No trecho abaixo Teixeira Mendes relaciona o absolutismo, o egoísmo, a metafísica e o materialismo, opondo-os ao relativismo, ao amor, ao altruísmo e à positividade; em outras palavras, ele relaciona os aspectos afetivos, intelectuais e práticos do ser humano. O poder de síntese nesses trechos é impressionante e os esclarecimentos que fornecem recomendam altamente a sua divulgação: daí os republicarmos agora.
O trecho abaixo foi publicado no opúsculo "O Positivismo e a questão social. A propósito da propaganda anarquista" (Série da IPB, n. 383. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1915, p. 47-49; 2ª ed. de 2025, p. 30-31.).
Assim procedendo, o espírito materialista, que se compraz em substituir verbalmente a variedade real dos fenômenos pela unidade fantástica do mais grosseiro. Impossibilita a inteligência de resolver o único problema mental que interessa à Humanidade. Porque, dado o fatal relativismo dos nossos conhecimentos, nada podemos e nada precisamos saber em absoluto. Só o que é acessível ao espírito humano é conceber um mundo ideal representando o mundo real com o grau de aproximação exigido pelo conjunto das nossas necessidades morais, intelectuais e práticas. E, para isso, o conjunto da revolução científica evidencia que a razão teórica deve limitar-se a prolongar a razão popular, instituindo, como o bom senso vulgar, por toda parte, a hipótese mais simples e mais simpática, de acordo com o conjunto dos dados adquiridos. Tal é o característico do espírito positivo, sempre real, útil, claro, preciso, orgânico, relativo e simpático.
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Deixando-nos seduzir pelo absolutismo
metafísico, tanto materialista como espiritualista, ficamos expostos aos
arrastamentos nos vários pendores egoístas, e tornamo-nos incapazes de
modificar, em proveito da Humanidade, quer a Terra, quer a sociedade e os
indivíduos. Os horrores da guerra atual constituem a mais cruel demonstração das devastações é que o absolutismo
materialista é capaz de conduzir os governos e os povos. Sem as descobertas
científicas, seriam impossíveis as modernas máquinas de morticínio e
destruição. Mas essas máquinas só foram construídas pelo ascendente dos pendores
egoístas a que o absolutismo materialista pretende reduzir a
natureza humana. Sem o predomínio de tais pendores, exaltados pelo materialismo
pseudocientífico como únicos reconhecidos em nossa constituição moral,
não se chegaria à monstruosa pretensão de tudo esperar obter da força bruta,
quer de um indivíduo, quer de milhares ou milhões de indivíduos,
orgulhosos e desvanecidos com a sua cultura, mental e industrial, tanto pessoal
como nacional. Desconhece-se assim, com a mais negra ingratidão, que a ciência
em e a indústria não existiriam sem a inateidade dos pendores altruístas,
cujos efeitos os nossos antepassados sistematizaram pelas crenças teológicas,
atribuindo-os à graça divina.
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Ao passo que, constatada a existência inata
dos pendores altruístas, todas as manifestações egoístas, desde a cobiça
até o orgulho e a vaidade – quer se trate da fraude, do roubo, do homicídio
perpetrados por um indivíduo, quer se trate das revoluções e das guerras – cessam
de ser títulos de glória. Em vez de estimulá-las, sente-se que cumpre
acautelar-nos contra elas, a fim de evitar que elas comprometam a existência
social e a existência moral.
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Se o Amor é uma força moral
real, como o calor, a luz, a eletricidade etc., são forças físicas reais,
só nos resta descobrir as leis naturais que regem os pendores egoístas e os
pendores altruístas, para atingir à felicidade ao alcance real da Humanidade,
mediante a subordinação cada vez mais completa de tudo à fraternidade
universal. E se o Amor não existisse naturalmente, não
haveria a combinação capaz de o fazer surgir, a existência terrena
estaria, enquanto durasse, votada a dominação da força bruta, sob o jugo
do egoísmo servido por uma inteligência sempre rudimentar. Isto é, a
Humanidade não existiria nem as famílias e as cidades.
(Raimundo Teixeira Mendes, O Positivismo e a questão social. A propósito da propaganda anarquista. Série da IPB, n. 383. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1915, p. 47-49; 2ª ed. de 2025, p. 30-31.).
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