No dia 28 de São Paulo de 171 (17.6.2025) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (em sua Primeira Parte - "doutrina destinada aos verdadeiros conservadores").
Na parte do sermão tratamos da questão: como conciliar duas máximas do Positivismo, "Viver às claras" e "É indigno dos grandes corações derramar as perturbações que sentem"?
Antes do sermão, justificamos de maneira sistemática a adoção da palavra "sermão" nas prédicas.
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=kclW-8EUW2A&t=11s) e Igreja Positivista Virtual (aqui e aqui).
As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.
* * *
Como conciliar o “Viver às claras” com “É indigno dos grandes corações derramar as
perturbações que sentem”?
(28.São Paulo.171/17.6.2025)
1. Invocação inicial
2. Justificativa de ausência de
prédica na semana passada
2.1. Tive uma infecção (ainda a
determinar qual), que me deixou acamado ou com profundo mal-estar durante cinco
dias, desde o domingo anterior à prédica
3. Exortações iniciais
3.1. Sejamos altruístas!
3.2. Façamos orações!
3.3. Como Igreja Positivista Virtual,
ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse
3.4. Para apoiar as atividades dos
nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)
4. Datas e celebrações:
4.1. Dia 27 de São Paulo (16.6.2025):
nascimento de Paul Edger (1875 – 150 anos)
4.2. Dia 27 de São Paulo (16.6.2025):
transformação de Ivan Lins (1975 – 50 anos)
4.3. Dia 28 de São Paulo (17.6.2025):
nascimento de Edgar Proença Rosa (1903 – 122 anos)
4.4. Dia 2 de Carlos Magno
(19.6.2025): transformação de Carlos Torres Gonçalves (1974 – 51 anos)
4.5. Dia 4 de Carlos Magno
(21.6.2025): transformação de Décio Villares (1931 – 94 anos)
4.6. Dia 3 de Carlos Magno
(20.6.2025): solstício de inverno
5. Leitura comentada do Apelo aos conservadores
5.1. Antes de mais nada, devemos recordar
algumas considerações sobre o Apelo:
5.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas
ou grupos, mas a um grupo específico:
são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que
tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes
políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do
progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que
Augusto Comte apela
5.1.1.1.
O
Apelo, portanto, adota uma linguagem
e um formato adequados ao público a que se dirige
5.1.1.2.
Empregamos
a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser
mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se
refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa,
oposta à guerra
5.2. Outras observações:
5.2.1. Uma versão digitalizada da
tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899,
está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores
5.2.2. O capítulo em que estamos é a “Primeira
Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”
5.3. Passemos, então, à leitura
comentada do Apelo aos conservadores!
6. Pequeno comentário sobre os “sermões”:
6.1. Desde o início das prédicas
procuramos expor tanto leituras comentadas de obras de Augusto Comte –
começamos, é claro, com o Catecismo
positivista e estamos agora com o Apelo
aos conservadores – com reflexões de diferentes tipos: religiosas,
afetivas, artísticas, filosóficas, políticas etc.
6.1.1. Para essas reflexões, de maneira
totalmente empírica e inspirando-nos na prática católica, adotamos o título de
“sermões”
6.2. A palavra “sermão” na verdade tem
origem romana: “sermo, -onis”, que significa “conversa” ou “discurso”; “sermo”,
por sua vez, vem do verbo “serere”, que significa “unir, encadear”
6.3. Assim, “sermão” é uma palavra que
pode ser plenamente empregada de maneira positiva, exatamente como a palavra “religião”
– e até mais facilmente que “religião”, na medida em que não é (tão) necessário
distinguir nela o aspecto positivo do teológico
6.3.1. De uma única vez a palavra
“sermão”: (1) indica sua origem social, romana; (2) indica o seu caráter de
conversa, de diálogo; (3) lembra sua história católica; (4) lembra o necessário
acento religioso (moral e sintético) de todas as nossas reflexões; (5) reafirma
a continuidade histórica e, da melhor maneira possível (isto é, da maneira
correta, positivando), o princípio
“conservar melhorando”
7. O tema do sermão desta semana é o
seguinte: como conciliar o “Viver às
claras” com o “É indigno dos grandes
corações derramar as perturbações que sentem”?
7.1. Essa é uma questão que muitas
vezes surge para quem estuda o Positivismo e deseja aplicá-lo em suas vidas:
como conciliar as duas máximas, “Viver às claras” e “É indigno dos grandes
corações derramar as perturbações que sentem”?
7.1.1. Como tudo a respeito do
Positivismo, essa dúvida surge na verdade para todas as pessoas; nós, positivistas, apenas sistematizamos a
reflexão
7.1.2. Se falamos em “conciliar” as
frases, é porque à primeira vista elas parecem
incompatíveis
7.1.3. A compatibilidade ou não dessas
frases não é uma questão puramente intelectual; como são máximas morais e
práticas, essa compatibilidade (ou sua ausência) tem implicações práticas
imediatas
7.1.4. Essa questão foi formulada por
nosso amigo Hernani, que pediu nosso auxílio a respeito
7.2. Para começar a tratar desse tema,
o primeiro passo é considerar a compatibilidade ou ausência de compatibilidade
entre as duas fórmulas
7.2.1. Sugerimos que aparentemente há
ausência de compatibilidade porque, à primeira vista, essas máximas parecem
incompatíveis; mas, bem vistas as coisas,
temos que afirmar a sua compatibilidade
7.2.1.1.
Embora
essa compatibilidade tenha um evidente aspecto intelectual, esse em definitivo
não é o âmbito mais importante na questão
7.2.2. A noção e a exigência de
compatibilidade estão implicadas no caráter sistêmico e sistemático do
Positivismo e na preocupação com a coerência das idéias (e dos sentimentos e
das ações)
7.2.2.1.
Sobre
a coerência, vale notar que, desde há algumas décadas, é mais ou menos moda
afirmar-se que a coerência é impossível, ou que é errada, ou que é tola;
algumas pessoas utilizam as reflexões lógicas de Kurt Gödel para negar a
validade da busca da coerência; outros afirmam que a busca da coerência é uma
espécie de doença intelectual e moral de pessoas fanáticas
7.2.2.2.
Todos
esses argumentos contra a coerência são tolices; não são argumentos, mas
sofismas mais ou menos infantis, que se baseiam, estimulam e difundem a
irracionalidade, a inconseqüência prática, a incompreensão do mundo e a
ausência de parâmetros na vida – em outras palavras, são sofismas plenamente
metafísicos
7.2.2.3.
Assim,
convém afirmar com clareza: a coerência é um valor moral, intelectual e prático
efetivo; ela deve, sim, ser buscada e, na prática, de maneira explícita ou
implícita, ela é exigida o tempo todo de todos e por todos
7.3. As duas frases integram o cânone
positivista, embora tenham origens diferentes
7.3.1. O “Viver às claras” é uma fórmula
moral e política; ela foi elaborada por Augusto Comte e estabelece a
publicidade dos nossos atos
7.3.2. O “É indigno dos grandes corações”
é uma fórmula moral e “de sociabilidade”; ela foi elaborada por Clotilde, em
sua novela Lúcia, e estabelece um
parâmetro de comportamento individual e mútuo
7.3.3. A aparente incompatibilidade
entre as duas fórmulas deve-se ao fato de que elas apontam para direções
contrárias: enquanto o “Viver às claras” sugere a abertura do comportamento, o “É
indigno dos grandes corações” conduz à reserva e/ou ao fechamento
7.3.4. Para solucionarmos essa questão,
vejamos o contexto de elaboração e o significado de cada uma dessas fórmulas;
começaremos pela máxima de Clotilde e então passaremos à de Augusto Comte
7.4. O “É indigno dos grandes
corações” corresponde a uma das inúmeras frases espontaneamente memoráveis de
Clotilde – neste caso presente em sua novela Lúcia (publicada originalmente em 20 e 21 de junho de 1845[1],
no jornal Le National)
7.4.1. O original em francês é este: “Il est indigne des grands coeurs de répandre
les troubles qu’ils ressentent”
7.4.2. O trecho integra a sétima carta
da correspondência ficcional, do amante Maurício a seu confidente e amigo
Rogério; o trecho que importa reproduz uma fala de Lúcia a Maurício[2]:
“Maurício,
é em vão que nossa infelicidade conduzir-nos-ia a rebelar-nos contra a
sociedade; suas instituições são grandes e respeitáveis como o labor dos
tempos; é indigno dos grandes corações derramar a perturbação que sentem” (Política positiva, v. I, p. XXVIII;
Teixeira Mendes, O ano sem par, 1900,
p. 223).
7.4.3. Augusto Comte citou essa frase em
diversas ocasiões:
7.4.3.1.
No
Discurso sobre o conjunto do Positivismo
(originalmente de 1848, depois republicado em 1851 como preâmbulo geral ao Sistema de política positiva): ele está
na página 267 do v. I da Política,
correspondendo à quarta parte do Discurso
(“Influência feminina do Positivismo”)
7.4.3.2.
Ao
reproduzir a novela Lúcia, no
“Complemento” da “Dedicatória” do v. I da Política
positiva (de 1851) (p. XXVIII; é de onde tiramos a citação acima)
7.4.3.3.
No
conjunto das “sete máximas de Clotilde”, apresentadas no seu Testamento (originalmente de 1855;
encontramos a citação na página 99 da segunda edição, de 1896)
7.4.4. É importante notarmos que
Clotilde escrevia a partir de suas experiências pessoais; seus escritos têm um
forte aspecto autobiográfico; assim, seus vários escritos (Lúcia, Guilhermina, Os pensamentos de uma flor, A infância) tanto apresentam sua vida
quanto exprimem seus sentimentos e pensamentos
7.4.5. Clotilde
preocupava-se muito em não gerar incômodos para seus familiares e amigos
7.4.5.1.
Insistamos:
a preocupação de Clotilde era não causar distúrbios, não sobressaltar seus
próximos, não lhes gerar aflições
7.4.5.2.
Ao
mesmo tempo, como o texto de Lúcia
evidencia e como percebemos na correspondência trocada entre Clotilde e Augusto
Comte, essa preocupação não a impedia de manifestar seus sentimentos,
especialmente os de desagrado, tristeza, abatimento: mas tal manifestação ocorria em seu círculo mais íntimo, notadamente com
Augusto Comte
7.4.6. Em nossa prédica de 3 de César de
169 (25.4.2023), dedicada às máximas de Clotilde[3],
comentamos o seguinte a respeito desta fórmula específica:
7.4.6.1.
A
preocupação de Clotilde é que os “grandes corações”, ou seja, as pessoas que
buscam aperfeiçoar-se moralmente, devem evitar descontroles e explosões afetivas,
especialmente em público: saber manter a reserva e até o autocontrole é uma
virtude moral e prática
7.4.6.2.
Essa
máxima evidentemente não quer dizer que as pessoas não devam manifestar seus
sentimentos, ou que não devam chorar em momentos de grande tristeza (ou de
grande alegria): o que está em questão é o descontrole do comportamento a
partir dos sentimentos, especialmente quando somos tomados por sentimentos
muito intensos
7.4.6.3.
Há
um aspecto de exemplo e de liderança subjacente à expressão “grande coração”
7.5. O “Viver às claras” é apresentado
e explicado por Augusto Comte em vários trechos de sua obra ao abordar o regime, especialmente quando aborda as
características do regime público
7.5.1. O original em francês dessa
fórmula é “Vivre au grand jour”, que,
em uma tradução muito literal e meio canhestra para o português seria “Viver em
grande clareza” (jour significa “dia”
e também significa “claridade” ou “clareza”)
7.5.1.1.
Em
inglês a tradução é “To live openly”
(“viver abertamente”)
7.5.1.2.
Fazemos
essa observação sobre a expressão original e a tradução para o português porque
algumas pessoas no Brasil traduzem o “au
grand jour” como sendo “para o grande dia”: além de errar a fórmula de
nosso mestre, essa tradução também a orienta para um sentido místico ou, pelo
menos, milenarista – o que, deveria ser evidente, é radicalmente contrário ao
Positivismo
7.5.2. Antes de abordarmos o trecho que
nos permite tratar da compatibilidade entre as duas fórmulas, vejamos os
trechos em que nosso mestre apresenta e aborda o “viver às claras”; elas estão principalmente
na Política positiva (1851-1854)
7.5.2.1.
“Viver às claras” como princípio republicano: presente na carta de nosso mestre ao dr. J.
M. McClintock, editor da Revista
Metodista de Nova Iorque (7 de Homero de 64/4.2.1852), segundo apêndice do
“Prefácio” ao v. II da Política (p.
XXV):
“Segundo essa longa e escrupulosa
carreira, mais homogênea talvez que qualquer outra conhecida, eu assumi um
profundo hábito de viver inteiramente às claras, seguindo o verdadeiro
princípio republicano”
7.5.2.2.
Relações entre o viver às claras,
o regime público e o regime privado
(quarto capítulo do v. IV da Política:
“Quadro geral da existência ativa, ou sistematização final do regime positivo”)
(p. 312):
“Qualquer
que seja a reação contínua da moral individual sobre a moral pública, a moral
doméstica comporta uma eficácia mais direta e mais decisiva, em virtude de u’a
melhor similitude, sobretudo quando ela encontra-se socialmente instituída. É
aí que a máxima fundamental: Viver para
outrem começa a receber seu complemento prático: Viver às claras, sem o qual ela tornar-se-ia em breve insuficiente
e mesmo com freqüência ilusória. Malgrado as precauções interessadas dos
legisladores metafísicos, o instinto ocidental não tardará a ver a publicidade
normal dos atos privados como a garantia necessária do verdadeiro civismo.
Escola espontânea do comando e da obediência, a existência doméstica não pode
assaz desenvolver sua principal destinação quando ela permanece subtraída da sã
apreciação do sacerdócio e mesmo do público. Todos os que se recusarem a viver
às claras tornar-se-ão justamente suspeitos não quererem realmente viver para
outrem. Os sentimentos não podendo ser julgados sem os atos, as duas qualidades
essenciais à vida cívica, devotamento e veneração, não se tornam habitualmente
apreciáveis senão conforme seu desenvolvimento privado, mais fácil e mais
universal que seu exercício público. Entretanto, a obrigação de viver às claras
não resume a moral social senão ao subordiná-la à prescrição de viver para
outrem, ainda que unicamente os tempos anárquicos permitam a exibição habitual
de uma conduta viciosa”
7.5.2.3.
Viver às claras como
característica da moralidade e da atividade política (quinto capítulo do v. IV da Política: “Apreciação sistemática do
presente, conforme a combinação do porvir com o passado; donde quadro geral da
transição extrema”) (p. 459-461):
“A última fase da transição
orgânica anunciará o término direto da revolução ocidental, enquanto exibe,
desde o início, a bandeira normal, com todos os emblemas que a acompanham,
seguindo as explicações especiais de meu discurso preliminar[4].
Ainda que as duas divisas características [Viver
para outrem e Ordem e Progresso] possam
já ter prevalecido, sua adoção sucessiva proclamava mais um voto que um
princípio, tanto que a atitude ditatorial [i.
e., do governo[5]]
não poderia ser-lhe assaz conforme. Mas, quando o Positivismo, após ter
modificado a conduta, consegue transformar a constituição, a dupla fórmula
torna-se um programa decisivo, cuja preponderância manifesta-se pela mudança de
cor, que repudia, sem nenhuma descontinuidade, toda solidariedade viciosa.
Então a terceira divisa do regime normal: Viver
às claras vem completar o conjunto das outras duas, fornecendo o resumo
prático do sistema, ao mesmo tempo moral e político, irrevogavelmente adotado.
Destinado sobretudo à vida pública, este último símbolo é especialmente próprio
a figurar nas moedas francesas, em que esse enunciado do meio dispensará de
mencionar o princípio e o resultado de que ele constitui o vínculo necessário.
Para apreciar todo o escopo de
uma tal fórmula, é necessário reconhecer que sua adoção oficial caracteriza o
advento de u’a marcha sistemática, sem a qual essa divisa anunciaria uma
intenção moral e não uma resolução política. Ainda que a Idade Média tenha-a
feito nobremente prevalecer na vida privada, ela não pode estendê-la assaz à
vida pública, que, malgrado as aspirações cavalheirescas, continuou a basear-se
principalmente no mistério e na intriga. Sem desconhecer os viciosos
sentimentos que se reportavam a esse regime, devia-se sobretudo atribuí-lo à
impossibilidade de viver às claras quando o porvir permanece obscuro e a
opinião, incerta. Uma tal divisa indica então o advento decisivo de uma
doutrina capaz de sistematizar ao mesmo tempo as previsões políticas e os
julgamentos públicos. A regeneração final estando caracterizada por essa dupla
sistematização, sua proclamação deve sobretudo residir na fórmula própria à
atividade, ainda que o principal valor desse símbolo resulte de sua aptidão a
representar os concernentes à inteligência e ao sentimento.
Índice e condição de u’a marcha
sintética, como de uma conduta leal, essa regra convém tanto à espiritualidade
positiva quanto à temporalidade pacífica. Antes de tê-la sistematizado, eu
sempre a pratiquei espontaneamente, desde os meus primeiros passos, a fim de
preparar os espíritos às minhas concepções e de melhorar estes pelas reações,
objetivas e subjetivas, resultantes desses anúncios. Não cessei nunca de
felicitar-me de um tal emprego, ainda que me tenha com freqüência exposto, seja
a objeções viciosas, seja a empréstimos fraudulentos. Mas sua principal
destinação concerne à política ativa, em que, os resultados tornando-se mais
determinados e mais próximos, a consulta universal pode assistir e retificar
mais os projetos, ou mesmo melhorar as intenções. É assim que o triunvirato
positivista manifestará o caráter plenamente orgânico da terceira fase da
transição final pelo hábito invariável de anunciar suficientemente seus atos
quaisquer para que eles possam ser por toda parte examinados a tempo”
7.5.3. O trecho que mais nos interessa
sobre o “Viver às claras” está no Catecismo
positivista (na 11ª conferência, dedicada ao regime público – p. 354-355):
“Quanto às disposições provenientes da existência doméstica, esta
suscitará sobretudo a melhor aprendizagem desta regra fundamental que cada um
se deverá impor livremente, como base pessoal do regime público: Viver às claras. Para esconderem suas
torpezas morais, nossos metafísicos fizeram prevalecer a vergonhosa legislação
que ainda nos proíbe escrutar a vida privada dos homens públicos. Mas o
positivismo, sistematizando dignamente o instinto universal, invocará sempre a
escrupulosa apreciação da existência pessoal e doméstica como a melhor garantia
da conduta social. Como ninguém deve aspirar senão à estima daqueles a quem
também estima, não somos obrigados a dar a todos, sem distinção, conta habitual
de nossas ações quaisquer. Porém, por mais restrito que possa vir a ser, em
certos casos, o número de nossos juízes, basta que sempre existam alguns para
que a lei de viver às claras nunca perca sua eficácia moral, impelindo-nos
constantemente a nada fazer que não seja confessável. Semelhante disposição
prescreve logo o respeito contínuo da verdade e o cumprimento escrupuloso de todas
as promessas. Este duplo dever geral, dignamente introduzido na Idade Média,
resume toda a moral pública e faz-vos sentir a profunda realidade daquela
admirável sentença em que Dante, representando o impulso cavalheiresco, designa
para os traidores o mais horrível inferno”[6]
7.5.4. O trecho acima do Catecismo estabelece, então, uma
diferença de âmbito na aplicação do “viver às claras”; ou melhor, não é
exatamente de âmbito, mas das atividades e das responsabilidades atribuídas a
cada um: figuras públicas de um lado, simples cidadãos, de outro lado
7.5.4.1.
No
caso das figuras públicas, o “viver às claras” deve ser aplicado de maneira
direta: a vida íntima de quem exerce o poder (seja o poder político, seja o
poder econômico, seja também o poder espiritual) deve ser sujeita a escrutínio
público
7.5.4.2.
No
caso dos simples cidadãos, o “viver às claras” significa adotar condutas
passíveis de avaliação pelos familiares e pelos amigos mais próximos, além de
pelo sacerdócio; essa avaliação, por seu turno, tem que se realizar a partir de
critérios publicamente aceitáveis e razoáveis
7.5.4.3.
A
vinculação entre sentimentos e idéias, de um lado, e atos concretos, de outro,
está sempre em questão: embora nem sempre consigamos agir conforme desejemos e
nem sempre obtenhamos os resultados desejados, certamente os atos praticados
têm que corresponder aos sentimentos e às idéias professados (ou, pelo menos,
às intenções afirmadas) – é uma questão de coerência e honestidade
7.5.4.4.
Convém
lembrar que os dois princípios elementares da moral pública consistem em falar
a verdade e honrar a palavra dada (ou, de maneira negativa: não mentir e não
trair)
7.5.4.5.
Uma
recordação pessoal também ajuda um pouco, seja para entendermos o “Viver às
claras” para os simples cidadãos, seja para estabelecermos a compatibilidade
entre as duas máximas: o saudoso David Carneiro Jr., o Vivi (1926-1997), que
tinha um temperamento prático muito acentuado, afirmava, repetindo o industrial
positivista Augusto Trajano Antunes, que devemos “viver às claras” mas não
“viver às escâncaras”
7.5.4.6.
O
objetivo do “viver às claras” não é devassar a vida íntima das pessoas, mas
garantir – especialmente no caso das
figuras públicas – que elas de fato vivem para outrem, que falam a verdade,
que honram a palavra dada, que seus sentimentos são altruístas, que suas idéias
são sintéticas e que suas ações são convergentes, pacíficas e construtivas
7.6.
Em suma: a partir das indicações
acima, consideramos que as duas máximas são, evidentemente, compatíveis, em
particular da seguinte maneira:
7.6.1.
Um sentido básico do “viver às
claras” consiste em adotar parâmetros públicos e publicamente confessáveis na
vida
7.6.2.
As figuras públicas e/ou aquelas
que exercem o poder têm que ter suas vidas, incluindo aí suas vidas privadas,
passíveis de exame público
7.6.3.
Já os simples cidadãos não se
submetem a essa exigência de escrutínio geral; mas, por outro lado, seus
comportamentos continuam passíveis de apreciação por seus familiares, seus
amigos e pelo sacerdócio
7.6.4.
O objetivo do viver às claras não
é devassar a vida íntima das pessoas, mas garantir a moralidade da conduta – e
essa moralidade é dada pelo viver para outrem
7.6.5.
Ora, no viver às claras nada
obriga as pessoas a “derramarem as preocupações que sentem”: a exigência de
exame da vida privada das figuras públicas implica o exame das relações
pessoais, familiares e de amizade dessas figuras; já as preocupações mais
íntimas, mais pessoais – desde que não tenham conseqüências públicas – podem e
devem ser preservadas para apreciação na intimidade
7.6.6.
Aos simples cidadãos as
exigências de viver às claras são menores; a eles aplica-se com ainda mais
facilidade a máxima dos “grandes corações”
7.6.7.
É importante notar que a
expressão de Clotilde sobre os grandes corações não busca o fechamento, nem o
isolamento, nem o segredo; sua intenção é indicar que as pessoas realmente
generosas buscam não incomodar ou atrapalhar os demais; em outras palavras, seu
sentido é que cada um evite de criar, estimular e/ou disseminar dissabores,
suspeitas, intrigas etc.
8. Exortações finais
8.1. Sejamos altruístas!
8.2. Façamos orações!
8.3. Como Igreja Positivista Virtual,
ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse
8.4. Para apoiar as atividades dos
nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)
9. Invocação final
Referências
- Augusto Comte
(franc.), Sistema de política positiva
(Paris, s/n, 1851-1854)
- Augusto Comte
(franc.), Testamento (Paris,
Exécution Testamentaire d’Auguste Comte, 2ª ed., 1896): https://bibdig.biblioteca.unesp.br/items/510b1daa-24d3-48e3-a1ed-ddce5191ee5a.
- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro,
Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.
- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro,
Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934).
- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.):
O momento comtiano (Curitiba, UFPR, 2019).
- Gustavo Biscaia de Lacerda
(port.): Sobre as máximas de Clotilde de
Vaux (26 de abril de 2023): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2023/04/sobre-as-maximas-de-clotilde-de-vaux.html
- Raimundo Teixeira
Mendes (franc.), Comte e Clotilde
(Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1903): https://bibdig.biblioteca.unesp.br/items/f3d104ea-4350-4a3d-a58a-63ec4a10fc54.
- Raimundo Teixeira
Mendes (port.), O ano sem par (Rio de
Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.
[1] Não deixa de ser uma
bela e feliz coincidência o fato de que estamos próximos de celebrar os 180 anos de
publicação dessa novela!
[2] Convém explicarmos a
estrutura da novela Lúcia para que a citação faça plenamente sentido. A novela
é composta por diversas cartas trocadas entre várias pessoas, após uma
introdução narrada em primeira pessoa. As pessoas que trocam cartas são a
sofrida Lúcia, seu amor Maurício, um amigo (e confidente) de Maurício chamado
Rogério, o médico de Lúcia. As cartas apresentam confidências pessoais e também
narram situações diversas; ao narrarem as situações vividas, as cartas – que,
logicamente, são escritas em primeira pessoa – com freqüência adotam o discurso
direto, procurando transcrever literalmente os diálogos conforme eles teriam
ocorrido. É dessa forma que, na passagem abaixo, Maurício narra a Rogério um
diálogo travado entre Lúcia e Maurício (e, em particular para o que nos
interessa, uma fala de Lúcia para Maurício).
[3] As anotações dessa
prédica estão disponíveis aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2023/04/sobre-as-maximas-de-clotilde-de-vaux.html.
[4] Referência ao Discurso sobre o conjunto do Positivismo,
de 1848, inserido em 1851 como preâmbulo geral ao Sistema de política positiva, no v. I desta obra, sob o título de
“Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo”.
[5] A palavra “ditador”
(e suas variações) não tem, para
Augusto Comte, o sentido contemporâneo negativo, que é sinônimo de
autoritarismo; para o fundador da Sociologia, o “ditador” é o governante que
atua de maneira monocrática, em oposição à dispersão do poder característica
das assembléias e do parlamentarismo. Dessa forma, há ditadores progressistas, ditadores
retrógrados, ditadores liberais, ditadores repressivos etc. Uma exposição detalhada
dessa questão e de aspectos próximos pode ser consultada em nosso livro O momento comtiano (Curitiba, UFPR, 2019).
[6] Dante inclui os traidores
no nono e último círculo do inferno, padecendo dos mais terríveis castigos; a exposição
e a apreciação desses sofrimentos ocupa os últimos cantos do Inferno.
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