Este blogue é dedicado a apresentar e a discutir temas de Filosofia Social e Positivismo, o que inclui Sociologia e Política. Bem-vindo e boas leituras; aguardo seus comentários! Meu lattes: http://lattes.cnpq.br/7429958414421167. Pode-se reproduzir livremente as postagens, desde que citada a fonte.
08 outubro 2025
Festa de Clotilde e Comte (8 de Outubro)
12 setembro 2025
Igreja Positivista do Brasil: pacifismo, fraternidade, guerra civil, República
Mais 11 publicações da Igreja Positivista do Brasil disponíveis no Internet Archive.
Os temas são atualíssimos, ainda que as publicações sejam de 1907 a 1910: guerra civil, pacifismo e antimilitarismo, liberdade de testamento, respeito aos índios, depotismo sanitário, republicanismo.
A relação de textos e seus endereços estão abaixo.
- n. 252: Despotismo sanitário (1907), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20252%20-%20Despotismo%20sanit%C3%A1rio%20%282a%20ed.%20FP%29.pdf
- n. 254: Liberdade de testamento (1907), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20254%20-%20Liberdade%20de%20testar%20%282a%20ed.%20FP%29.pdf
- n. 255: Diplomacia, república e Positivismo (1908), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20255%20-%20Diplomacia%2C%20Rep%C3%BAblica%20e%20Positivismo%20%282a%20ed.%20FP%29.pdf
- n. 256: Lutas fratricidas, militarismo e mensagens presidenciais (1908), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20256%20-%20Lutas%20fratricidas%2C%20militarismo%20e%20mensagem%20presidencial%20%282a.%20ed.%20FP%29.pdf
- n. 283: Relações entre Brasil e Uruguai (1909), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20283%20-%20Brasil-Uruguai%20%282%C2%AA%20ed.%20FP%29.pdf
- n. 285: Fraternidade sul-americana (1909), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20285%20-%20Ainda%20a%20fraternidade%20sul-americana%20%282%C2%AA%20ed.%20FP%29.pdf
- n. 286: Culto aos mortos e despotismo sanitário (1909), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20286%20-%20Culto%20aos%20mortos%20e%20despotismo%20sanit%C3%A1rio%20%282a%20ed.%20FP%29.pdf
- n. 289: Atentados política e repressão na Espanha (1909), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20289%20-%20Atentados%20pol%C3%ADticos%20e%20repress%C3%A3o%20na%20Espanha%20%282a.%20ed.%20FP%29.pdf
- n. 292: Fraternidade universal e sul-americana (1909), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20292%20-%20Fraternidade%20universal%20e%20sul-americana%20%282a.%20ed.%20FP%29.pdf
- n. 294: Civilização dos índios brasileiros (1910), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20294%20-%20Civiliza%C3%A7%C3%A3o%20dos%20ind%C3%ADgenas%20brasileiros%20%282a.%20ed.%20FP%29.pdf
- n. 295: Despotismo sanitário e República (1910), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20295%20-%20Ainda%20despotismo%20sanit%C3%A1rio%20e%20pol%C3%ADtica%20republicana%20%282a.%20ed.%20FP%29.pdf
Contra o militarismo presidencial e as lutas fratricidas
Reproduzimos abaixo o opúsculo n. 256 da Igreja Positivista do Brasil, de 1908, que tem por título "Basta de lutas fratricidas".
Da autoria de Raimiundo Teixeira Mendes e publicado originalmente há quase 120 anos, ele é tristemente atualíssimo e é por isso que o publicamos. Como se pode ler abaixo, sua atualidade reside em particular em que as "lutas fratricidas" que se combatia em 1908 eram (1) estimuladas por mensagens presidenciais que (2) excitavam grupos militaristas.
Esse opúsculo, além de revelar-se atualíssimo, mais uma vez evidencia que - contra o senso comum acadêmico brasileiro - o Positivismo é pacifista e civilista, ou seja, é antimilitarista e contra a violência.
A transcrição do opúsculo foi gentilmente feita pelo Prof. Fernando Pita, da UERJ.
* * *
Nº 256
IGREJA E APOSTOLADO POSITIVISTA DO BRASIL
O Amor por princípio
e a Ordem por base:
o Progresso por fim
Viver
para outrem.
Viver às claras.
Basta de lutas
fratricidas
A propósito da agravação que a mensagem
presidencial veio a produzir na agitação militarista, devida à retomada das
tradições da diplomacia imperial.
Todos os artifícios retrógrados introduzidos depois para impedir
semelhante resultado foram tão impotentes para reanimar o cadáver da guerra
como o do teologismo, mesmo sob pretexto de progresso, e apesar da ausência das
convicções públicas que deviam estigmatizar essa conduta. Em relação ao mais
imoral desses expedientes, ouso proclamar aqui os votos solenes que faço, em
nome dos verdadeiros positivistas, para que os árabes expulsem energicamente os
franceses da Argélia, se estes não a souberem dignamente restituir àqueles.
Ufanar-me-ei sempre de ter, na minha infância, desejado ardentemente o sucesso
da heroica defesa dos espanhóis. (Augusto
Comte – Catecismo Positivista, 13ª Conferência)
Uma
frase pungentíssima e desastradíssima da mensagem presidencial veio
inesperadamente produzir uma agravação na agitação militarista determinada e
entretida pela retomada das tradições diplomáticas peculiares ao tristíssimo
passado imperial do povo brasileiro. Essa frase é tanto mais condenável quanto
forma o mais insólito contraste com as mais nobres aspirações pacíficas da
diplomacia ocidental. Julgamos por isso do nosso dever apelar, ainda uma vez,
para o altruísmo e a razão das classes dominantes, e especialmente do Sr.
Presidente da República, e sobretudo do Sr. Ministro das Relações Exteriores.
_______________
Nesse
intuito, basta recordar a série das publicações em que, desde o seu início, em
1881, o Apostolado Positivista do Brasil tem-se esforçado por fazer chegar ao
público e aos estadistas brasileiros o conjunto dos ensinos de Augusto Comte
acerca da missão pacífica reservada à diplomacia. É incontestável que essa
vulgarização — graças à índole essencialmente humanitária do povo brasileiro,
como de todas as nações ibero-americanas — tem contribuído para conjurar as
mais graves consequências dos extravios militaristas.
Mas
essa influência continua a ser contrariada pela educação metafísica das classes
letradas, educação que as expõe às mais cruéis devastações da política
retrógrada, inaugurada pela sanguinária dominação de Robespierre e desenvolvida
pelo triunfo ainda mais sanguinário do primeiro Bonaparte.
Sem
atenderem para a conduta dos grandes políticos ocidentais desde Henrique IV,
nem para a incomparável evolução dos pensadores modernos, entre os quais basta
citar Leibniz, Kant, Condorcet e Augusto Comte, nem para o irresistível
ascendente da fraternidade universal na massa feminina e proletária, os
políticos brasileiros se deixam fascinar pelas vitórias efêmeras da
retrogradação no Ocidente europeu, no correr do século XIX.
_______________
Para
dissipar essas funestas ilusões, nos limitaremos a lembrar aqui a lista das
publicações a que aludimos. Elas podem ser encontradas em muitas das
bibliotecas públicas do Brasil, além de que várias foram distribuídas pelos
estadistas brasileiros a ocidentais, sobretudo americanos.
A
essa lista, juntaremos apenas 2 ordens de ponderações. Eis a lista de que nos
ocupamos:
Imigração chinesa.
Mensagem ao embaixador chinês em Londres, 1881.
Question
franco-chinoise. Idem, 1881.
Questão de limites
entre o Brasil e Argentina, 1884.
Esboço biográfico
de Benjamin Constant, fundador da República brasileira. Acha-se
aí uma apreciação da diplomacia imperial especialmente da guerra do Paraguai,
1892.
Pelos indígenas
brasileiros, 1894.
À nossa irmã a
República do Paraguai. 1894.
A propos du conflit
hispano-américain, Bulletin 2, 1898.
Sentence arbitrale
de Berne, sur la contestation entre la France et le
Brésil. Bulletin 8, 1900.
A questão do Acre. Boletins
22, 29, 30. 1901, 1903, 1904.
A questão com o
Peru. Boletim 32, 1904.
A República e o
militarismo, 1906.
O militarismo ante
a política moderna, 1907.
A diplomacia e a
regeneração social. I. A missão diplomática, II. A franqueza
diplomática, III A Conferência de Haia em 1907, publicados estes últimos (III)
também em francês, 1907.
Ainda os indígenas
do Brasil e a política moderna, 1907.
Ainda o militarismo
perante a política moderna. A propósito da agitação a que deu lugar a lei
do sorteio, 1908.
_______________
Isto
posto, a primeira das nossas observações atuais deduz-se logo da inspeção da
lista precedente. Ela mostra que as intervenções acerca dos extravios
solidários, diplomáticos e militaristas do governo brasileiro têm se tornado
mais frequentes depois que o Ministério do Exterior foi confiado ao Sr.
Paranhos do Rio Branco. Hora, quando se compara o conceito de que goza o Sr.Ministro
do Exterior, e os seus antecedentes, qual dos presidentes que o têm apoiado, e
quando se considera a situação do Brasil em relação às nações vizinhas, não se
pode ter a mínima dúvida de que é ao atual Sr.Ministro do Exterior que cabe a
responsabilidade capital da política dos governos brasileiros que por ele se têm
guiado, e mesmo a dos governos sul-americanos alarmados. Eis por que devemos dirigir
especialmente este apelo ao Sr.Ministro das Relações Exteriores.
_______________
Ninguém
melhor do que o Sr.Ministro sabe o alcance real dos motivos que determinaram a
sua elevação política. Porque os sucessos brasileiros dos arbitramentos aque
ligou o seu nome podem ser tão legitimamente atribuídos à preeminência do seu
patriotismo e da sua habilidade diplomática, como o fracasso brasileiro do
arbitramento em que figurou o Sr. Joaquim Nabuco pode ser imputado à falta de
civismo e à imperícia deste. Em tais litígios — como em todos os processos —, o
êxito depende sobretudo das disposições dos juízes. A justiça das causas e o
mérito dos negociadores, inseparável daquela, não podem, pois, ser aquilatados
simplesmente pela sentença, frequentemente tão cega como a sorte das guerras.
Aliás,
só por um abuso de linguagem poder seria invocar a justiça em
semelhantes pleitos. Porque as nações ocidentais disputam-se então um
território que elas arrancaram, com requintada crueldade, às ingênuas tribos
fetichistas que o povoavam. Como dizia o velho José Bonifácio, cumpre não
esquecer que todos são usurpadores.
_______________
Semelhante
reflexão mostra logo que o arrastamento com que a turba-multa dos letrados
políticos brasileiros aclamou os sucessos diplomáticos do Sr.Ministro do
Exterior foi devido unicamente à anarquia moral e mental da sociedade
contemporânea, que perdeu a moral e a fé teológicas sem ter ainda achado a
moral e a fé científicas. A marcha do povo brasileiro, lisonjeada no seu amor-próprio
nacional, acompanhou o cegamente as classes dominantes que o desnorteiam em vez
de dirigi lo.
_______________
Tais
foram as circunstâncias que determinaram o último presidente e o seu sucessor,
ligados espontaneamente pelos seus precedentes monarquistas, a confiarem a
conduta da diplomacia brasileira, e mesmo sul-americana, ao Sr.Ministro do
Exterior. Nesta situação excepcional, o Sr.Ministro podia, e pode ainda,
transformar a sua elevação política em pedestal de uma verdadeira glória,
tornando-se o promotor abençoado da paz sul-americana.
A
política positiva não discute a origem das forças sociais, e propõe-se
apenas a dirigir a aplicação dessas forças, segundo os interesses supremos da Humanidade.
E assim tem procedido o Apostolado Positivista do Brasil, desde o seu início.
Fiel
aos ensinos de Augusto Comte, o Apostolado Positivista tem, portanto, apelado
continuamente para o altruísmo e a razão do Sr.Ministro do Exterior,
esforçando-se por patentear e todo o bem que a sua posição lhe proporciona
fazer, toda a glória que daí reverterá para o povo brasileiro e para o seu nome
individual, e assinalado, indiretamente, a gravidade da condenação em que está
incorrendo e fazendo incorrer o povo brasileiro, persistindo na política
militarista do Império.
Da
mesma maneira que quando pela vamos para o altruísmo e a razão do ex-imperador
D. Pedro II, não nos desanima o contraste entre a iminente posição política do Sr.Ministro
do Exterior e a nossa humildade apostólica. Porque somos apenas órgãos, imperfeitíssimos
embora, da elite das almas humanas, mulheres e homens em todos os tempos em
todos os lugares, condensadas pela evolução social em Augusto Comte. Em tais
condições, é essa elite a quem ouviria o Sr.Ministro, e não a nós; como é essa
elite que o Sr.Ministro desconhece quando menospreza as reflexões de que somos
apenas fiéis transmissores.
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Apoiados
em tais convicções, ainda uma vez solicitamos a atenção do Sr.Ministro do
Exterior parar a meditação científica do Passado e a previsão, também científica,
da Posteridade, sem as quais o nosso tempestuoso Presente não pode ser
compreendido, e, portanto, guiado.
A
evolução da Humanidade é regida por leis naturais tão superiores à intervenção
dos homens como as leis astronômicas. Seja qual for o poder de que um povo ou
um estadista pensem dispor, em um momento dado, esse povo e esse homem são
fatalmente dominados pelas leis da evolução social. O homem se agita e a Humanidade
o conduz.
Todo
o poder dos povos e dos homens só lhe permite perturbarem momentaneamente tal
evolução, se lhe for contrário, ou acelerarem-na, se lhe for favorável. Daí
resulta que a Posteridade não poderá nem ser frustrada, nem ser corrompida, os
aplausos e os sucessos do Presente são impotentes para conter ou desviar a obra
secular das gerações.
_______________
Em
virtude dessa evolução, o futuro do povo brasileiro será o que ela determina, e
não o que o amor-próprio dos estadistas atuais pode ambicionar. Assim como o
povo brasileiro quebrou a unidade política da raça lusitana, o mesmo povo
fragmentar se há em nações independentes politicamente, desde que a
fatal vulgarização da poesia, da ciência, e da indústria, houver permitido satisfazer
plenamente às aspirações da fraternidade universal. Igualfuturo aguarda os
grandes Estados atuais, grandes pelo território. É, pois, para o
encaminhamento pacífico desse ideal inevitável de livre união religiosa, que
devem convergir todos os esforços dos verdadeiros estadistas.
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Daí
decorre o dever atual de manter a paz a todo o transe. Só a invasão do
território brasileiro, não contestado e habitado efetivamente por
brasileiros, e não simplesmente explorado por aventureiros, pode justificar
hoje a repulsa pelas armas. Mas, mesmo então, cumpre não proceder para com os
povos mais fracos ou equivalentes, como não se procederia para com os povos
mais fortes. É preciso ter sempre presente a conduta tantas vezes observada e
ainda ultimamente seguida por ocasião da ocupação inglesa da ilha da Trindade.
_______________
Ora,
seria simplesmente quimérico imaginar um ataque dessa ordem por parte das
nações que cercam o Brasil. Lemos o folhetoCorrendo o véu, e essa
leitura basta para mostrar quanto seria fácil ao Sr.Ministro do Exterior
dissipar todas as apreensões ali enumeradas.
A
homogeneidade social dos povos sul-americanos assegura desde logo ao povo
brasileiro, à vista de uma superioridade numérica e de sua posição geográfica,
uma força política que o torna o principal responsável pela página América do Sul.
Acresce que a vulgarização da Religião da Humanidade aqui, vulgarização que não
existe em grau comparável nas outras nações sul-americanas, inclusive o Chile,
apesar dos esforços dos nossos correligionários Lagarrigue, torna essa
responsabilidade ainda mais irrecusável.
_______________
De
sorte que, da elevação moral e política do governo brasileiro depende
essencialmente hoje a dissipação de todas as prevenções e preconceitos nacionalistas
dos povos que rodeiam o Brasil, em relação a este.
Por
outro lado, a política positiva demonstra que, apesar dos manejos quaisquer da
política brasileira, a paz sul-americana poderia ser mantida, se as nações que
rodeiam o Brasil ouvissem os conselhos de Augusto Comte. Mas a falta de
propaganda positivista sistemática nessas nações as expõeàs ciladas de um cego
amor-próprio nacional. E isso constitui uma atenuante para os extravios
políticos dos respectivos governos, atenuante que se torna agravante para a
conduta militarista do governo brasileiro.
_______________
Cremos
que seria inútil insistir mais para patentear ao Sr.Ministro do Exterior quanto
urge que ele coloque a sua elevação política ao serviço real da causa da Humanidade,
que é, ao mesmo tempo, a causa do povo brasileiro. Semelhante atitude lhe granjearia
uma glória imortal; ao passo que a persistência da diplomacia imperial só pode
acarretar uma inevitável condenação por parte da elite dos contemporâneos e do
conjunto da Posteridade, tanto sobre a sua memória, como sobre esta angustiosa
fase
histórica do povo brasileiro.
_______________
Quanto
à nossa segunda ordem de reflexões, refere-se à conduta dos republicanos
brasileiros, isto é, daqueles para os quais a república significa a supremacia
da fraternidade universal, buscando na poesia, na ciência, e na
indústria, os únicos elementos da grandeza nacional.
Os
nossos antecedentes históricos e toda a evolução brasileira e americana, depois
da nefanda guerra do Paraguai, induzem a crer que a agitação militarista atual
e os extravios imperialistas da diplomacia brasileira não terão poder de
suscitar uma nova luta fratricida entre as nações sul-americanas. Entretanto,
essas cruéis circunstâncias bastam para fomentar um sobressalto político e
moral extremamente favorável a todas as perturbações sociais.
_______________
Nessas
condições, devemos recordar que a nenhum patriota, civil ou militar, é
lícito colaborar na política imperialista atual do governo brasileiro, e muito
menos tomar parte em guerras que possam resultar de tal política. Todos os
sacrifícios, pessoais, domésticos, e cívicos, devem ser preferidos, sem
hesitação, a contribuir-se para a renovação das monstruosas lutas que têm
ensanguentado e desonrado a memória dos povos americanos.
Cumpre,
pois estarem todos preparados para recusar obedecer a qualquer ordem do governo
nesse sentido, preferindo os ultrajes de que foi vítima o velho José Bonifácio,
por parte dos seus contemporâneos, e mesmo o martírio de Tiradentes, votado à
infâmia pelos que se proclamavam então os órgãos do povo lusitano. Tudo deve
ser aceito, menos prestar-se a ser instrumento de estadista que se
transformarem em algozes da humanidade e das pátrias sul-americanas.
E
temos fé que os brasileiros de onde não consentiram em ser cegamente arrastados
a macular sacrilegamente, em carnificinas de canibais, o emblema de aspirações
regeneradoras da Humanidade, que Benjamin Constant lhes legou. Para afastarmos
horrorizados tamanha catástrofe, basta a lembrança de que a política imperial
que se tenta reviver conduziu os nossos antepassados a profanarem, em ferozes
guerras fratricidas, civis e sul-americanas, e na persistência dos crimes em
nome da escravidão africana, o símbolo que o velho José Bonifácio lhes dera, a
fim de evocar habitualmente as mesmas aspirações, resumidas desde então na sua
fórmula: A sã política é filha da moral e da razão.
Pela Igreja e Apostolado
Positivista do Brasil,
R. Teixeira Mendes,
Vice-Diretor
Em nossa sede, Templo da Humanidade,
rua Benjamin Constant, nº 30.
Rio, 10 de Moisés de 120 (10 de
janeiro de 1908).
(Publicado
na seção ineditorial do Jornal do Commercio de 11 de janeiro de1908)
17 agosto 2025
Carta a um aspirante ao sacerdócio positivo
No dia 5 de Gutenberg de 171 (17.8.2025) realizamos uma prédica extraordinária, consistindo exclusivamente na leitura da apresentação pessoal realizada no final do mês de César deste ano.
Com as devidas alterações, essa apresentação pode ser entendida como uma "carta a um aspirante ao sacerdócio positivo", cujo texto está reproduzido abaixo.
A prédica foi transmitida no canal Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/live/BHdxB9CeVO0?si=uWvHXJ9D6S8fs386).
* * *
Apresentação pessoal; ou carta a um aspirante ao sacerdócio da Humanidade
O
documento abaixo foi inicialmente redigido para exposição em uma prédica
positiva realizada em 28 de César de 171 (20.5.2025)[1].
Desde o início planejamos elaborar a partir delas uma separata, fosse para
divulgação do texto em si, fosse como roteiro de um vídeo curto unicamente
dedicado à nossa apresentação pessoal.
Entretanto,
em uma conversa pessoal que mantivemos com nosso amigo Hernani Gomes da Costa
logo após a prédica, ele sugeriu que tal separata fosse chamada de “Carta a um
aspirante ao sacerdócio da Humanidade”, na medida em que, na generosa
apreciação de Hernani, nossa exposição, para além da apresentação propriamente
pessoal, reúne e resume alguns dos mais importantes elementos necessários à
preparação e à atuação do sacerdócio da Humanidade.
Dessa
forma, a exposição inicial foi adaptada para transformar-se neste documento. Esperamos
que os comentários abaixo correspondam à gentil e simpática apreciação de nosso
amigo e que possam efetivamente ser úteis a todos aqueles que desejam trilhar o
importante, honroso e árduo caminho do sacerdócio da Humanidade.
___
Caras amigas, caros amigos, caras irmãs, caros irmãos na Humanidade:
Escrevo
estas palavras com a esperança de que, a partir da minha experiência e
considerando as exigências morais, intelectuais e práticas, seja mais fácil
para vocês a orientação rumo ao sacerdócio da Humanidade.
Embora
eu estude, defenda, divulgue e aplique o Positivismo há algumas décadas, faz
somente alguns anos que realizo prédicas, em particular na internet; essas prédicas têm sido realizadas em diferentes modelos
e creio ter um reconhecimento crescente de minhas atividades.
Desde o
início eu parti do pressuposto de que, mais que por meio de títulos e pompas, a
minha atuação deveria legitimar-se ao
longo do tempo pela qualidade dessa
atuação, na medida em que eu atuasse como um verdadeiro e efetivo poder Espiritual: assim, eu procuro realizar exposições
claras, honestas, competentes, úteis, informativas, elaboradas com autonomia e
responsabilidade, respeitando e valorizando o público.
Após
alguns anos fazendo as prédicas, eu creio que convém agora fazer uma
apresentação pessoal, para expor os parâmetros que eu adoto em minhas
exposições. O objetivo, no fundo, é bem simples: é ganhar, ou reforçar, a
confiança do público no sacerdócio, sendo que essa confiança tem que ser ao
mesmo tempo no conjunto do sacerdócio
e em cada um dos sacerdotes. Estes
comentários assumem, portanto, ao mesmo tempo um aspecto de apresentação pessoal e também de prestação pública de contas, dentro do
que nosso mestre advogava como sendo o “viver às claras”. De qualquer maneira,
em termos de prestação de contas, esta exposição é complementar às “circulares
anuais” que tenho elaborado para a Igreja Positivista Virtual, dando
continuidade a uma prática iniciada por Augusto Comte e continuada pelos
seguintes grandes sacerdotes e apóstolos da Humanidade, embora lamentavelmente
interrompida nas últimas décadas pelos vários (supostos) órgãos do poder
Espiritual positivo.
Antes
de passar diretamente para a carta, uma última observação preliminar. Como é
natural, nas prédicas eu costumo usar a primeira pessoa do plural (o “nós”),
seja na forma do plural modéstico, seja na forma do plural majestático; mas,
como esta carta consiste em uma apresentação e uma justificativa pessoais, nesta exposição eu usarei a
primeira pessoa do singular (o “eu”).
Então,
vamos lá. Eu sou Gustavo Biscaia de Lacerda; sou sacerdote da Religião da
Humanidade e Diretor e fundador da Igreja Positivista Virtual. Sou sacerdote da
Humanidade porque sou oficiante da Religião da Humanidade; além disso, sou
apóstolo da Humanidade, pois sou difusor da Religião da Humanidade; nas duas
situações, minha preocupação, minha pretensão é a de ser um órgão do poder
Espiritual positivo.
Para cumprir
essas atribuições, procuro seguir as orientações da Igreja e Apostolado
Positivista do Brasil, conforme as disposições de 1881 (na época da fundação da
IPB) e os Expedientes de 1917/1927 (estabelecidos nas transformações de Miguel
Lemos e R. Teixeira Mendes), que, por sua vez, basearam-se nas orientações de
Augusto Comte. Ainda assim, é claro que as disposições que adoto consideram a
história do Positivismo, ou seja, as inúmeras experiências concretas do Positivismo,
bem como a situação moral, social e intelectual em que vivemos atualmente.
Procuro
filiar-me à tradição moral e prática estabelecida pela Igreja Positivista do
Brasil: a tradição oral das práticas
efetivas da IPB é importante, mas em última análise a mera repetição oral de
tradições é insuficiente e tem que
ser lastreada em documentos públicos,
que assumem o aspecto de documentos escritos
e publicados. Esses documentos, que
realizam o “viver às claras”, garantem a realidade, a certeza e a clareza das informações
e permitem que evitem e/ou resolvam ambiguidades, dificuldades, incertezas,
além de oferecerem parâmetros para aplicação concreta do Positivismo.
Uma
preocupação constante de minha atuação é com a “atualização” do Positivismo. Eu
já dediquei algumas prédicas a esse tema; considero que atualizar o Positivismo
consiste em adaptá-lo à realidade em que vivemos, utilizar os meios adequados e
disponíveis à sua difusão e aplicá-lo à realidade concreta vivida pelos seres
humanos. Há aspectos específicos da doutrina positivista que podem, e até
devem, ser revistos, em face de desenvolvimentos posteriores às elaborações de
Augusto Comte: entretanto, por um lado são aspectos muito pontuais (geralmente
relativos a questões especificamente científicas) e, por outro lado e mais
importante, o conjunto da obra de nosso mestre e a quase totalidade de suas
concepções mantêm-se relativisticamente inalteradas, em particular em termos
sociológico-morais, filosóficos, cultuais e de regime.
Em
particular, eu rejeito a tendência, muito própria aos hábitos mentais
contemporâneos – profundamente marcados pela metafísica e por sua criticidade
destruidora –, segundo os quais a “atualização” do Positivismo na prática consistiria
em “rever”, negar, desprezar a obra de Augusto Comte, sem nenhuma preocupação
com relativismo, simpatia, organicidade e veneração. Esses hábitos mentais (mais
uma vez: profundamente metafísicos) são particularmente ativos no jornalismo
diário e nas academias, ambientes nos quais o novidadismo destruidor, antiorgânico
e antissimpático apresenta-se como virtuoso e progressista; isso tudo com
freqüência é esgrimido por pessoas que se aproximam do Positivismo mas
desconhecem a doutrina e, em particular, não entendem seus sentimentos, suas
idéias e suas preocupações práticas.
Voltando
às diretrizes estabelecidas pela Igreja Positivista do Brasil e o respeito que
tenho por elas. Eu tenho, por um lado, um respeito geral a essas diretrizes e um
respeito à autoridade moral e espiritual – subjetiva
– de Miguel Lemos e Teixeira Mendes; por outro lado, como órgão empírico da
Religião da Humanidade, mantenho autonomia objetiva
em minhas atividades e decisões. Dessa forma, em última análise, a responsabilidade por minhas ações é minha,
sendo pessoal e intransferível. (O sacerdócio empírico é aquele que surge espontaneamente em algum lugar, a
partir das necessidades sociais e das vocações individuais; o sacerdócio sistemático é aquele que se perpetua ao
longo do tempo, que se constitui, prepara-se e legitima-se de acordo com os
parâmetros positivos, especialmente os da hereditariedade sociocrática.)
A responsabilidade pessoal e intransferível
pelas opiniões e ações do poder Espiritual é uma característica inerente a
todos os servidores da Humanidade, quer sejam espirituais, quer sejam temporais;
em qualquer caso, essa responsabilidade é condição e garantia da confiança
depositada pelo público no servidor da Humanidade. Se isso é válido para
qualquer servidor da Humanidade, é ainda mais válido para o sacerdócio
positivo, cuja atuação baseia-se essencialmente na confiança depositada em si
pelo público. Além disso, a responsabilidade pessoal e intransferível também se
verifica na medida em que, conversando com outros positivistas, pedindo
esclarecimentos e sugestões – em particular de nosso amigo de longa data,
Hernani Gomes da Costa –, as opiniões expostas e as ações tomadas são sempre
decididas e assumidas em última análise por mim. Isso não é personalismo, que seria incompatível com
o altruísmo positivista, mas de responsabilização
clara, consciente e pública do servidor da Humanidade por suas ações.
Nascido
no ano 113 da era normal (1977), atualmente eu tenho 48 anos de idade e sou
positivista desde os 16 anos; nasci e vivo em Curitiba, capital do Paraná;
minha profissão é de sociólogo, que exerço na Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Olhando para trás, posso dizer que, desde que conheci o Positivismo e
mesmo antes, sempre me orientei para o
sacerdócio da Humanidade, valorizando o conhecimento do ser humano,
valorizando a moral e a moralidade, assim como valorizando o conhecimento
positivo de modo geral. Em termos de carreira acadêmica e profissional, fiz
graduação em Ciências Sociais (na UFPR), mestrado em Sociologia (na UFPR) e
doutorado em Sociologia Política (na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC));
também fiz um pós-doutorado em Teoria Política (na UFSC) e um em Filosofia das
Ciências (na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)); desde 2004 sou
sociólogo profissional na UFPR.
Eu sou
(1) positivista (2) religioso e (3) sacerdote da Humanidade. Para mim, cada um
desses aspectos significa o seguinte.
Como positivista, entendo que a obra de
Augusto Comte é uma única, embora evidentemente ela tenha passado por
diferentes fases, que correspondem a um longo, importante e necessário processo
de amadurecimento moral e intelectual. Esse processo teve um ponto de inflexão
particularmente importante durante o belo “ano sem par”, quando nosso mestre
conheceu e apaixonou-se pela angélica Clotilde de Vaux, mulher de qualidades
superiores, à altura do amor e da missão de nosso mestre. Isso culminou na
criação da Religião da Humanidade, que, por seu turno, teve precisa e
necessariamente como primeiro
sacerdote – mas não único sacerdote –
Augusto Comte. Em face da Religião da Humanidade, procuro ser um positivista completo, também chamado de “ortodoxo”
ou, mais corretamente, de “religioso”, ao mesmo tempo em que me distancio dos
positivistas incompletos, ou heterodoxos, que são meramente cientificistas e
com freqüência anticlericais e/ou ateus.
Como
positivista completo, ou ortodoxo, e
ainda mais como sacerdote e apóstolo, procuro conhecer a obra de Augusto Comte
diretamente na fonte, além de conhecer a obra de outros positivistas. É claro
que “conhecer a obra” inclui não somente conhecer os livros canônicos (a Política positiva, o Catecismo positivista, a Síntese subjetiva etc.), mas também as cartas
e as ações concretas (conforme expostas em relatos de discípulos, parentes e
amigos) de Augusto Comte. De modo central, além de conhecer, é claro que também
me esforço para aplicar essas
concepções.
Sendo
um positivista religioso e tendo a pretensão de ser um sacerdote e um apóstolo da Humanidade, não apenas correspondo à
exigência intelectual fundamental – conhecer a obra de Augusto Comte e ser
capaz de expor e explicar com autonomia e responsabilidade pessoal o Catecismo positivista e as últimas
concepções de nosso mestre –, como também procuro cumprir as exigências morais,
sociais e práticas correspondentes, em particular no sentido da separação entre
os dois poderes. Sou (1) um apóstolo
porque difundo a Religião da Humanidade e
tenho conhecimento da doutrina; sou (2) um sacerdote porque atuo (ou
procuro atuar) como um representante do poder Espiritual positivo e, além
disso, ministro os sacramentos da Religião da Humanidade; em ambos os
casos, (3) cumpro os requisitos exigidos para
cada uma dessas atuações.
A minha
condição de apóstolo e, principalmente, de sacerdote vincula-se também à
necessidade urgente de reconstituição dos quadros positivistas, especialmente
em termos práticos. A esse respeito, é necessário afirmar que a concepção de
que só houve um único sacerdote da Humanidade – Augusto Comte –, sem a
possibilidade de haver nenhum outro, embora em si mesma seja generosa, é uma
concepção radicalmente equivocada,
baseada em uma devoção mal orientada, ignorante da doutrina e daninha para a
prática religiosa.
A
reconstituição atual dos quadros positivistas é um objetivo real e ocorre de
fato por diferentes meios. Para nossa felicidade, podemos dizer com segurança
que não apenas a Igreja Positivista Virtual é uma realidade concreta como
também o Templo Positivista de Porto Alegre é atuante e, além disso, há alguns
anos fundou-se o Apostolado Positivista da Itália. Saímos, portanto, das
angustiantes situações, vividas até algumas décadas atrás, em que não havia
mais núcleos positivistas atuantes ou em que havia somente um único.
Também
é fundamental lembrar e afirmar que não basta alguém querer ser líder espiritual
apenas devido a uma pretensão de ser líder espiritual; a mera pretensão, se for
uma pretensão vazia, baseia-se em vaidade e resulta em prepotência, enganos e
equívocos. Embora a vaidade e o orgulho sejam motivadores até importantes e embora eles impressionem bastante os ignorantes
e os incautos, eles são insuficientes como fundamentos para a vida
sacerdotal/apostólica e, ao longo do tempo, como já tivemos inúmeras ocasiões
de comprová-lo (no Brasil e em outros países), são desastrosos para o
Positivismo. Para a liderança espiritual, é necessário conhecer a doutrina,
praticá-la, viver conforme seus parâmetros, difundi-la e ser um exemplo dela;
em outras palavras, realmente é necessário cumprir inúmeros requisitos morais,
intelectuais, práticos e sociais.
Seja
por temperamento, seja devido ao Positivismo, entendo os títulos e a pompa como
formas que a vaidade mais tola e mais superficial tem para justificar-se e
impor-se, especialmente quando essa vaidade é ignorante e sem méritos
verdadeiros, ou seja, quando ela é vazia. Lembro que os sacerdotes, assim como
os integrantes do poder Espiritual de modo geral, têm que ter uma certa
vaidade, na medida em que a vaidade é o instinto egoísta que busca a aprovação
alheia; mas as atividades sacerdotais não podem resumir-se a satisfazer essa
vaidade, pois isso no final das contas tem como resultado a degradação da doutrina e do sacerdócio,
muito mais que a degradação do próprio vaidoso. Da mesma forma, embora a pompa
estimulada pela vaidade impressione bastante o comum das pessoas, ela resulta
em apoios equívocos e equivocados. Dessa forma, nossa missão como poder
Espiritual positivo consiste também em, por um lado, rejeitar a pompa, a
vaidade vazia, a ignorância e, por outro lado, em valorizar a visão de
conjunto, a existência real de atributos morais, intelectuais e práticos, a
atuação social e individual efetiva.
Em vez
de perseguir a satisfação da vaidade e/ou do orgulho, o poder Espiritual deve
manter uma relação de responsabilidade, seja para com a Humanidade em geral,
seja para a sociedade particular em que vive, seja para com os membros de sua
igreja. Em outras palavras, em vez de o apóstolo e/ou o sacerdote buscar uma
satisfação infantil ao ser ouvido e/ou obedecido pelos demais, o parâmetro que
deve guiar a sua atuação é a responsabilidade decorrente da confiança depositada
nele, como representante sistemático ou empírico da Humanidade, e que em termos
concretos consiste em que o público que ouve o sacerdote e/ou apóstolo confia
em seus conselhos e leva-os a sério.
Mudando
um pouco de âmbito, passando para o da separação entre os dois poderes: não sou filiado a nenhum partido político;
nunca concorri a nenhum cargo público eletivo; não pratico o jornalismo como
profissão; não uso o Estado para difundir a doutrina. Essas restrições não
têm nada de excepcionais e são elementares para o sacerdócio da Humanidade. Na
verdade, considerando as exigências próprias a cada um dos dois poderes
fundamentais (o poder Espiritual, que esclarece e aconselha, e o poder
Temporal, que manda), tenho clareza de que quem pretende ser apóstolo da
Humanidade (ou sacerdote de qualquer doutrina) não pode nunca concorrer a
cargos e, inversamente, quem concorre não pode nunca ser apóstolo e/ou
sacerdote. Além disso, não promovo outras
doutrinas nem outras associações que possam concorrer, direta ou indiretamente,
com o Positivismo. Na verdade, explicitamente rejeito qualquer ambigüidade a esse respeito: quando eu
manifesto-me, procuro sempre deixar claro que é com base no Positivismo, quer
seja em termos estritamente pessoais, quer seja quando falo em termos mais
gerais.
O
sofrimento não é mérito, mas às vezes ele pode evidenciar compromissos íntimos,
especialmente por meio do martírio. Nesse sentido, a minha vinculação, a minha
identificação e a minha vida conforme o Positivismo são suficientemente grandes
e são atestadas por dificuldades e exclusões que sofri ao longo dos anos exatamente
porque sou positivista. Um exemplo claro é a censura sofrida em concurso
público para professor de Ciência Política na UFSC, em 2011, quando a banca,
presidida por um liberal católico, proibiu-me de lecionar lá porque sou
positivista – embora, em contraposição, feministas, marxistas, liberais,
anarquistas etc. etc. tenham permissão para lecionar nas universidades públicas
e para usar essas instituições como púlpitos em vez de cátedras. Vale notar que
o uso que se faz das universidades como púlpitos e não como cátedras (1)
despreza a separação entre o poder Espiritual e o poder Temporal, (2) confunde
e degrada o poder Espiritual, (3) atrapalha, dificulta e, no limite, impede a
reorganização espiritual e (4) justifica, mais uma vez, muitas das críticas de
Augusto Comte às instituições acadêmicas. Além disso, com freqüência comento
nas prédicas que o ambiente metafísico atualmente reinante na sociedade (ocidental)
e na universidade gera equívocos e u’a mentalidade contrária ao Positivismo,
que nos impede de falar, ao mesmo tempo em que se mente a nosso respeito e
difundem-se doutrinas e “ideologias” daninhas à sociedade e ao ser humano.
Como é
natural, os caminhos que levam ao Positivismo são muito variados; há quem
chegue a ele pela filosofia, há quem
chegue pela política, há quem chegue
pelo coração, ou seja, pela
inteligência, pela atividade prática e/ou pelos sentimentos. Conforme eu
entendo a Religião da Humanidade, ela satisfaz e deve satisfazer cada um desses
caminhos, ou melhor, cada um desses aspectos, ao mesmo tempo em que a Religião
da Humanidade evidencia que os outros aspectos da vida humana também devem ser,
necessariamente, satisfeitos.
O meu
caminho foi basicamente intelectual e moral: adolescente, eu procurava uma
orientação na vida, mas também me preocupava com a política. Chegando ao
Positivismo, obtive essa orientação moral, intelectual e prática de que
precisava; mas, para mim muito mais importante que isso, eu descobri e
reconheci cada vez mais a importância do coração, que no fundo é o aspecto
principal da Religião da Humanidade. Além disso, outros aspectos fundamentais
do Positivismo – a afirmação da visão de conjunto e da realidade da totalidade
humana – são concepções que cada vez mais aplico no conjunto da minha vida.
Como
sacerdote e como apóstolo da Humanidade, entendo o aspecto de aconselhador do poder Espiritual: isso
implica não somente que devo rejeitar a imposição das minhas crenças pelo
Estado – bem como de qualquer outra crença –, mas que também devo ser um bom conselheiro para quem
precisa de conselhos. Ora, o aconselhamento próprio ao poder Espiritual é coletivo – em termos políticos, sociais
e morais – e também individual – em
termos igualmente políticos, sociais e morais.
O
aconselhamento coletivo dá-se por
meio da apreciação de temas de interesse público e realiza-se na leitura
comentada das obras de Augusto Comte, nos sermões das prédicas e quando elaboramos
“manifestos” políticos e sociais. Já o aconselhamento privado ocorre tanto por meio das prédicas em geral – que, afinal,
são vistas e acompanhadas por indivíduos
– quanto por meio de aconselhamentos especificamente pessoais.
Se é
verdade que os indivíduos só existem como abstrações, também é verdade que a
Humanidade é um ser composto, que existe em última análise pelos indivíduos; da
mesma forma, a ação sacerdotal modifica a sociedade também pela modificação dos
indivíduos: não podemos deixar de lado o aconselhamento, o apoio, a valorização
dos membros individuais de nossa igreja e, de modo mais amplo, da Humanidade. É
importante eu notar que, enquanto eu preparei-me de modo especial ao longo de
minha carreira em particular para o aconselhamento coletivo, o sacerdócio da Humanidade não pode nunca descuidar do
aconselhamento individual: por esses motivos, e por muitos outros ainda,
tenho-me dedicado cada vez mais a conhecer como lidar e como auxiliar de fato
os indivíduos que acorrem ao
Positivismo. A preocupação com o aconselhamento individual tem-se desenvolvido
ao longo das prédicas, como resultado das interações ocorridas nas prédicas e
também como resultado do amadurecimento de minhas atividades como sacerdote e
apóstolo.
O
último aspecto que quero comentar é que as prédicas têm evoluído ao longo do
tempo. Minha atuação na Igreja Positivista Virtual dá-se basicamente pelas
prédicas, que realizo toda terça-feira a partir das 19h, nos canais Positivismo (Youtube.com/ThePositivism) e Igreja Positivista Virtual (Facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual
e Instagram.com/IgrejaPositivistaVirtual).
Quando
eu iniciei as minhas prédicas à distância, já ocorriam nas manhãs de domingo as
reuniões realizadas pelo Guardião do Templo Positivista de Porto Alegre, Érlon
Jacques de Oliveira: com a especial e consciente preocupação de não o
atrapalhar nem criar uma concorrência com ele – concorrência que seria
desnecessária, desleal, contraproducente e antipositivista –, decidi realizar
as minhas prédicas no meio da semana e à noite.
Sendo o
progresso o desenvolvimento da ordem correspondente, creio que, aos poucos e
cada vez mais, modifiquei e incrementei as prédicas, no sentido de torná-las
mais sintéticas, mais orgânicas e mais simpáticas, ou seja, mais úteis, mais
claras, mais interessantes, mais responsáveis e mais abertas ao diálogo. Esse
progresso paulatino e incremental dá-se por meio de ajustes em meus procedimentos;
no aumento de atividades; na diversificação das atividades; na mudanças
de canais para transmissão; no estudo e no aperfeiçoamento das condições e
das práticas de aconselhamento. O progresso
paulatino e incremental também se dá, na medida de minhas possibilidades, por
meio do estudo e da pesquisa sobre tudo quanto é dito e comentado nas prédicas,
especialmente em termos de observações e dúvidas manifestadas pelo público;
esse estudo é feito para que eu possa responder e comentar satisfatoriamente o
que é dito pelo público e possa, portanto, aconselhar e orientar adequadamente.
Assim,
sem pretender que o formato atual das prédicas seja excelente ou final, tenho
certeza de que elas são hoje muito melhores do que eram no início – e isso não
porque tenho agora maior desenvoltura na exposição, mas porque as prédicas
estão melhor estruturadas, com mais elementos que indicam melhor o seu aspecto
religioso e que satisfazem melhor as necessidades coletivas e as individuais.
Nesta
carta eu comentei vários aspectos; a respeito de alguns eu aprofundei-me um
pouco, a respeito de outros eu só fiz breves comentários; além disso, muitas
outras questões não foram abordadas. O que eu abordei foi o que me pareceu – no
momento em que redigi esta carta – mais relevante para apresentar as principais
características e diretrizes da minha atuação como sacerdote e apóstolo da
Religião da Humanidade. Alguns aspectos eu expus explicitamente, mas muitos
outros eu deixo para que vocês, que têm interesse no sacerdócio positivo,
procurem por si mesmos as indicações; é claro que as melhores exposições
doutrinárias a respeito estão nas obras de Augusto Comte e de vários apóstolos
da Humanidade (a começar pelos nossos Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes).
No final das contas, espero que esta carta tenha sido clara, útil e estimulante.
Saúde e fraternidade,
Gustavo Biscaia de Lacerda
Curitiba,
5 de Gutenberg de 171 (17.8.2025).
[1] As anotações originais da prédica estão disponíveis aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/05/apresentacao-pessoal-formula-destinacao.html; já o vídeo dessa prédica pode ser visto aqui: https://www.youtube.com/live/wE5V1Z59bV8?si=Pn5x9RyN69sYKKCx. Acesso em 21.5.2025.
27 maio 2025
Igreja Positivista do Brasil: Regimento (1881)
![]() |
Miguel Lemos (19.5.1886) |
Extraído das capas internas da edição brasileira do Apelo aos conservadores[1]
IGREJA E APOSTOLADO POSITIVISTA DO BRASIL
_______________________
GRÊMIO GERAL
I. A Igreja e o
Apostolado Positivista do Brasil compõe-se do conjunto de indivíduos e de
famílias que aceitam integralmente a Religião da Humanidade, fundada por
Augusto Comte, e que reconhecem a autoridade espiritual do Apostolado
Positivista do Brasil.
II. Ela compreende
um grêmio geral constituído pela totalidade dos fiéis e um núcleo de direção
espiritual formado por aquele Apostolado.
III. Os fiéis
dividem-se, por sua vez, em dois grupos caracterizados respectivamente pelas
denominações de positivistas completos
e de prosélitos.
IV. Os primeiros se
comprometem ao cabal cumprimento de todos os deveres positivos e negativos
prescritos pela sua religião, harmonizando em tudo a conduta com a fé que
professam.
V. Os segundos,
conquanto participem da mesma plenitude de crenças e reconheçam igualmente a direção
espiritual do Apostolado, não podem ainda, ou por deficiência de preparação
própria, ou por circunstâncias exteriores, aceitar em toda a sua extensão o
mesmo compromisso.
A apreciação dos
obstáculos peculiares a cada caso individual compete ao Diretor do Apostolado.
VI. Os positivistas
completos poderão receber todos os sacramentos conferíveis pelo Diretor do
Apostolado; os prosélitos, porém, só receberão as consagrações compatíveis com
a situação especial de cada um.
VII. Tanto os
primeiros como os segundos comprometem-se especialmente:
1. A não aceitar
cargos políticos durante a fase empírica da transição moderna, tal como foi
definida por Augusto Comte;
2. A não exercer
funções nos estabelecimentos oficiais de ensino superior e secundário, com exceção
das escolas destinadas a preparar os professores primários.
Os que já forem
professores em tais estabelecimentos antes de se converterem ao positivismo
considerarão essa situação como provisória e farão a promessa solene de se
esforçarem por deixar os respectivos cargos dentro de um prazo que cada qual
determinará para si, com a aprovação do Diretor do Apostolado;
3. A não fazer parte
de associações científicas, literárias ou políticas.
4. A não fazer parte
do jornalismo, diário ou não, quer como redator ou simples colaborador, quer
como proprietário ou associado, e a só recorrer a este meio de publicidade para
comunicações urgentes e de efeito imediato, ou para simples anúncios;
5. A não auferir
lucros pecuniários das publicações que fizerem, a assiná-las com o seu nome e
assumir a inteira responsabilidade moral e legal que daí decorre.
VIII. Ao Diretor do
Apostolado cabe exclusivamente deferir ou indeferir os pedidos de admissão na
Igreja, baseando-se essas decisões numa escrupulosa apreciação de cada caso
individual.
IX. Os postulantes
deverão ser maiores de idade, contar já um ano, pelo menos, de iniciação
positivista; e, tratando-se de senhoras solteiras, ainda sob a autoridade
paterna, ou outra equivalente, deverá o pedido ser acompanhado do consentimento
escrito do pai, ou de quem as suas vezes fizer.
Quanto às senhoras
casadas, não poderão também ter ingresso em nossa Igreja senão mediante um
consentimento análogo por parte de seus maridos.
X. A admissão de uma
mãe de família no grêmio da Igreja importa a incorporação religiosa de seus
filhos menores.
XI. É dever
elementar de cada fiel concorrer periodicamente para o subsídio geral da
Igreja, com uma quota que ele próprio arbitrará.
XII. Serão
considerados como tendo renunciado a permanecer em nosso grêmio os que durante
um ano seguido deixarem, sem motivo justificado, de contribuir para o sustento
material da Igreja.
XIII. Ao Diretor do
Apostolado cabe outrossim excluir do nosso grêmio os membros que aberrarem da
fé e disciplina comuns, que faltarem com reincidência aos compromissos tomados,
ou que se tornarem indignos pela sua conduta pessoal, doméstica, ou cívica.
NÚCLEO ESPIRITUAL
XIV. O elemento coordenador da Igreja é constituído pelo Apostolado Positivista do Brasil, composto dos positivistas completos que se consagram sistematicamente à propagação da nossa fé e ao exercício das funções espirituais que a situação atual comporta e exige.
XV. Nele
distinguem-se dois graus: o de aspirante, na idade de 28 anos, e o de apóstolo
propriamente dito, aos 35 anos.
XVI. São condições
essenciais para o apostolado sistemático:
1. Uma preparação
teórica cujo grau pode ser avaliado mediante a seguinte fórmula: ser
suficientemente capaz de explicar o Catecismo positivista de Augusto Comte, com
os complementos relativos à teoria da transição moderna e às últimas concepções
do Mestre;
2. Uma abnegação
temporal caracterizada pela obrigação de viver exclusivamente de um modesto
subsídio fornecido pela Igreja, logo que esta o possa fazer;
3. Uma preparação
moral resumida num digno casamento.
XVII. Ao Apostolado
ficarão adidos os artistas positivistas que, aceitando a condição de abnegação
temporal acima declarada, consagrarem a sua aptidão estética à propaganda e ao
culto da nossa religião.
LIGA RELIGIOSA
XVIII. Finalmente
sob o título de – Liga Religiosa – compreende-se a associação espontaneamente
formada pelo apoio de todos quantos simpatizam com a missão do Apostolado, ou
porque já se sintam inclinados a aceitar as soluções positivistas, ou porque,
embora filiados a outros credos, reconhecem a utilidade social dos nossos
esforços no sentido de estabelecer as condições gerais necessárias à realização
da reforma religiosa.
XIX. A adesão a esta
liga religiosa apenas supõe uma contribuição material permanente, cujo quantum fica ao arbítrio de cada um.
XX. As senhoras,
porém, poderão ser dispensadas deste concurso pecuniário, substituído então por
um ato de adesão explícita à Liga Religiosa.
[1] Augusto Comte, Apelo aos conservadores, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898.