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15 outubro 2025

Espiritualismo, materialismo e positividade

No dia 7 de Descartes de 171 (14.10.2025) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (em sua Primeira Parte - doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores).

No sermão abordamos uma renovada e sofística oposição entre o "espiritualismo" e o "materialismo", bem como a necessária superação pela positividade.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://youtube.com/live/B-27eYhFLh0) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/1133894912208527).

As anotações escrivas que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *

Espiritualismo vs. materialismo

(7.Descartes.171/14.10.2025) 

1.      Invocação inicial

2.      Datas e celebrações:

2.1.   Dia 11 de Descartes (18.10): nascimento de Frederic Harrison (1831 – 194 anos)

2.2.   Dia 11 de Descartes (18.10): nascimento de Benjamin Constant (1836 – 189 anos)

2.3.   Dia 13 de Descartes (20.10): transformação de José Lonchampt (1890 – 135 anos)

3.      Celebração do fim da guerra Israel-Hamas

3.1.   Esse conflito, iniciado há pouco mais de dois anos, foi trágico para as duas populações envolvidas (ainda que em grau muito maior para os palestinos) e indica a imoralidade, a inutilidade e a irracionalidade das guerras contemporâneas

3.1.1.     Os beligerantes – do Hamas e o Estado de Israel – atuaram de maneira flagrante e escandalosamente contrária aos interesses supremos da Humanidade, ou seja, à fraternidade, à concórdia, à tolerância, ao respeito mútuo; não por acaso, esses grupos são imbuídos de concepções absolutas, intolerantes, fanáticas

3.2.   O Hamas é mesmo um grupo terrorista, que atua para destruir o Estado de Israel, com o apoio do Irã

3.2.1.     A invasão e o seqüestro, realizados em 7 de outubro de 2023, foram brutais, criminosos e serviram como instrumento do Irã contra o Acordo de Abraão, que serviria para normalizar as relações entre Israel e a Arábia Saudita

3.3.   Por outro lado, a reação do Estado de Israel contra o Hamas foi totalmente criminosa, em que a guerra de defesa logo se converteu em genocídio sistemático da população palestina

3.3.1.     Para evitar qualquer ambigüidade, referimo-nos ao “Estado de Israel” e não à população israelense: os responsáveis pelo genocídio e pela política de terra arrasada são os atuais governantes

3.3.2.     O genocídio promovido pelo Estado de Israel foi planejado, executado e apoiado por grupos racistas e fanáticos, totalmente contrários à solução dos “dois estados” e que desejavam transformar a Faixa de Gaza (bem como a Cisjordânia) em resorts de luxo

3.4.   Assim, é motivo de alegria o fim dessa guerra escabrosa, que talvez resulte na regularização da Palestina (ou, pelo menos, da Faixa de Gaza)

4.      Leitura comentada do Apelo aos conservadores

4.1.   Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

4.1.1.     O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

4.1.1.1.           O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

4.1.1.2.           Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

4.2.   Outras observações:

4.2.1.     Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

4.2.2.     O capítulo em que estamos é a “Primeira Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”

4.3.   Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

5.      Exortações

5.1.   Sejamos altruístas!

5.2.   Façamos orações!

5.3.   Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

5.4.   Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

6.      Sermão: espiritualismo vs. materialismo

6.1.   Este sermão adotará inicialmente um tom duro em sua exposição

6.1.1.     Mas, evidentemente, seguindo o método positivo e a inspiração altruísta, é claro que após as necessárias críticas trataremos de apresentar a concepção positiva – isto é, real, útil, relativa, orgânica e simpática – do tema

6.2.   No dia 6 de outubro de 2025 o evangélico e antropólogo Juliano Spyer, que possui uma coluna fixa na Folha de S. Paulo, publicou um artigo intitulado “Ese a ciência provar que a vida continua após a morte?

6.2.1.     Esse título evidentemente foi provocativo – mas, lido o texto, logo se percebe que ele é menos provocativo do que parece à primeira vista e que o objetivo do autor foi afirmar que, para ele, a vida continua após a morte e que a ciência supostamente o comprovaria

6.2.1.1.           Em apoio à sua tese, o autor comenta a obra de um psiquiatra brasileiro, que se vale do apoio do Estado em uma universidade federal para dar apoio às suas teses, o Prof. Dr. Alexander Moreira Almeida, da UFJF, bem como de vários outros pesquisadores que em 2018 publicaram um “Manifesto por uma ciência pós-materialista

6.2.1.2.           Além disso, a afirmação do eufemismo da “espiritualidade” tem sido uma tendência nas últimas décadas, como se comprova nesta matéria: “Faculdadede Ciências Médicas discute impactos da espiritualidade na saúde

6.2.2.     Essas concepções afirmam que a ciência “moderna” e/ou “ocidental” é parcial e “materialista”, ou seja, que ela recorta o ser humano e ao mesmo tempo ignora aspectos importantes da existência humana, em particular adotando preconceitos materialistas e objetivistas que negam a subjetividade e o que esses autores chamam de “espiritualidade”

6.2.2.1.           Essas concepções afirmam a importância da espiritualidade tanto para os tratamentos dos pacientes quanto para os próprios médicos

6.3.   É necessário termos clareza e dizermos sem rodeios: apesar da correção e até da efetiva necessidade de ultrapassar-se o “materialismo” na ciência moderna e em particular na Medicina, o fato é que todos os autores envolvidos nessa proposta de “ciência pós-materialista” (sejam os estadunidenses, sejam o psicólogo brasileiro e os médicos da UERJ, seja o evangélico que escreve para a Folha de S. Paulo) adotam uma argumentação sofística e pseudocientífica

6.3.1.     A argumentação dessas pessoas é sofística porque a afirmada “espiritualidade” é uma forma disfarçada de afirmar as concepções teológicas e de reverter a Medicina científica para padrões teológicos

6.4.   Antes de seguirmos adiante, devemos adiantar bastante o nosso argumento e dizermos com clareza que os apelos para uma ciência (e, de modo mais específico, a medicina) “espiritualizada” baseia-se em anseios humanos profundos

6.4.1.     Esses anseios, todavia, são sempre e especificamente humanos, não sobre ou extra-humanos; em outras palavras, é o ser humano que se manifesta aí e não outras entidades

6.4.2.     Esses anseios correspondem ao desejo de que nós seres humanos sejamos entendidos e tratados como totalidades e não apenas como números, corpos e/ou pedaços de carne

6.4.3.     Como a exigência é a de que o ser humano seja entendido e tratado como uma totalidade, a questão é, por definição, religiosa, isto é, de totalidade

6.4.3.1.           Vale notar, entretanto, que a “espiritualidade” afirmada pelos teológico-metafísicos (mesmo com a página proto ou pseudocientífica empregada), não é positiva (ou seja, é anticientífica), não é uma verdadeira totalidade (pois não abrange todos os âmbitos reais do ser humano) e não é altruísta (pois, em conformidade com a teologia e a metafísica, é individualista e egoísta)

6.4.3.2.           Não por acaso, essa espiritualidade refere-se apenas e tão-somente ao indivíduo (com a noção teológica de “alma”) e lida muito mal, quando não despreza totalmente, a realidade social e a base biológica do ser humano

6.4.3.3.           Trata-se da positividade incompleta, que vai da Matemática até, na melhor das hipóteses, a Biologia, deixando de lado a positividade na Sociologia e, de maneira radical, na Moral

6.4.3.4.           A positividade incompleta resulta na prática do pensamento duplo, tão comum nos dias de hoje e celebrado por exemplo pela metafísica idealista alemã: positividade nas ciências inferiores, metafísica na Sociologia, teologia na Moral

6.4.4.     A espiritualidade verdadeira e real só se realiza e só pode realizar-se com a positividade, com a religião positiva, em que o ser humano é entendido como uma totalidade “biopsicossocial”, em que indivíduos autônomos são formados e atuam inseridos em sociedades, resultantes de processos históricos determinados e com vistas ao altruísmo e ao bem comum

6.5.   Passando ao tema atual e sendo um pouco polêmico, no Brasil dos últimos anos, vimos sofismas políticos semelhantes – semelhantes em suas estruturas, ainda que (suposta e esperançosamente) diferentes em seus objetivos políticos, sociais e morais

6.5.1.     Os sofismas políticos são estes: (1) não gostam do Lula? A única solução seria votar no fascista; (2) “Os cientistas nunca provaram que a cloroquina não cura a covid”; logo, a cloroquina cura a covid

6.5.2.     Em paralelo, os sofismas “pós-materialistas” afirmam: (1) a ciência “materialista” é ruim? Pois a única alternativa é o “pós-materialismo” (ou seja, o espiritualismo teológico-metafísico); (2) a ciência (“materialista”) nunca provou que os espíritos não existem; logo, eles realmente existem de fato

6.5.3.     Esses sofismas correspondem ao non sequitur (em que as conclusões não se seguem às premissas), a partir de um emprego estrito e inadequado do princípio lógico do “terceiro excluído”

6.6.   A atual afirmação espiritualista e “pós-materialista”, apesar de apresentar-se como inovadora e nova, na verdade apenas retoma concepções antigas e atualiza procedimentos espiritualistas e pseudoscientíficos antigos:

6.6.1.     No que se refere às concepções antigas, o espiritualismo e “pós-materialismo” obtém grande prestígio a partir das críticas feitas contra o Ocidente, seja a partir de concepções orientalistas (em que se afirma claramente que os países integrantes do Oriente são superiores ao Ocidente, por mais diversas que sejam as suas filosofias, como nos casos da Rússia, do Islã, da China tradicional, da China comunista etc.), seja a partir de concepções “pós-coloniais”, “decoloniais”, pós-modernas e do “Sul Global” (em que se afirma que o Ocidente não presta e que é bom que ele seja superado pelas civilizações não-ocidentais)

6.6.1.1.           Como vimos nas nossas prédicas dos dias 23 de Shakespeare de 170 (1.10.2024) e 16 de Descartes de 170 (22.10.2024), dedicadas ambas à tola acusação de que o Positivismo seria eurocêntrico, as civilizações não ocidentais e as críticas (ocidentais e não ocidentais) ao Ocidente apresentam inúmeros aspectos corretos, verdadeiros, úteis e morais – o que, por outro lado, deveria ser evidente que não corresponde a que tudo o que provém daí seja de fato correto (como a renovada afirmação da espiritualidade teológico-metafísica)

6.6.2.     No que se refere à renovação de concepções pseudocientíficas anteriores, devemos notar que, desde que a ciência moderna passou a afirmar-se contra a teologia, já no século XIV, mas com clareza a partir do século XVII, surgiram concepções espiritualistas que forçavam as teorias científicas no sentido espiritualista

6.6.2.1.           Essas concepções aproveitavam-se, como se aproveitam, do prestígio de que goza a ciência e, ao mesmo tempo, do desconhecimento que o grande público tem do que seja a filosofia positiva e também das teorias científicas específicas

6.6.2.2.           Podemos considerar nos séculos XVIII e XIX o mesmerismo (a teoria do magnetismo animal, com caráter místico), bem como, de maneira mais ampla, as concepções místicas sobre a eletricidade[1]

6.6.2.3.           No século XX, podemos considerar, por um lado, a metafísica de Bergson e, por outro lado e ainda mais, todas as abordagens autointituladas “quânticas”

6.7.   Feitas as críticas acima, que serviram para indicar como repetidamente as concepções teológico-metafísicas tentam reafirmar-se a partir de sofismas e modos pseudocientíficos, devemos necessariamente abordar a concepção positiva da espiritualidade

6.8.   Como afirmamos há pouco e sempre indicamos em nossas prédicas, o Positivismo é totalmente a favor da espiritualidade, como por exemplo as concepções de Humanidade e de método subjetivo indicam

6.8.1.     Mas há uma longa distância filosófica e até moral entre a concepção positiva de espiritualidade e a concepção teológico-metafísica

6.8.2.     Ao mesmo tempo, vemos com relativa simpatia as proclamações a favor do “pós-materialismo” e do “espiritualismo” – evidentemente não devido aos seus sofismas, às suas concepções pseudocientíficas e antipositivas e à subjacente afirmação da alma teológica –, considerando os aspectos positivos das críticas às limitações da ciência moderna e da medicina contemporânea

6.8.2.1.           De fato, a ciência moderna é realmente fragmentária, materialista e objetivista

6.8.2.2.           Em contraposição, é necessário afirmarmos concepções de conjunto (totalizantes), que não sejam propriamente materialistas e que respeitem a subjetividade humana

6.8.2.3.           Em face das concepções cientificistas, materialistas, fragmentárias e objetivistas, nosso mestre em diversos momentos afirmou que as concepções totalizantes, mesmo as teológico-metafísicas, são superiores às cientificistas

6.8.3.     Dito isso, Augusto Comte tratou precisamente das concepções espiritualista e materialista no Discurso sobre o conjunto do Positivismo, de 1848 (e reeditado em 1851 no v. I do Sistema de política positiva como “Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo”)

6.8.3.1.           Como nosso mestre observa, o ser humano precisa ao mesmo tempo e sempre do método objetivo e do método subjetivo; enquanto um fornece os materiais sobre a realidade e as ciências inferiores, o outro fornece a interpretação moral e intelectual, a visão de conjunto e a perspectiva especificamente humana

6.8.3.1.1.                Mas sem hipóteses quaisquer não conseguimos dados objetivos, que, por sua vez, em sua ausência não podem atuar como parâmetros e corretores das hipóteses

6.8.3.1.2.                Temos então um círculo vicioso que só se rompe com a imposição da concepção teológica, a única que surge espontaneamente e que no início possui força suficiente para orientar o ser humano

6.8.3.2.           Indo diretamente para a ciência moderna, as suas características objetivistas serviram ao mesmo tempo para constituir as ciências inferiores (aspecto construtivo) e para destruir a teologia (aspecto destrutivo); esse procedimento foi necessário até a constituição das ciências superiores, a começar pela Biologia; quando nosso mestre criou a Sociologia e, depois, a Moral, os problemas da ciência moderna já não se justificavam mais e deveriam ser completados e corrigidos pelo método subjetivo, estabelecido pelas ciências superiores

6.8.3.3.           Devemos notar que a correção via método subjetivo não implicava, como não implica, a reintrodução do espiritualismo teológico-metafísico – que, afinal, foi necessária e adequadamente destruído pelas ciências inferiores nos séculos anteriores

6.8.3.4.           A afirmação da espiritualidade positiva, em particular no âmbito da medicina, foi afirmada e desenvolvida por Jorge Audiffrent, discípulo direto de Augusto Comte, no livro Apelo aos médicos, de 1862

6.8.4.     Um outro aspecto que devemos indicar é que a espiritualidade positiva é completada pelo fetichismo, que é a única forma teológica natural e espontânea

6.8.4.1.           O fetichismo tem que ser adotado pelo Positivismo mas, claro, tem que ser devidamente positivado para isso

6.8.4.2.           O espiritualismo teológico-metafísico só pode ser reintroduzido por meio da negação sistemática da ciência, ou melhor, da positividade; trata-se, então, de uma usurpação e de um emprego errado do método subjetivo em relação ao método objetivo

6.8.4.3.           O neofetichismo reconhece a visão de conjunto, o primado da afetividade e a atividade espontânea do mundo

6.8.4.4.           Dessa forma, o neofetichismo ultrapassa o materialismo e todos os problemas vinculados à ciência moderna – sem, entretanto, recair nos graves problemas do espiritualismo teológico-metafísico, em particular sem lançar mão de sofismas pseudocientíficos para tentar restabelecer a concepção teológica de alma

6.9.   Em suma:

6.9.1.     O Positivismo é totalmente a favor da espiritualidade, como por exemplo as concepções de Humanidade e de método subjetivo indicam

6.9.1.1.           Mas há uma longa distância filosófica e até moral entre a concepção positiva de espiritualidade e a concepção teológico-metafísica

6.9.2.     Apesar da correção e até da efetiva necessidade de ultrapassar-se o “materialismo” na ciência moderna e em particular na Medicina, o fato é que todos os autores envolvidos nessa proposta de “ciência pós-materialista” adotam uma argumentação sofística e pseudocientífica em favor do restabelecimento da concepção teológica de alma

6.9.3.     A incorporação do fetichismo inicial à positividade final – ou seja, o neofetichismo – ultrapassa o materialismo e todos os problemas vinculados à ciência moderna – sem, entretanto, recair nos graves problemas do espiritualismo teológico-metafísico, em particular sem lançar mão de sofismas pseudocientíficos para tentar restabelecer a concepção teológica de alma

7.      Invocação final

 

Referências

- Augusto Comte (franc.), “Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo”, in: Sistema de política positiva, v. 1 (Paris, L. Mathias, 1851): https://archive.org/details/systmedepoliti01comt/mode/2up.

- Augusto Comte (franc.), Sistema de filosofia positiva (Paris, Société Positiviste, 5e ed., 1893)

- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.

- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934).

- Georges Audiffrent (franc.), Apelo aos médicos (Paris, Dunod, 1862): https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k772657.r=audiffrent%20appel%20aux%20m%C3%A9decins?rk=21459;2.

- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.) Prédica positiva “O Positivismo é eurocêntrico?” (Curitiba, Igreja Positivista Virtual, 23.Shakespeare.170/1.10.2024): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2024/10/o-positivismo-e-eurocentrico.html.

- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.) Prédica positiva “O Positivismo é eurocêntrico? Parte 2” (Curitiba, Igreja Positivista Virtual, 16.Descartes.170/22.10.2024): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2024/10/o-positivismo-e-eurocentrico-parte-2.html.

- Juliano Spyer (port.), “E se a ciência provar que a vida continua após a morte?” (Folha de S. Paulo, 6.10.2025): https://www1.folha.uol.com.br/colunas/juliano-spyer/2025/10/e-se-a-ciencia-provar-que-a-vida-continua-apos-a-morte.shtml.

- Luís Lagarrigue (esp.), A poesia positivista (Santiago do Chile, 1890): https://archive.org/details/luis-lagarrigue-a-poesia-positivista-1890_202509.

- Mario Beauregard (port. e ingl.): Manifesto por uma ciência pós-materialista (Tucson, 2018): https://revistafenix.pt/manifesto-para-uma-ciencia-pos-materialista/ e https://opensciences.org/files/pdfs/Manifesto-for-a-Post-Materialist-Science.pdf.

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), As últimas concepções de Augusto Comte (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-i e https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-ii.

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), O ano sem par (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.

- UERJ (port.), “Faculdade de Ciências Médicas discute impactos da espiritualidade na saúde” (Rio de Janeiro, 1.1.2020): https://www.uerj.br/noticia/saude-e-espiritualidade-e-disciplina-na-faculdade-de-ciencias-medicas/.



[1] Cf. Gaston Bachelard, A formação do espírito científico (Rio de Janeiro, Contraponto, 1996).

20 agosto 2024

Sobre as utopias

No dia 9 de Gutenberg de 170 (20.8.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua duodécima conferência, dedicada à evolução histórica do desenvolvimento humano, ou seja, da religião (em particular, do fetichismo e do politeísmo).

No sermão abordamos as utopias.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/CtK0V) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/pGUqa).

Os tempos da prédica foram os seguintes:

00 min 00 s - abertura da prédica

07 min 21 s - exortações iniciais

16 min 16 s - efeméride

20 min 02 s - leitura comentada do Catecismo positivista

1 h 10 min 58 s - início do sermão

2 h 26 min 28 s - encerramento da prédica

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *

Sobre as utopias

(9 de Arquimedes de 170/20.8.2024) 

1.       Abertura

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efeméride:

3.1.    14 de Gutenberg: nascimento de Luís Hildebrando Horta Barbosa (1900)

4.       Leitura comentada do Catecismo positivista

4.1.    Continuação da duodécima conferência, sobre a evolução histórica do desenvolvimento humano, isto é, da religião, abordando em particular o fetichismo e o politeísmo

5.       Sermão: sobre as utopias

5.1.    O tema de hoje é algo recorrente nas reflexões políticas: as utopias

5.1.1. À primeira vista, ou melhor, a partir de vários preconceitos (entre os quais, em particular, os marxistas), o Positivismo não teria utopias e/ou seria contrário a elas

5.1.2. Todavia, para quem assiste às prédicas positivas e/ou para quem conhece o mínimo da obra de Augusto Comte, é bastante claro que as utopias integram plenamente o Positivismo

5.2.    Comecemos esclarecendo alguns conceitos gerais e limpando o terreno

5.2.1. A palavra utopia foi criada em 1516 pelo pensador e político inglês Tomás Morus, em uma obra chamada precisamente Utopia (na verdade, o título completo é este: “Um pequeno livro verdadeiramente dourado, não menos benéfico que entretedor, do melhor estado de uma república e da nova ilha Utopia”)

5.2.1.1.             O sentido da palavra “utopia” é o de “lugar nenhum”, ou melhor, de “lugar não existente”: seria, então, uma pura idealização

5.2.1.2.             O sentido da obra foi apresentar um ideal político, uma sociedade perfeita, e, a partir disso, avaliar e criticar a sociedade de seu tempo, em particular a Inglaterra absolutista de Henrique VIII

5.2.2. As utopias, portanto, aproximam-se da noção de “idealismo político”, desde que esta última expressão seja entendida como a concepção geral de uma sociedade ideal (e não no sentido da metafísica idealista)

5.2.3. Como vimos, a noção de utopia foi proposta no início do século XVI; essa concepção afirma-se no âmbito do humanismo e das concepções secularizantes posteriores à Idade Média

5.2.3.1.             A referência à Idade Média é importante porque, bem vistas as coisas, as concepções utópicas medievais baseavam-se na teologia: a Utopia de Tomás Morus já não é mais teológica; ela foi seguida por vários outros livros semelhantes, como A cidade do Sol, do frade dominicano Tomás de Campanella (1602), que, embora escrita por um frade, também era secularizada

5.2.4. A Utopia de Tomás Morus inaugura uma linha de reflexão social, política e moral que terá ampla descendência ao longo dos séculos, passando de comentários mais literários no início para propostas mais sociológicas e positivas no século XIX

5.2.4.1.             No século XIX vários pensadores (Roberto Owen, Pedro-José Proudhon, Carlos Fourier e mesmo Pedro Saint-Simon) propuseram seus esquemas sociais utópicos; em 1848 esses esquemas foram criticados em bloco por Carlos Marx, no Manifesto do Partido Comunista, e a expressão “socialismo utópico” foi contraposta a “socialismo científico”, criando-se uma clivagem dura entre as “utopias”, entendidas como puramente fantasiosas, e a cientificidade, entendida como não artística (e não literária) e verdadeiramente realista e exeqüível

5.2.5. Já no século XX, em parte devido aos desastres da II Guerra dos 30 Anos (1914-1945) e da Guerra Fria (1947-1989), mas em parte importante devido à mudança, ou melhor, à degradação da sensibilidade política e artística, a noção de utopia foi substituída pela noção de “distopia”

5.2.5.1.             Enquanto a utopia é um ideal desejável de uma sociedade (mais) perfeita, a distopia é um ideal indesejável, de uma sociedade decadente e/ou fracassada e/ou em colapso

5.2.5.2.             Como notamos quando tratamos das “ficções científicas”, pelo menos desde o final dos anos 1960 a imaginação social do Ocidente está cada vez mais marcada pelas distopias, com filmes mais ou menos decadentistas ou degradantes como Laranja mecânica (1972), Blade Runner (1982), O exterminador do futuro (1984), além das mais recentes tolices de “zumbis”

5.2.5.3.             Em face da importância social (no caso, política e artística) que as distopias apresentam no Ocidente, vale a pena insistir: não precisamos de distopias, mas, sim, de utopias

5.3.    Passemos então ao conceito de utopia no Positivismo

5.4.    Há várias maneiras de começarmos a abordar essa questão; começarei indicando dois aspectos complementares do Positivismo: por um lado, a importância da realidade com a utilidade; por outro lado, a importância da subjetividade

5.4.1. Como sabemos, o Positivismo afirma desde o início a importância do conhecimento da realidade em geral para disciplinar e orientar nossas vidas; de maneira correlata, nossas concepções têm que ser reais

5.4.2. Mas a mera realidade não basta: ela tem que complementada e orientada pela utilidade: assim, por um lado a utilidade restringe o âmbito das investigações reais (o que em particular evita o absolutismo) e, por outro lado, a utilidade estimula concepções que, sem negarem a realidade, estimulem a simpatia, a síntese e a sinergia

5.4.3. A utilidade, então, conduz-nos com facilidade para a importância da subjetividade – que, por si só, como sabemos, é algo de enorme importância no Positivismo, como âmbito da afetividade e também, em termos de concepções intelectuais, da imaginação

5.4.4. Esses aspectos que citamos até agora podem ser entendidos, do ponto de vista teórico, a partir da união dos sentidos da palavra “positivo” com a lei-mãe da Filosofia Primeira (que, no caso, é a primeira lei):

5.4.4.1.             Sentidos da palavra positivo (Apelo aos conservadores, p. 25): real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático

5.4.4.2.             Lei-mãe da Filosofia Primeira: “Formar a hipótese mais simples e mais simpática que comporta o conjunto dos dados a representar”

5.4.5. Três observações específicas, antes de passarmos adiante:

5.4.5.1.             Certamente que a realidade deve ser limitada e reorientada pela utilidade; mas é necessário ter clareza de que a realidade é de fato um critério fundamental; nesse sentido, Augusto Comte distingue o “utópico” do “quimérico”, isto é, o ideal longínquo mas realizável da proposta puramente irrealizável (e, portanto, não positiva, que é apenas perda de tempo, energia e recursos em geral)

5.4.5.2.             Todas as nossas concepções devem corresponder à realidade; mas seja porque nossos recursos mentais são limitados, seja porque nossas concepções abstratas não abarcam toda a realidade, seja enfim porque a utilidade autoriza-nos a elaborar as ficções científicas, há sempre um espaço (maior ou menor) para elaborarmos diferentes enunciados ou formas de apresentar nossas concepções; nesse sentido muito específico, podemos sempre “manipular” nossas concepções, em particular no importante sentido de dotá-las de formas artísticas e altruísticas

5.4.5.3.             As utopias baseiam-se nas leis naturais; elas correspondem, então, em por um lado, às previsões científicas (especialmente as morais, sociológicas e biológicas) e, por outro lado, à extrapolação artística dessas previsões com objetivos práticos e morais[1]

5.5.    Além dos íntimos aspectos intelectuais e afetivos, que citamos até agora, devemos notar que a conduta cotidiana, isto é, a atividade prática precisa sempre de orientação geral, a fim de não nos perdermos nas preocupações cotidianas, no sem-número de questiúnculas, de mesquinharias, de egoísmos e de vistas particulares que nos desviam do altruísmo, do bem-estar coletivo e das vistas gerais

5.5.1. Clotilde resumiu exemplarmente bem essa necessidade ao afirmar: “Compreendi, melhor do que ninguém, a fraqueza de nossa natureza quando não é dirigida para um alvo elevado que seja inacessível às paixões” (3ª da suas máximas)

5.5.2. Aí entra o papel das utopias no Positivismo e na Religião da Humanidade

5.5.2.1.             Como deve estar ficando bastante claro, as utopias no Positivismo têm uma função prática, mas são profundamente orientadas por questões morais e intelectuais

5.5.2.2.             Em outras palavras, as utopias positivas são necessariamente religiosas, em vez de meramente políticas

5.5.2.2.1.                   Para evitar confusões, temos que lembrar: religião e teologia são coisas diferentes; a religião é a sistematização do conjunto da vida humana, em busca da unidade e da harmonia; a teologia é apenas uma das formas de entender o mundo que informou as religiões ao longo do tempo

5.6.    Assim, no v. IV da Política Positiva Augusto Comte afirmou a necessidade prática das utopias e, no caso do Positivismo, ele instituiu a utopia da virgem-mãe como supremo aperfeiçoamento humano, em que as mulheres poderiam conceber, sem a necessidade de intervenção masculina, ou seja, como um processo exclusivamente altruísta e puro

5.6.1. Faremos várias transcrições sobre esse tema, tomando por base as extensas citações de Teixeira Mendes em As últimas concepções de Augusto Comte (1898)

5.6.2. Sobre o papel das utopias:

“A fim de proceder melhor, convém primeiro explicar uma instituição religiosa, destinada especialmente a resumir o conjunto do nosso aperfeiçoamento, físico, intelectual e moral, concentrando-o em um progresso decisivo. Consiste ele em sistematizar a procriação humana, tornando-a exclusivamente feminina. Mas, antes de examinar esta utopia, indicada nos capítulos precedentes, devo caracterizar o seu destino, em virtude da necessidade de condensação peculiar a qualquer síntese, mesmo parcial, e sobretudo geral.

Tal concentração torna-se a conseqüência natural e o complemento necessário da divisão dos dois poderes, que é só o que a permite suscitando a sistematização, e a exige separando a teoria da prática. Não se pode desde então evitar ou reparar a dispersão dos sentimentos e dos pensamentos senão resumindo a síntese por uma instituição especial, para a qual convirjam as principais emoções e concepções. Mas essa necessidade comporta dois modos distintos de satisfação, os mistérios ou as utopias, conforme a religião é teológica ou positiva.

[...] Com efeito, a sistematização católica ficava essencialmente limitada ao sentimento, sem poder abraçar assaz a inteligência nem a atividade, cujas exigências soube iludir enquanto durou a transição afetiva. Pelo contrário, a plenitude necessária da síntese positiva obriga a instituição que deve resumi-la a representar simultaneamente os três elementos da natureza humana, segundo a verdadeira subordinação deles. É preciso, em uma palavra, que a sua conclusão sintética concilie a ordem e o progresso, instituindo um progresso que desenvolva o conjunto da ordem. Ora, tal é a aptidão das utopias convenientemente construídas, cujo surto crescente indicou, sem a satisfazer, a necessidade da unidade surgida da anarquia moderna” (Augusto Comte, Política positiva, p. 273-274, apud R. Teixeira Mendes, As últimas concepções de Augusto Comte, p. 452-454)

“Necessariamente conforme com a marcha da positividade, essas construções sintéticas foram até aqui limitadas à ordem exterior, sobretudo material, mas também vital. A mais bem elaborada e a mais eficaz surgiu, na Idade Média, com a química[2]. Durante a maior parte da revolução ocidental, a transmutação dos metais forneceu um admirável congraçamento a todos os esforços, teóricos e práticos, destinados a aperfeiçoar o nosso meio. O seu império prolongou-se até a aproximação da crise final[3], que veio enobrecer o surto utópico proporcionando-lhes sobretudo uma destinação social, anunciada, havia três séculos, por tentativas malogradas. Mas esse domínio final da positividade, tanto ideal como real, exigia uma doutrina universal, sem a qual a utopia, que deve constituir um resumo, pode somente tornar-se um apanhado, mais perturbador do que fecundo. Ora, essa condição fundamental acha-se suficientemente preenchida desde o advento decisivo da sociologia, donde resulta a irrevogável convergência da revolução ocidental para o estabelecimento da religião positiva. Este desenlace normal vem ao mesmo tempo eliminar as utopias perturbatrizes e substituí-las pelo congraçamento sintético de todas as dignas aspirações em torno de um progresso característico que representa a universal preponderância da moral.

Desde 1838, o terceiro volume da minha obra fundamental[4] anunciou espontaneamente semelhante tendência, propondo a introdução sistemática dos organismos fictícios para aperfeiçoar o conjunto da biologia. Mas essa primeira inspiração não tendo senão uma destinação intelectual, não se podia achar nela um tipo das utopias positivas, que devem ser tanto práticas como teóricas. Todavia, comparada com a transmutação dos metais, ela melhorava o surto utópico, estendendo-o da ordem material à ordem vital. Esse progresso foi melhor realizado na indicação inicial do presente tratado sobre a transformação dos herbívoros em carniceiros, encarada como o limite do aperfeiçoamento animal. Abrindo um vasto campo à ciência, tal utopia interessa igualmente à arte, não quanto aos laboratórios da nossa nutrição, nos quais o excesso de animalização seria nocivo, mas para os nossos companheiros de trabalho, que assim se tornariam mais ativos e mais inteligentes. Todavia, esse passo permanece insuficiente, pois que ele se limita ao domínio profano[5], sem levar a idealização positiva até a ordem humana, que constitui a sua principal destinação, como sendo ao mesmo tempo mais importante e mais modificável. Para instituir o surto utópico, que deve resumir a síntese final, é preciso pois estendê-lo ao domínio sagrado, que é o único capaz de condensar o progresso por meio da ordem, combinando os três modos ou graus do aperfeiçoamento, físico, intelectual e moral.

Tal é a teoria, ao mesmo tempo histórica e dogmática, das utopias positivas, nas quais a poesia e a filosofia devem concorrer melhor do que nas utopias teológicas e metafísicas, pois que o relativo aí sucede ao absoluto. Esta teoria torna-se aqui o complemento da da religião, resumindo a unidade real por um limite ideal, para o qual vêm especialmente convergir os votos, os projetos e as tentativas peculiares ao aperfeiçoamento contínuo da nossa tríplice natureza. Para melhor instituir esse congraçamento, é preciso especificar-lhe um só fito, salvo o renová-lo quando achar-se atingido; o que será sempre possível, atento o imenso domínio da providência humana, apenas esboçado até hoje, mesmo quanto ao meio.

Eis como sou conduzido a representar a utopia da Virgem-Mãe como o resumo sintético da religião positiva, cujos aspectos são todos combinados nela. A sua apreciação especial pertence ao tratado que prometi, para 1859, sobre a moral teórica e prática. Só posso aqui coordenar as principais indicações a esse respeito” (Augusto Comte, Política positiva, p. 274-276, apud R. Teixeira Mendes, As últimas concepções de Augusto Comte, p. 457-459)

5.6.3. Sobre a utopia da Virgem-Mãe:

“[...] A utopia da Virgem-Mãe tornar-se-á, para as mais puras e as mais eminentes, um limite ideal, diretamente apropriado a resumir o aperfeiçoamento humano, assim impelido a sistematizar a procriação nobilitando-a. Essa aptidão permanecerá sempre independente da solução real de tal problema, contanto que ele seja considerado como acessível, em vista do império, apenas esboçado até hoje, que a espécie mais modificável deve exercer sobre a sua própria constituição, mesmo física” (Augusto Comte, Política positiva, p. 240, apud R. Teixeira Mendes, As últimas concepções de Augusto Comte, p. 451)

5.7.    Alguns comentários adicionais:

5.7.1. O ideal da utopia da Virgem-Mãe foi proposto como sinal de desenvolvimento humano geral e não com o sentido exclusivista, discriminador e brutal do ultrapoliticismo feminista

5.7.2. De maneira mais concreta, no que se refere aos aspectos técnicos, devido aos avanços da medicina e da engenharia genética, a utopia da virgem-mãe realizou-se

5.7.2.1.             É necessário afirmar e reafirmar: essa realização dá-se apenas em termos técnicos; os necessários avanços morais, sociais e intelectuais estão muito atrás e, portanto, longe de terem sido realizados

5.7.2.2.             A respeito das novas utopias, Augusto Comte (Política positiva, p. 279, apud R. Teixeira Mendes, As últimas concepções de Augusto Comte, p. 464) recomenda que elas devem referir-se ao corpo humano, devido à íntima vinculação entre o progresso material e o aperfeiçoamento moral

5.7.3. Nas citações acima Augusto Comte observa que as utopias, além de serem um resumo sintético (ou melhor, religioso), são também um limite: a noção matemática de “assíntota” é sempre muito útil nesse caso

5.7.3.1.             A assíntota é uma função que tende no limite para um determinado valor (ainda que nunca chegue efetivamente a esse limite)

5.8.    A respeito das utopias meramente políticas:

5.8.1. Com base nas observações acima, torna-se bastante claro que e porquê de modo geral elas são falhas: ao não terem um aspecto sintético, ou religioso, elas não abarcam o conjunto da vida humana e, daí, sempre omitem ou sacrificam um ou outro aspecto

5.8.2. A partir de caminhos oblíquos, de modo geral se pensa no marxismo ou no socialismo ao falar-se atualmente em “utopias”; mas é claro que também devem entrar nesse título as utopias liberais (do livre mercado) e até mesmo as desgraças nazifascistas

5.8.2.1.             Na verdade, sendo mais correto, deve-se chamar os ideais marxistas, liberais e nazifascistas de “quimeras”, não de utopias

5.8.3. No que se refere ao Positivismo, com freqüência se afirma que a sociocracia é o nosso ideal político: evidentemente, isso é verdade; mas, a partir das observações acima, logo se vê que a sociocracia não é verdadeiramente a nossa “utopia”

6.       Encerramento



[1] Esse aspecto foi-me indicado, com o brilho e a generosidade habituais, por meu amigo Hernani Gomes da Costa.

[2] No caso, a referência é à alquimia e à busca da pedra filosofal ou, de maneira um pouco menos fantástica, à transformação de metais grosseiros (ferro e chumbo em particular) em ouro.

[3] Ou seja, da Revolução Francesa.

[4] Referência ao Sistema de filosofia positiva (1830-1842).

[5] Ou seja, às ciências inferiores (da Matemática à Biologia).