano e meio antes das eleições: já no Brasil a campanha só pode começar seis meses antes. Por que a diferença?

Nos dois países os valores em jogo são a consideração de que todos os cidadãos podem, em princípio, concorrer a todos os cargos em igualdade de condições e em ambientes livres (sem impedimentos socioinstitucionais). O que muda em cada caso é que nos Estados Unidos valoriza-se mais a liberdade de associar-se e difundir as ideias dos candidatos; no Brasil valoriza-se a igualdade de condições da disputa, procurando-se evitar que o poder econômico de alguns ponha em desvantagem os economicamente menos privilegiados, mas cuja participação, pelo simples fato de serem cidadãos, é considerada tão importante quanto a dos demais.

Não vem ao caso tratar do acerto da escolha brasileira: aceitemo-la e consideremos o que se pratica no país. O que se pratica? A afir­­ma­­ção despudorada, ainda que cautelosa, da força do poder políti­­co e não do poder econômico: são os grupos no poder que têm maior possibilidade de propaganda antecipada, transformando a administração pública em palanques eleitorais em nome do “povo” (Mas não consideramos aqui que os programas sociais em voga são “eleitoreiros”: afinal, o Brasil apresenta problemas sociais muito sérios, que exigem atitudes que se dirijam diretamente aos grupos excluídos; é natural que os políticos que satisfaçam essas necessidades terão apoio popular).

O que interessa aqui é o seguinte: o desrespeito à legislação que proíbe a propaganda antecipada afeta de que maneira a cultura política brasileira? A resposta direta é: esse desrespeito fragiliza a nossa “república”; essa fragilização não é somente uma consequência indireta, mas também é um resultado intencional de vários políticos.

Enquanto a democracia pode ser definida grosso modo como a afirmação da “soberania popular”, a república pode ser entendida como o conjunto de instituições políticas que organiza os cidadãos em sua vida coletiva. Essas instituições têm de ser legítimas, isto é, consideradas aceitáveis e representativas da vontade do conjunto dos cidadãos; além disso, elas têm de ser minimamente eficazes, no sentido de que consigam identificar as demandas sociais e dar soluções para elas.

Ora, o que se vê é que o desdém pelas instituições políticas brasileiras é cada vez mais a regra, mesmo apesar do afirmado apoio de vários grupos e partidos políticos às instituições republicanas. Na verdade, pode-se considerar com seriedade que esse apoio é a compensação retórica para o desrespeito prático. Daí se desenvolve um sistema de hipocrisia que a população reconhece com facilidade: não são casuais o desânimo e a apatia políticos manifestados atualmente.

O problema vai além, pois as outras instituições responsáveis pela saúde política da república, ou são omissas ou, quando fiscalizam, são mais e mais achincalhadas. Os exemplos mais dramáticos são a imprensa, o Tribunal Superior Eleitoral e o Ministério Público: de maneira hipócrita e demagógica, todas as investigações que tais órgãos fizeram nos últimos meses foram desqualificadas, ridicularizadas e afirmadas como “perseguição partidária”. O mais clamoroso exemplo, para o que nos interessa, é o desdém do presidente Lula às (raras) multas que o TSE aplicou-lhe pelo desavergonhado uso eleitoral da propaganda institucional.

Repitamos: esse desrespeito sistemático tem efeitos na cultura política nacional, no sentido de estimular a apatia. Para evitar isso, a vida política tem de ser entendida como mais ampla que a atividade partidária, incluindo principalmente o controle do público sobre o Estado. Assim, o apoio popular às investigações do Ministério Público e à cobrança de que o TSE multe com rigor as propagandas eleitorais antecipadas é uma forma republicana e efetiva de participação política.

04 abril 2010

Ode à Polônia

A ode abaixo é de autoria do poeta positivista Edgar Proença-Rosa, que em 1939 redigiu-a em apoio à Polônia e em rejeição ao crime nazista.

Eis as palavras de Paulo Augusto Proença-Rosa, filho do poeta, ao enviar o poema:

"Sem prévia declaração de guerra, os alemães invadiram a Polônia no dia 1 de setembro de 1939; alguns focos de resistência lutaram por vários mêses, mas a guerra defensiva acabou com a rendição da Grupo Operacional da Cavaleria Independente do Gen. Franciszek Kleeberg no dia 5 de outubro de 1939. É neste triste episódio que meu pai, sofrendo com a descabida invasão, inspirou-se para escrever este emocionado poema".

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ODE À POLÔNIA

Não morrerás, Polônia! Imorredouros

São teus feitos e filhos do passado!

Gloriosa viverás séculos vindouros,

Pois teu rincão por todos é amado!

És formada das mais belas

E suaves melodias!

O teu céu é só estrelas

Que te banham de harmonias!

Mesmo que a vândala e desleal nação,

Com legiões de vis escrofulosos,

O solo teu profana com a invasão...

Os teus filhos encontrarão gloriosos!

Paderewsky, o profundo,

Brailowsky divino,

Andam por todo mundo

Espalhando teu hino!

Não morrerás, Polônia! é imortal!

Nas páginas sublimes da história,

Os povos guardarão tua memória,

Pois não te atingirá golpe fatal!

És a mãe da “Polonaise”,

Das sonatas de Chopin,

Por isso não há quem despreze

Tua desgraça também!

A pérfida nação que te invade,

Cheia de fúria e de inveja alvar,

Do seio teu um dia hás de expulsar,

E terás outra vez a liberdade!

Edgard Ramos de Proença Rosa

Rio de Janeiro/ Copacabana/ novembro de 1939

10 fevereiro 2010

Eqüidade entre Augusto Comte e John Rawls

Artigo publicado na Brazilian Political Science Review (Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 58-92), comparando os conceitos de eqüidade presentes nas obras de Augusto Comte e John Ralws:

http://www.bpsr.org.br/english/arquivos/BPSR_v3_n1_feb2010_03.pdf

25 dezembro 2009

Comemorações do ano 222 (2010)

Tipo*

Vida

CALENDÁRIOS

Positivista

júlio-gregoriano

Antístenes

440-370

16.Aristóteles

13.março

Arriano

80-160

19.Aristóteles

16.março

Bernardo de Palissy

1510-1590

22.Gutenberg

3.setembro

Cavendish

1731-1810

17.Bichat

19.dezembro

Froissart

1337-1410

15.Dante

30.julho

Domen. Guglielmini

1655-1710

23.Gutenberg

4.setembro

Henrique IV

1553-1610

6.Frederico

10.novembro

INOCÊNCIO III

1160-1216

21.Carlos Magno

8.julho

MONTGOLFIER

1740-1810

28.Gutenberg

9.setembro

Pergolesi

1710-1738

22.Shakespeare

1.outubro

Ptolomeu

130-160

19.Arquimedes

13.abril

Ritter

1776-1810

20.Bichat

22.dezembro

Santo Irineu

110-190

25.Aristóteles

22.março

Sólon

640-559

8.Aristóteles

5.março

Stahl

1660-1734

23.Bichat

25.dezembro

Sully

1560-1641

16.Frederico

20.novembro

TALES

640-550

7.Aristóteles

4.março

Teniers

1610-1690

13.Dante

28.julho

Velázquez

1599-1660

12.Dante

27.julho

Xenófanes

540-500

9.Aristóteles

6.março


FONTE: “Apêndice” de Apelo aos conservadores (autoria de Augusto Comte; Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1899), organizado por Miguel Lemos.

NOTAS:

  1. Os nomes em itálico indicam os tipos adjuntos, considerados titulares nos anos bissextos.
  2. Os nomes em letras maiúsculas indicam chefes de semana ou de mês.
  3. As datas de vida reproduzem as indicadas por Miguel Lemos no “Apêndice” ao Apelo aos consevadores; algumas delas podem ter sofrido correção desde 1899, a partir de pesquisas historiográficas.
  4. Os artigos da Wikipédia foram selecionados basicamente em português, mas em diversos casos ou só havia em outra(s) língua(s) ou eram melhores em outra(s) língua(s) (francês e inglês, mas também espanhol e italiano).