05 fevereiro 2007

O “verdadeiro” Marx e o individualismo: Augusto Comte como teórico do coletivismo totalitário

O artigo abaixo foi redigido como réplica a um texto anteriormente publicado na revista eletrônica Verinotio; em virtude disso, os editores dessa revista julgaram adequado publicar o meu texto, a fim de permitir-se o diálogo e a troca de idéias. Agradeço imensamente a honestidade e a correção dos editores da revista. A minha réplica pode ser lida aqui: http://www.verinotio.org/conteudo/0.6239758242145.pdf.

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Neste artigo comento o texto de Maria de Annunciação Madureira, “Elementos da filosofia de Augusto Comte” (MADUREIRA, 2005). O objetivo da autora é apresentar alguns elementos da filosofia e da proposta moral de Comte, indicando em particular a ênfase comtiana na coletividade, em oposição ao individualismo. Com essa exposição a autora pretende reunir elementos para demonstrar, seguindo uma sugestão de José Chasin (1999), que a ênfase no coletivismo geralmente atribuída a Marx e propalada pelos “marxismos vulgares” – cujo resultado histórico foram os vários “socialismos reais”, de triste memória – na verdade é comtiana, não marxista (ou melhor, marxiana); eis as palavras da autora: “Ao expor os elementos centrais da filosofia de Comte, o objetivo deste artigo é o contribuir para a elaboração da crítica às diversas vertentes do marxismo vulgar, esforço necessário que se soma ao conjunto de pesquisas que estão sendo desenvolvidas para se resgatar o pensamento marxiano” (MADUREIRA, 2005).

A exposição da filosofia de Augusto Comte que a autora faz é, em si, bastante tradicional e, por assim dizer, “conservadora”, recorrendo a uma literatura já antiga e de caráter introdutório (embora em alguns casos ilustre: Evaristo de Morais Filho, João Cruz Costa) para apresentar Comte. Nesse sentido, aliás, há inúmeras referências à no mínimo tendenciosa apresentação que J. A. Gionnotti fez de Comte para a coleção “Os pensadores”, em que usou e abusou do sofisma ad hominem, ou seja, em que procurou desmerecer a filosofia por meio de anedotas (narradas parcial e incompletamente) da vida do pensador. Os compromissos intelectuais da autora revelam-se com clareza na medida em que ela parafraseou esses sofismas ad hominem – assumindo-os para si. Óbvio ululante: sofismas (de qualquer tipo) são “argumentos”?

Por outro lado, a rarefação de textos da lavra do próprio Comte que a autora consultou, aliás, é extremamente reveladora das ambições do artigo (ou melhor: de suas limitações): novamente, apenas textos introdutórios do volume dedicado a Comte na coleção “Os pensadores”, além do Discurso sobre o espírito positivo. Essas limitações bibliográficas são aceitáveis para um estudante de graduação que tem que fazer um trabalho de final de semestre sobre Comte, mas, parece-me – de acordo com os critérios acadêmicos presentemente aceitos no Brasil e no mundo –, é inaceitável para uma pesquisadora, professora efetiva de universidade pública (da Universidade Estadual de Maringá) e, de acordo com as informações disponíveis em seu currículo lattes, doutoranda que já tem mais de 20 anos de vida acadêmica.

Todavia, o pior do texto – e o texto é ruim! – não é a apresentação de Comte em si, mas o móvel da autora ao escrever essa pequena obra-prima de desinformação: seu objetivo é demonstrar que a culpa pelas atrocidades que a União Soviética e o chamado “socialismo real” cometeram não é de Marx, mas de Comte, afirmando que a ética coletivista que nega o individualismo é comtiano e não marxista! Essa hipótese ultrapassa a ousadia e chega às raias do despropositado, do fora da realidade. Ou melhor: ela é contra a realidade 1) teórica e histórica, 2) do positivismo e do próprio marxismo.

Embora a autora considere a preocupação com o conhecimento algo de menor importância (“Marx se voltou não para a problemática do conhecimento – como, sob inspiração positivista, sua obra costuma ser divulgada” (MADUREIRA, 2005)), uma pequena avaliação epistemológica é necessária. Assim, a idéia de que é de Comte, e não de Marx, o coletivismo liberticida é caracteristicamente uma hipótese ad hoc formulada para salvar o paradigma marxista. Como diria Imre Lakatos (LAKATOS & MUSGRAVE, 1970), isso por si só é uma prova da degenerescência do paradigma – de que a substância da hipótese é uma comprovação cabal.

Essa “hipótese” transfere a responsabilidade de Marx – ou melhor, do marxismo – para Comte e o Positivismo[1]; como afinal não é possível negar os crimes perpetrados em nome do marxismo (nem, após 1989, afirmar sua relevância política), afirma-se que a responsabilidade – a culpa – é de outro; assim, a consciência permanece tranqüila e é possível continuar sendo quem ou que se é, sem maiores preocupações[2].

Mas deixemos de lado as questões epistemológicas e metodológicas e passemos diretamente às afirmações e interpretações da autora.

A autora está corretíssima ao afirmar que Comte instituiu uma ética do coletivismo em contraposição à do individualismo – antes a sociedade, depois os indivíduos – e que insistiu nisso a vida inteira. Melhor dizendo: para Comte, não se tratava de uma ética da “coletividade”, mas do “coletivo”; sem querer abusar das palavras nem recorrer a bizantinismos, é crucial notar que “ética da coletividade” não é o mesmo que “negação da individualidade”, “negação da subjetividade”, “negação do esforço e da responsabilidade pessoais”. O que Augusto Comte afirmava era a necessidade sociológica de adotar-se um padrão moral que guiasse as condutas individuais e coletivas por critérios sociais. Diga-se de passagem que é exatamente essa a concepção subjacente ao conceito de “altruísmo”, que foi aliás criado por Augusto Comte.

Como seria possível a Augusto Comte negar o espaço às individualidades ou “negar a subjetividade” (como afirma a autora) se a moral proposta por Comte exige a adesão voluntária dos indivíduos? Como seria possível negar as individualidades e as subjetividades se o que o Positivismo prega é a “sinergia”, isto é, o concurso dos indivíduos para o benefício coletivo? Como seriam possíveis as pungentes efusões íntimas de afeto de Augusto Comte por Clotilde de Vaux (sua “esposa subjetiva”) – tornadas “normais” na Religião da Humanidade – se não houvesse espaço para a individualidade e, de maneira mais crucial, para a subjetividade no Positivismo? Aliás – e tocando em um problema central para o marxismo –: como seria possível a existência da propriedade privada – que Augusto Comte afirmava como elemento da Estática Social – sem a existência de “indivíduos”?

Dessa forma, não é possível nem razoável afirmar que a “ética da coletividade” comtiana redundou, ou poderia redundar, em coletivismos liberticidas e/ou qualquer espécie de negação da “subjetividade”. Justificar o coletivismo comunista e as tiranias dele decorrentes fazendo referência a Comte é um disparate: para comprová-lo, bastaria a autora ter feito uma pesquisa bibliográfica um pouco melhor e chegaria sem dificuldade a vários autores: Aron (1999), Alain (1993), Jean Lacroix (2003) ou o portal eletrônico Auguste Comte et le Positivisme (http://membres.lycos.fr/clotilde/) (não citarei nem o próprio Comte (1890; 1899; 1946; 2000) nem Pierre Laffitte (1938) pois parece claro que a autora não teve a menor intenção de pesquisar mais a fundo o tema). Sobre as questões específicas a que estamos referindo-nos aqui, ela poderia tentar ler: a dissertação de mestrado de Ângelo Torres (1997), sobre o léxico comtiano, em particular o relativo ao conceito de “liberdade”; o livro do Arthur Lacerda (2003), a respeito do projeto republicano de Comte; a dissertação de mestrado e a tese de doutorado do Sérgio Tiski (2005; 2006), que tratam extensamente dos conceitos de Moral e de religião no pensamento comtiano – fazendo referência direta, portanto, aos “indivíduos” e às “subjetividades” – ou o meu artigo sobre a política em Comte (LACERDA, 2004). Mas, na verdade, o que a autora realmente deveria ter lido deveria ser o livro do Alfredo Severo dos Santos Pereira intitulado As falsas bases do comunismo, recentemente reeditado (PEREIRA, 2003), que trata exatamente do tema em (des)apreço, ou seja, de como o Positivismo comtiano é radicalmente contrário a qualquer conceito de coletividade que negue a responsabilidade individual e que afirme a “coletivização” da sociedade (percebida, aliás, como necessariamente liberticida)[3]. Mas, conforme depreendemos da retórica da autora, procurar esses livros seria preocupar-se em demasia com “o conhecimento” e muito pouco com “o homem”, com “a ontologia do ser social”!

Mas, por outro lado, surge a questão da responsabilidade do próprio Marx. Afinal de contas, ele foi ou não o responsável pelos crimes do comunismo? Afinal de contas, ele era ou não a favor do coletivismo e da coletivização dos meios de produção? Afinal de contas, ele era ou não contrário ao individualismo?

Na verdade, responsabilizar o autor de uma idéia pelas conseqüências práticas que essa idéia pode eventualmente ter não deixa de ser uma forma de irresponsabilidade política, ao afirmar que os indivíduos, quando agem, não o fazem porque quiseram agir daquela forma, mas porque foram guiados por algo semelhante a uma força ideológica superior a eles, que os torna meros títeres do destino.

Afirmar que Marx foi o responsável pelos crimes do comunismo é, em certo sentido, um exagero: quem praticou os crimes foram indivíduos que quiseram praticá-los. A questão é saber se o pensamento marxista favorece(u) esse tipo de prática – e a resposta é inequívoca: sim, o marxismo favorece, seja por motivos teóricos (com suas afirmações e suas negações), seja por motivos políticos (com as ações e as omissões de Marx e seus êmulos e epígonos).

Os crimes cometidos pelo comunismo foram justificados pelo messianismo marxista. Sobre esse messianismo já se escreveram rios de tinta: ele combina a dialética hegeliana (que, por si só, é metafísica e, assim, filosoficamente absoluta, isto é, anti-relativa) com o providencialismo judaico-cristão. Não podemos esquecer: seguindo a trilha teórica e metodológica de Hegel – não de Comte! –, Marx afirmava – desde o início de sua carreira, quando ainda era um “jovem hegeliano” e “preocupado com a ontologia” (e não com o “conhecimento”) – que o individualismo burguês é causa da alienação do “homem”, do “homem inteiro”, do “homem total”: para restituir-se o “homem”, o “homem inteiro”, o “homem total”, há que se acabar, imperiosamente, com esse vilão que é o individualismo. Depois, com o desenrolar de sua carreira, Marx abandonou o tom metafísico e adotou preocupações mais sociológicas (isto é, políticas, econômicas e propriamente sociológicas) e em inúmeras ocasiões afirmou-se contrário à propriedade privada e à venalidade do individualismo, percebido como caracteristicamente burguês e capitalista e, portanto, como inerente e irremediavelmente mal e desprezível; como solução para a desumanização e as desigualdades capitalistas, Marx estabeleceu que a meta fundamental da sociedade comunista seria a coletivização dos meios de produção, de modo que o homem poderia viver integralmente e por inteiro em uma sociedade em que todos seriam iguais (mesmo que à força). Por fim, é senso comum (ou seria “marxismo vulgar”?): Marx sempre afirmou a centralidade dos conflitos na “ontologia social”, com a luta de classes em primeiro lugar. Coletivização, repúdio dialético (i. e., metafísico e absoluto) ao individualismo, defesa radical do igualitarismo, luta de classes como necessidade política e sociológica: lê-se tudo isso em Marx – do “jovem Marx” ao “Marx maduro” –, mas não se lê nada disso em Augusto Comte – em lugar algum da obra de Comte.

Não deixa de ser curioso, para não dizer irônico, o fato de a autora referir-se a problemas pessoais de Comte – dificuldades familiares, conjugais, financeiras – para desmerecer sua filosofia, ao mesmo tempo em que não adota o mesmo padrão para Marx – que, sugere-se, é um gênio visionário e libertário, além de isento de máculas. Mas o comportamento de Marx, em certos momentos, não foi “problemático”: foi francamente execrável. À parte o fato de que, em termos familiares, ele burguesmente tinha uma amante e que fazia sexo à força (ou seja, praticava estupro) tanto com a esposa quanto com a amante, a verdade é que ele sempre adotou uma prática bismarckiana na vida política, uma Realpolitik informada pelo seu idealismo messiânico – não é coincidência o fato de que Marx & Engels tinham uma profunda admiração pelo Chanceler de Ferro. Aliás, como o destino da humanidade já está dialeticamente definido; como a moral corrente é burguesa e, portanto, hipócrita e “ideológica”; como a vida em sociedade é guerra; como a justiça está do lado da verdade e a verdade (dialética) está do lado dos proletários, não há porque não adotar um comportamento politicamente “realista”, de acordo com o qual os fins justificam os meios. Nesse sentido, como lembram os insuspeitos anarquistas, a prática de espalhar calúnias e mentiras pessoais sobre os inimigos, na esperança de que, mesmo que desmentidas, sempre ficará na lembrança coletiva um “resíduo”, não é de Goebbels, mas de Marx (SKIRDA et alii, 2001). Além disso, expurgos, golpes de força, golpes políticos: Bakunin (2001) já denunciava essas práticas de Marx e de seus seguidores no movimento operário do século XIX: como se vê, as práticas autoritárias ou totalitárias não eram estranhas ao marxismo mesmo em suas origens. É necessário possuir uma imaginação fértil e uma ousadia sem limites para atribuí-las a Comte e ser muito cândido (ou, no presente caso, cândida) para delas “inocentar” Marx. Detalhe: nenhuma dessas minhas afirmações é gratuita; basta ler um pouco: Aron (1980), Furet (1995), Courtois (1999); talvez mesmo Louis Dumont (1992; 1994; 1994; 2000), para entender o tal do “individualismo”.

Para concluir, duas observações.

A autora afirma querer “resgatar o pensamento” de Marx. Todavia, esse empreendimento intelectual e político tem sido realizado há décadas; na verdade, desde que o próprio Marx era vivo, há mais de um século, fala-se em resgatar o seu pensamento e, de fato, devemos parte da riqueza do marxismo exatamente aos insistentes e contínuos esforços dos mais diversos teóricos para o “resgate” do marxismo. Todavia, por mais variadas que sejam as diferenças entre esses teóricos que “resgatam” o pensamento marxista, algumas coisas permanecem constantes: a importância da luta de classes, o destaque ao proletariado, a dialética e... o coletivismo[4]. A insistência no coletivismo, mesmo após a falência do sistema comunista (ou soviético, se se preferir), é uma das características dos diversos marxismos e, nesse sentido, parece que também deve ser do “verdadeiro” marxismo. Por outro lado, bem ao contrário, a crítica do coletivismo e a defesa do individualismo pertence ao campo dos adversários, teóricos e práticos, do marxismo: são os liberais: Isaiah Berlin, Friedrich A. von Hayek, Ludwig von Mises, Frank Knight, Milton e Rose Friedman... podemos até incluir aí Raymond Aron e o brasileiro José Guilherme Merquior. Creio que nem os mais ousados teóricos da Terceira Via teriam coragem de filiar Marx, mesmo um “verdadeiro Marx”, no liberalismo!

Novamente: a autora deseja “resgatar o pensamento marxiano”. Mas na literatura da Teoria Política que trata do “resgate do pensamento dos autores” (SKINNER, 1972; BEVIR, 1994; 1997; 2002; SILVA, 2006) – a que a autora, aliás, não faz nenhuma referência – não há nenhuma sugestão ou orientação teórica ou metodológica no sentido de que “resgatar um autor” consiste em atribuir a outros autores aqueles traços que julgamos desagradáveis ou ruins no autor que “resgatamos”. Bem ao contrário: resgatar um autor implica reconhecer que esse autor deve ser entendido por inteiro, com suas “qualidades” e com seus “defeitos” – isto é, com aquilo que nós, pesquisadores posteriores, julgamos serem “qualidades” e “defeitos”. Em outras palavras, atribuir a Comte (a partir de uma interpretação canhestra do pensamento comtiano) traços do pensamento de Marx para, com um único movimento, tentar 1) livrar da tradição marxista a responsabilidade pelos crimes do comunismo e 2) “resgatar” o pensamento de Marx, não resulta nem em uma coisa nem em outra: apenas degrada o pensamento dos dois autores.

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[1] Claro que a referência a Comte, isto é, ao “Positivismo”, ajuda nessa transferência, pois, afora o preconceito generalizado de que goza essa palavra nos dias que correm (cf. Wacquant, 1996, p. 592-596), ninguém sabe direito a que corrente, ou escola, ou doutrina ela refere-se. Veja-se, por exemplo, a douta afirmação do brasilianista norte-americano Thomas Glick: “O positivismo não é uma filosofia estrito senso, mas é principalmente um conjunto de princípios gerais apropriados por indivíduos ou grupos para legitimar objetivos ideológicos intelectuais específicos ou políticos” (GLICK, 2003, p. 181). Em outras palavras, não existem escolas específicas, nas mais diversas áreas do conhecimento chamadas “Positivismo”, mas apenas diferentes formas de enganar o povo. Essa postura, que nega qualquer cidadania filosófica ou teórica a qualquer corrente chamada de “positivista”, é ela mesma ideológica, pois apenas produz confusão e diversionismo. Para apresentações de algumas modalidades de “Positivismo”, cf. Ayer (1959) e Giddens (1998, cap. 5).

[2] Convenhamos: “transferir para outros a responsabilidade pelos próprios atos, a fim de não lidar com a culpa” permite uma interpretação clínica – que, neste momento, seria oportuna.

[3] Precisamente esse foi um dos motivos que levou Augusto Comte a condenar os “comunismos” de sua época (que incluíam os autores do “socialismo utópico” mas em que, bem vistas as coisas, poderíamos sem dificuldade incluir o “socialismo científico”) (cf. COMTE, 1946; LACROIX, 2003, p. 28-29n.).

[4] Uma exceção a esse comentário seriam os marxistas adeptos da escolha racional (Jon Elster à frente). Todavia, é sabido que sua filiação ao marxismo é uma questão decididamente controversa e, de qualquer forma, é a exceção que confirma a regra.

02 fevereiro 2007

Elementos para uma reavaliação do Positivismo comtiano

RESUMO

O artigo apresenta uma visão global do Positivismo comtiano, considerado como uma obra única, marcada por diversas fases. O objetivo é, no ensejo do sesquicentenário do falecimento de Augusto Comte (1798-1857), contribuir para uma reavaliação de sua obra, ao indicar alguns elementos centrais do pensamento comtiano a partir de sua coerência interna, assim como comentar e discutir algumas das críticas mais recorrentes feitas a essa doutrina. Para tanto, apresenta-se um resumo biográfico de Augusto Comte, seguido de seus princípios epistemológicos e de Teoria Social; na seqüência, as propostas políticas são repassadas, bem como o seu projeto de ciência da Moral.

PALAVRAS-CHAVE: Positivismo; Augusto Comte; Sociologia; Teoria Social; política positiva.

I. PALAVRAS INICIAIS[1]

No ano de 2007 comemoram-se 150 anos do falecimento de Augusto Comte, o “pai” da Sociologia. O nome de Isidore-Auguste-Marie-François-Xavier Comte (1798-1857), ou, simplesmente, em português, Augusto Comte, é geralmente associado a diversos significados, muitos deles contraditórios e referentes a questões muito variadas. Sua filosofia chamou-se “positivismo” – mas o sentido dessa palavra há muito já não corresponde ao que o próprio Comte definiu[2] –; por outro lado, após realizar um exame das diversas ciências existentes em sua época e procurando afastar-se das soluções meramente empíricas aos problemas sociais, ele notabilizou-se pela criação da ciência da sociedade, a Sociologia: embora no pensamento comtiano esses dois “fatos” não sejam propriamente separáveis, cada um deles constitui objeto de discussões próprias. O sesquicentenário do falecimento de Comte enseja uma reavaliação de sua importância histórica, não apenas para a celebração mais ou menos ritual da efeméride mas para uma efetiva avaliação de sua obra, da recepção que ela teve e do que dela persiste hoje. Conforme cremos, reconsiderar a obra de Comte em sua inteireza e a partir de suas próprias referências permite dissipar um certo conhecimento comum sobre o positivismo comtiano, desfazendo mitos e mal-entendidos[3].

Este artigo ambiciona apresentar em traços rápidos e mais ou menos sumários a vida e a obra de Comte, tomando como referência as discussões contemporâneas tanto da Sociologia quanto a respeito de Comte ou do “positivismo”. Dessa forma, em virtude das limitações de tamanho deste artigo, toda uma rica tradição positivista, teórica e prática, não será mencionada aqui.

Além disso, em face das inúmeras interpretações da obra comtiana, é importante esclarecer qual a perspectiva de adotaremos. Como todo pensador, em sua carreira Augusto Comte desenvolveu diversas idéias que foram, ao longo do tempo, mantidas ou modificadas (aprofundadas ou descartadas). No caso específico que nos interessa, entrementes, a preocupação com a sistematicidade e com a coerência das idéias – ao menos em linhas gerais – sempre foi uma preocupação constante. Assim, consideramos que as várias fases de seu pensamento constituem etapas de uma carreira única, que procurou constituir um amplo sistema de pensamento por meio do acréscimo constante de novos elementos (isto é, novas idéias ou novas interpretações). Essa perspectiva, diga-se de passagem, corresponde ao desejo do próprio pensador, de modo que procura ser fiel ao seu pensamento[4].

O artigo organiza-se da seguinte maneira: apresentamos inicialmente um resumo biográfico de Augusto Comte, indicando momentos importantes em sua vida e em sua carreira e fazendo referência à conjuntura histórica em que viveu; na seqüência, expomos aspectos de seu pensamento: filosóficos, sociológicos, políticos e morais. Por fim, comentamos algumas críticas, a título de conclusão.

II. RESUMO biogrÁFICO

Isidore-Auguste-Marie-François-Xavier Comte nasceu em 19 de janeiro de 1798, na cidade do Sudoeste da França de Montpellier, e faleceu em Paris, em 5 de setembro de 1857 (portanto, com a idade de 59 anos)[5].

Embora sua família fosse católica e legitimista (ou seja, defensora da monarquia, em oposição à República instaurada pela revolução Francesa e, depois, em oposição igualmente ao regime de Napoleão Bonaparte, o império), o jovem Comte apresentava independência de espírito e afirmava o republicanismo.

Além de uma prodigiosa memória e de uma grande capacidade de abstração, ele integrava de uma juventude cujos ânimos eram inflamados pelos ideais de renovação social e humana da Revolução. Assim, com 16 anos foi selecionado para estudar na Escola Politécnica, instituição criada após 1789 para a constituição de quadros técnicos e políticos para a nova sociedade que se planejava. Na Politécnica, Augusto Comte estudava as ciências naturais como parte do currículo e estudava Filosofia, Filosofia Política e História por interesse social – interesse que o ambiente, aliás, estimulava.

Em 1815, no período dos 100 dias, embora fosse contrário a Napoleão – por ele percebido como retrógrado e traidor dos valores da Revolução –, auxiliou na defesa da pátria. No ano seguinte, um desentendimento com um professor levou-o, assim como a vários de seus colegas, a serem expulsos da Escola Politécnica, de modo que retornou a Montpellier.

Embora tenha seguido, por um certo tempo, algumas aulas no curso de Medicina de sua cidade natal, decidiu voltar a Paris, obtendo, afinal, emprego como secretário do Conde Henri de Saint-Simon – um dos “socialistas utópicos” de Marx –; Saint-Simon unia uma experiência de vida que datava de 1789 às preocupações sociais, escrevendo e intervindo freneticamente.

Constituiu-se uma parceria que durou sete anos, de 1817 a 1824. Essa parceria foi importante para Comte na medida em que lhe permitiu tratar diretamente das questões sociais de sua época, examinando os problemas e as teorias em voga. Todavia, diferenças de opinião e de método, bem como comportamentos intelectualmente desonestos da parte de Saint-Simon, levaram à ruptura entre ambos. A partir daí, Comte passou a dar aulas particulares de matemática para manter-se, além de ser examinador nos concursos de admissão da Escola Politécnica.

Duas datas são importantes nesse período. Em 1819 ele adere francamente ao relativismo (em oposição ao absoluto), assumindo essa perspectiva como aquela que caracteriza a ciência: “tudo é relativo, eis o único princípio absoluto”. Por outro lado, em 1822 publicou um longo artigo intitulado “Plano dos trabalhos científicos necessários para reorganizar a sociedade”, em que enuncia formalmente a lei dos três estados, apresenta sua filosofia da história e indica a necessidade e a possibilidade de constituição de uma ciência que tratasse especificamente da sociedade: sua obra estava aí em germe.

Em 1826 iniciou um curso público em que examinava filosoficamente as diversas ciências, isto é, investigava seus principais resultados e indicava de que maneira eles contribuíam para os conhecimentos humanos de modo geral. Entre seus “alunos” estavam alguns dos mais importantes pensadores e cientistas de sua época. Esse curso foi a base da primeira grande obra de Comte, o Curso de filosofia positiva, publicado em seis volumes entre 1830 e 1842 e depois, em 1848, renomeado para Sistema de filosofia positiva. Mais precisamente, o objetivo dessa obra era determinar as condições de uma possível ciência da sociedade, ou seja, quais as particularidades do objeto e a maneira adequado ao seu estudo (o método).

O período 1826 e 1828 foi problemático para o pensador, pois, em virtude de reiterados problemas conjugais, teve uma crise nervosa e foi internado. Com o apoio da mãe, todavia, recuperou seu equilíbrio, ficando do período as recordações do – e a condenação ao – péssimo tratamento recebido pelos pacientes nas instituições de saúde mental.

Entre 1830 e 1842 dedicou-se à redação e à publicação do Sistema de filosofia positiva. Essa obra, a mais conhecida e a mais citada de Augusto Comte, granjeou-lhe o sucesso e o respeito acadêmicos; entre seus correspondentes, estava o filósofo e lógico inglês John Stuart Mill, que foi grandemente influenciado por Comte.

Um detalhe biográfico: nas noites das quartas-feiras, desde 1830 até 1848, proferia um “Curso filosófico de Astronomia popular”, em que procurava auxiliar o proletariado a ter conhecimentos para sua emancipação.

Comte considerava que o Sistema de filosofia era apenas uma introdução teórica – uma grande introdução, é verdade – à obra que realmente importava: a resolução dos graves problemas políticos e sociais da “sociedade industrial”. A década de 1840 foi, em certo sentido, uma transição – decisiva – entre o que já fizera e o que ainda queria fazer.

Em 1845 conheceu e apaixonou-se por Clotilde de Vaux; como ambos eram casados, declarava seu amor pela moça mas mantinha um respeito limite. Esse relacionamento foi breve (Clotilde morreu em meados de 1846) mas intenso e fundamental na obra de Comte; a partir dele, a ênfase de suas reflexões desloca-se da inteligência para o coração, reconhecendo a importância da afetividade para o ser humano. É desse período a máxima: “Cansamo-nos de agir e até de pensar, mas jamais nos cansamos de amar”.

A partir daí a vida de Comte sofreu uma inflexão profunda. O curso de Astronomia transformou-se em livro, mas a parte introdutória, propriamente filosófica, cresceu tanto a cada ano que se converteu no próprio curso, transformando-se em dois livros: o Discurso sobre o espírito positivo (COMTE, 1990), publicado em 1848, e o Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo (COMTE, 1957), publicado em 1851 como introdução geral ao Sistema de política positiva e consistindo em uma apresentação geral do Positivismo considerado não como Filosofia da Ciência ou como Sociologia, mas como doutrina social – como religião humana.

Em 1848 a monarquia foi deposta por uma revolução popular e proclamada a República. Os problemas sociais, decorrentes da revolução industrial, estavam na ordem do dia e a nova ciência da Sociologia tinha que dar uma resposta às questões públicas. Assim, Comte fundou duas associações: uma para o ensino popular (considerado a base fundamental para a solução dos problemas sociais) – a Associação Livre para a Instrução Positiva do Povo em todo o Ocidente Europeu – e outra para a intervenção política – a Sociedade Positivista. A última organização, contando entre seus membros acadêmicos, políticos e proletários, produziu desde o início uma série de relatórios diagnosticando os problemas sociais da França e da Europa e propondo soluções à luz do Positivismo. Quais problemas? Desemprego, greves, analfabetismo, guerras, golpes políticos etc.

Entre 1851 e 1854 Augusto Comte escreveu o Sistema de política positiva, em quatro volumes. Essa obra trata do positivismo como doutrina política e social, propondo soluções para os problemas humanos a partir do exame científico da sociedade, isto é, à luz da Sociologia; além disso, criou a ciência dos seres humanos considerados individualmente (pressuposta a socialização), isto é, a Moral..

Considerando que os problemas sociais e humanos podem ser reduzidos a questões de religião – entendida de maneira particular e sem se confundir com “teologia” –, o quarto volume dessa obra propunha a Religião da Humanidade, com uma organização específica e com uma série de propostas sociais e políticas. Embora em si nenhuma dessas idéias seja estranha ou “errada” e todas elas sejam completamente coerentes com o conjunto da obra de Comte, o choque produzido pela mudança de perspectiva – da afirmação da ciência para a afirmação da religião (mesmo que uma religião positiva, humana e não-teológica) – levou, como leva, diversos autores a considerar que, a partir daí, Comte degenerava intelectualmente, já não se podendo levar a sério.

A aceitação ou não do Sistema de política levou a uma divisão entre os positivistas “completos” (ou “ortodoxos”, ou “religiosos”) e os “incompletos” (ou “heterodoxos”, ou “científicos”). O curioso a notar é que, de modo geral, quando se fala em positivismo, faz-se referência: 1) às reflexões do Sistema de filosofia, ignorando o Sistema de política (tão “positivista” quanto o outro) e 2) a uma versão bastante empobrecida ou mesmo deturpada da interpretação “heterodoxa” da obra de Comte.

Em 1852 veio a lume o Catecismo positivista ou sumária exposição da Religião da Humanidade e, em 1855, o Apelo aos conservadores: o primeiro é uma exposição do Positivismo para as mulheres (é importante lembrar que naquela época elas eram excluídas da vida pública, inclusive dos estudos) e para os proletários; o segundo é uma exposição do Positivismo para os “práticos”, isto é, para os líderes políticos e para os, por assim dizer, “capitalistas”.

Em 1856 Comte publicou o primeiro de quatro volumes da Síntese subjetiva, obra em que trataria de algumas questões sociológica e politicamente importantes: educação, instrução pública, organização industrial. Todavia, não conseguiu escrever os outros volumes, pois, devido a um problema no estômago – possivelmente câncer –, faleceu em 5 de setembro de 1857.

III. O PAI DE UMA CIÊNCIA

Diz-se que Comte é o “pai da Sociologia” porque ele criou a palavra, a partir da junção de dois radicais de origens etimológicas diversas: socius, de origem romana, indicando as associações humanas, e logia, de origem grega e referindo-se ao conhecimento de alguma área específica. Todavia, como Augusto Comte não realizou pesquisas acadêmicas sistemáticas – como foram os casos de Durkheim e de Weber –, afirma-se que sua contribuição para a fundação da Sociologia limitou-se à criação da palavra. Esse comentário, que subentende uma avaliação negativa da obra de Comte, não deixa de ser injusto, pois vincula a criação de uma área do conhecimento específica – na verdade, toda uma nova ciência geral – à sua institucionalização acadêmica[6].

Comte é o fundador da Sociologia não porque criou a palavra, mas porque 1) delimitou um objeto, 2) estabeleceu as condições gerais de pesquisa desse objeto – o método da nova área do conhecimento –, 3) realizou pesquisas aplicando esse método ao objeto e, last but not least, definiu o estatuto teórico dessa nova disciplina, alçando-a à condição de “ciência”.

O nome que Augusto Comte inicialmente deu à nova ciência da sociedade era “Física Social”. Com isso não queria dizer que se pode considerar a sociedade semelhante aos corpos físicos, mas que métodos semelhantes aos da Física deveriam ser aplicados à sociedade (ELIAS, 1980). Quais métodos? A observação, a comparação e, principalmente, a filiação histórica (LACROIX, 2003).

Em termos atuais diríamos que a metodologia de Comte era qualitativa e não quantitativa, ou seja, estava preocupado com conceitos e a formulação de hipóteses, rejeitando a aplicação da matemática à sociedade (que seria, para ele, um tipo de materialismo). A criação do nome “Sociologia” é uma afirmação clara dessa perspectiva: quando o estatístico belga Quételet propôs matematizar o estudo da sociedade, afirmando ser essa a verdadeira “Física Social”, Augusto Comte decidiu criar uma nova palavra para deixar claro o seu projeto de ciência da sociedade: surgiu, assim, a “Sociologia”, em 1836.

A contribuição de Comte, todavia, tende a ser criticada por um outro motivo, que, embora estreitamente relacionado à fundação da Sociologia, distingue-se dela, em termos de projeto e de teoria: referimo-nos à inserção da Sociologia na filosofia positivista, igualmente criada por Augusto Comte.

Há algumas palavras cujo sentido é particularmente ambíguo, na medida em que não se tem clareza a que se refere, pois possui um campo semântico muito amplo e sua utilização habitualmente é (ou tornou-se) imprecisa ou sem rigor. A palavra “positivismo” é um exemplo perfeito dessa situação: não apenas o sentido de valor atribuído a ela varia enormemente de acordo com o autor, como, após Comte (isto é, ao longo do século XIX e até meados do século XX), surgiram inúmeras escolas ditas “positivistas” e que, em inúmeras vezes, guardam com o positivismo comtiano uma relação apenas de nome. Dessa forma, não é difícil que referências ao positivismo jurídico, de Hans Kelsen; ou ao positivismo na História, de Ranke; ou ao positivismo na Psicologia, de Skinner; ou ao neopositivismo (ou Positivismo Lógico, da Filosofia)[7]; como dizemos, não é raro que referências a essas escolas tão diversas entre si sejam estendidas ou atribuídas – indevidamente – à obra de Augusto Comte[8].

A Sociologia, em particular, também experimenta essa ambigüidade, a partir de suas próprias discussões e disputas, além de suas diversas relações com as outras áreas do conhecimento, como notaram Loïq Wacquant (1996, p. 592-596) e Anthony Giddens (1998, cap. 5) a respeito da palavra “positivismo” e da mudança de valoração por que ela passou desde meados do século XIX. Dessa forma, cabe aqui uma apresentação dos princípios do positivismo comtiano e da Sociologia comtiana.

IV. POSITIVISMO E SOCIOLOGIA COMTIANAS

Augusto Comte adotava alguns pressupostos metodológicos em suas formulações sociológicas (e, na verdade, em todas as suas obras filosóficas): o primado da história; a relatividade do conhecimento; a visão de conjunto; os conceitos de ciência, de cientificidade e de “positivo” e, finalmente, a importância da subjetividade.

IV.1. Princípios epistemológicos

O sociólogo francês Raymond Aron (1999, cap. 2) sugeriu, corretamente, que Augusto Comte realizou suas reflexões tendo como pano de fundo a Revolução Francesa: como entender o terremoto político que eclodira em 1789? Como lidar com as forças sociais que a Revolução libertara e como solucionar os diversos problemas sociais? A preocupação com esse tipo de questões levou-o a refletir sobre a realidade francesa, que foi enquadrada, por um lado, em uma perspectiva histórica e, por outro lado, em uma perspectiva que chamaríamos hoje de “civilizacional”, englobando o conjunto da Europa. Para Comte, somente seria possível explicar o que ocorria na sociedade de então fazendo uma referência aos eventos sociais prévios, sendo necessário, portanto, determinar os diversos agentes sociais e suas mútuas relações. Esse procedimento – característico das investigações sociológicas – seria chamado de “filiação histórica”.

A percepção de que as sociedades têm história (ou são história) pode ser aplicada ao próprio conhecimento: o conhecimento muda ao longo do tempo e do espaço, não havendo motivo para a obtenção de um conhecimento definitivo (entendido como imutável e perpétuo). Em outras palavras, o conhecimento é relativo, no duplo sentido do sujeito que conhece e do objeto conhecido: cada sociedade tem seu próprio conhecimento, informado por suas tradições e sua história e adotando perspectivas específicas para conhecer aspectos também específicos da realidade.

O estudo científico da sociedade exige a compreensão do conjunto social: para a análise das partes é necessária uma visão do todo. Mais especificamente: não apenas a unidade básica de análise sociológica no positivismo comtiano não são os indivíduos (mas as famílias), como a visão de conjunto requer que se vá além do estudo da sociedade em um momento específico, abarcando o conjunto da história. Em outras palavras, a visão de conjunto deve conjugar os dois eixos de análise, o diacrônico e o sincrônico. Na verdade, é por meio da história que se percebe como a sociedade é de fato maior que os indivíduos e qualquer política social séria deve levá-la em consideração.

A visão de conjunto também deve orientar a análise filosófica: assim como houve sínteses filosóficas sob a teologia e sínteses filosóficas sob a metafísica, a ciência requer sua própria síntese filosófica. A ciência, todavia, é por definição um empreendimento analítico, que avança por partes e somente na medida em que é parcial; a visão de conjunto deve ser, necessariamente, filosófica e historicamente informada, considerando o conjunto da existência humana: na verdade, esse poderia ser um resumo de duas linhas do projeto comtiano.

Há que se distinguir a ciência da cientificidade e da positividade. Embora em termos gerais cada um desses termos possa ser tomado como sinônimo no pensamento comtiano (em particular nas primeiras obras), cada um deles tem um significado específico. “Ciência”: esse termo não se refere simplesmente ao conjunto de conhecimentos que se tem a respeito de alguma coisa, como quando se fala em “Ciência do Direito”, “Ciências Contábeis” ou na contradição em termos que é a expressão “Ciências da Religião”. Uma ciência é um conjunto de princípios 1) gerais e 2) abstratos 3) a respeito de uma categoria específica de fenômenos e 4) que permitem a previsibilidade. Assim, não há ciências concretas, apenas ciências abstratas; princípios empíricos ou a mera coleção de fatos e acontecimentos não são ciência.

A possibilidade de formular hipóteses que orientem a conduta e que sejam testadas na prática, obtendo resultados que modificarão as hipóteses iniciais – isso, grosso modo, é a cientificidade.

Contudo, a existência humana é maior que a ciência; o ser humano não é somente, nem principalmente, a inteligência: mais amplo que a ciência ou a cientificidade e dando conta dessa realidade humana complexa é o “espírito positivo”. No sistema comtiano, a palavra positivo possui sete significados (COMTE, 1899, p. 25): real, útil, certo, preciso, orgânico, relativo e simpático. “Real” em oposição a completamente fantasioso; “útil” em oposição ao desnecessário; “certo” em oposição ao indeciso; “preciso” em oposição ao vago; “orgânico” em oposição ao espírito destrutivo; “relativo” em oposição ao absoluto e “simpático” em oposição ao antipático (cf. BASTIDE, 1990, p. XIX).

A subjetividade humana é um elemento importante na metodologia comtiana, de duas maneiras complementares e sucessivas. Por um lado, como o conhecimento científico é relativo, a síntese filosófica só pode ser elaborada pelo ser humano e não existe fora dele, na natureza ou em alguma outra “realidade”: são sempre seres humanos que elaboram seus conhecimentos, confrontando suas necessidades e seus desejos com a realidade; dito de outra maneira, os seres humanos são, em um sentido forte, os sujeitos do conhecimento. Por outro lado, a subjetividade deve ser entendida no sentido que se dá atualmente à palavra: como afetividade e como imaginação. Augusto Comte levava ao pé da letra, em um sentido epistemológico, a máxima do filósofo francês Vauvenargues, segundo a qual “Os grandes pensamentos provêm do coração”. Cabe aqui uma citação: “[...] o princípio simpático permitiu-me instituir a verdadeira lógica, fundada sobre a combinação dos sentimentos com as imagens e os sinais; o que faz logo surgir o método subjetivo, supremo complemento da investigação humana, primeiro dedutiva, depois indutiva e finalmente construtiva” (COMTE, 1899, p. 19).

Sintetizando os elementos de sua filosofia referentes ao processo do conhecimento, Augusto Comte elaborou um conjunto de “leis”, chamado de “Filosofia Primeira”; como ele apresenta com clareza os princípios da epistemologia comtiana, reproduzimo-lo abaixo.

“Quadro das quinze leis de filosofia primeira, ou princípios universais sobre os quais assenta o dogma positivo”

“Primeiro grupo, tanto objetivo como subjetivo

1ª Formar a hipótese mais simples e mais simpática que comporta o conjunto dos dados a representar (I)

2ª Conceber como imutáveis as leis quaisquer que regem os seres pelos acontecimentos, posto que só a ordem abstrata permite apreciá-las (II)

3ª As modificações quaisquer da ordem universal limitam-se sempre à intensidade dos fenômenos, cujo arranjo permanece inalterável (III)

Segundo grupo, essencialmente subjetivo

1ª série: leis estáticas do entendimento

1ª Subordinar as construções subjetivas aos materiais objetivos (Aristóteles, Leibniz, Kant) (IV)

2ª As imagens interiores são sempre menos vivas e menos nítidas que as impressões exteriores (V)

3ª A imagem normal deve ser preponderante sobre as que a agitação cerebral faz simultaneamente surgir (VI)

2ª série: leis dinâmicas do entendimento

1ª Cada entendimento oferece a sucessão dos três estados, fictício, abstrato e positivo, em relação às nossas concepções quaisquer, mas com uma velocidade proporcional à generalidade dos fenômenos correspondentes (VII)

2ª A atividade é primeiro conquistadora, em seguida defensiva e enfim industrial (VIII)

3ª A sociabilidade é primeiro doméstica, em seguida cívica e enfim universal, segundo a natureza peculiar a cada um dos três instintos simpáticos [apego, veneração e bondade] (VIII)

Terceiro grupo, sobretudo objetivo

1ª série: a mais objetiva da filosofia primeira

1ª Todo estado, estático ou dinâmico, tende a persistir espontaneamente sem nenhuma alteração, resistindo às perturbações exteriores (IX)

2ª Um sistema mantém sua constituição ativa ou passiva quando seus elementos experimentam mutações simultâneas, contanto que sejam exatamente comuns (X)

3ª Existe por toda parte uma equivalência necessária entre a ação e a reação, se a intensidade de ambas for medida conformemente à natureza de cada conflito (XII)

2ª série: mais subjetiva que a precedente

1ª Subordinar por toda parte a teoria do movimento à da existência, concebendo todo progresso como o desenvolvimento da ordem correspondente, cujas condições quaisquer regem as mutações que constituem a evolução (XIII)

2ª Todo classamento positivo procede segundo a generalidade crescente ou decrescente, tanto subjetiva como objetiva (XIV)

3ª Todo intermediário deve ser subordinado aos dois extremos cuja ligação opera (XV)”

Fonte: Comte (1996, p. 210).

IV.2. Princípios teóricos

Em termos teóricos, podemos indicar os seguintes elementos: a(s) lei(s) dos três estados; a lei do classamento das ciências; a divisão da Sociologia em Estática e Dinâmica sociais; podemos também considerar, para os presentes fins, o reconhecimento de dois poderes na sociedade, o Temporal e o Espiritual.

Sem dúvida, a lei dos três estados é a concepção comtiana mais conhecida; de acordo com ela, todas as concepções humanas (ou seja, todas as idéias) baseiam-se sucessivamente em três princípios: a teologia, a metafísica e a positividade; além disso, a velocidade dessa passagem depende da categoria de fenômeno de que se trata: quanto mais simples e geral o fenômeno, mais rápida sua explicação deixará de ser teológica e passará a positiva; quando mais complexo e específico, mais lenta será essa passagem.

Algumas explicações suplementares são necessárias. A teologia, para Comte, consiste em qualquer forma de pensar que faz referência a divindades, ou seja, a seres voluntariosos que produzem os fenômenos mais ou menos ao seu bel-prazer: o feiticismo, a astrolatria, o politeísmo ou o monoteísmo. A teologia procura as causas primeiras e finais (“de onde viemos? Para onde vamos?”) e tem um caráter absoluto. Por oposição, a positividade é relativa e não se preocupa com as causas últimas e finais – rejeitadas como inacessíveis –; para explicar os fenômenos, faz referência às relações de sucessão e de coexistência entre os diversos eventos, ou seja, procura estabelecer leis científicas. A metafísica é uma transição entre a teologia e a positividade, compartilhando elementos de uma e de outra: deixa de lado as vontades arbitrárias, investigando os fenômenos, mas atribuindo-lhes vontade própria (são as “abstrações personificadas”); mantém-se a busca das causas primeiras e finais, assim como o seu caráter absoluto.

Para completar a leis dos três estados é necessária a lei do classamento das ciências. Conforme vimos antes, uma ciência é um conjunto de princípios gerais e abstratos relativos a uma ordem específica de fenômenos: partindo dessa definição, Augusto Comte determinou sete ciências: Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia, Sociologia e Moral. Para cada uma das ciências constituir-se, foi necessária, dos pontos de vista teórico e metodológico, a constituição prévia da(s) ciência(s) anterior(es); assim, a seqüência lógica também é uma seqüência histórica. Qual o princípio dessa classificação? Ele é duplo: generalidade descrescente e complexidade crescente. Em outras palavras, da Matemática à Moral ocorre uma particularização dos fenômenos estudados, que são cada vez mais específicos; ao mesmo tempo, ocorre um aumento na complexidade dos fenômenos, isto é, a quantidade de variáveis envolvidas aumenta mais e mais (e, com isso, as situações concretas também aumentam), ocorrendo a influência dos fenômenos mais “baixos” sobre os mais “altos”[9]. Em outras palavras, a Matemática foi a primeira ciência pois é a mais geral e a mais simples, enquanto a Moral – a ciência que trata dos indivíduos – foi a última, pois é a mais específica e a mais complicada.

A lei dos três estados, como se percebe, é epistemológica, é intelectual. Mas a natureza humana é tripla: além da inteligência, somos também afetos e ações práticas. Assim, há outras duas leis dos três estados, cujos enunciados, presentes no quadro da “Filosofia Primeira”, são os seguintes:

- “A atividade é primeiro conquistadora, em seguida defensiva e enfim industrial”: o ser humano organizou-se inicialmente para fazer a guerra de conquista (Antigüidade Clássica); depois, para a guerra de defesa (Idade Média: Carlos Magno) e, por fim, organiza-se industrialmente, procurando e exigindo a paz entre os povos.

- “A sociabilidade é primeiro doméstica, em seguida cívica e enfim universal, segundo a natureza peculiar a cada um dos três instintos simpáticos [veneração, apego e bondade]”: o ser humano organizou-se em coletividades que se baseavam em relações afetivas domésticas (clãs), com a submissão da família a um chefe; em seguida vieram as cidades e os estados-nação, em que as relações de igualdade da cidadania constituem a base dos relacionamentos e, por fim, desenvolve-se uma afetividade universal, baseada na bondade de todos para com todos.

Essas quatro leis sociológicas foram as primeiras descobertas de Augusto Comte e constituem a base da Sociologia positivista. Elas seguem os princípios metodológicos apresentados anteriormente, sendo evidente o seu caráter diacrônico, isto é, de mudança ao longo do tempo. Há que se considerar também o eixo sincrônico na Sociologia; após a Dinâmica Social (ou melhor, antes dela), é importante apresentar a Estática Social.

Augusto Comte determinou cinco instituições sociais que, variando em suas formas no tempo e no espaço, são, ainda assim, constantes em todas elas: a família, a linguagem, a religião, o governo e o sacerdócio. Ora, se conjugarmos a Estática Social com a Dinâmica Social, será fácil perceber que uma sociedade positiva deve possuir uma família, uma linguagem, uma religião, um governo e um sacerdócio positivos – isto é, humanos e relativos.

Para este artigo, queremos comentar o governo e o sacerdócio. Augusto Comte chamava-os também de poderes Temporal e Espiritual, sendo o primeiro o responsável pela manutenção da ordem civil e, eventualmente, pelos progressos materiais das sociedades; o outro é o responsável pelas idéias, pelos valores e pelas opiniões e não é difícil perceber que a legitimação do poder Temporal também faz parte das “atribuições” do poder Espiritual. Eles podem estar juntos ou separados: se estiverem juntos, o poder Temporal pode submeter o Espiritual (geralmente em regimes militares, em que os guerreiros submetem os sacerdotes), ou o contrário (em que os sacerdotes impõem-se sobre os guerreiros). De modo geral a confusão entre esses dois poderes foi a regra ao longo da história, mas no Ocidente, a partir da Idade Média, há uma separação cada vez mais acentuada entre eles, de modo que o governo tende a não professar oficialmente nenhuma crença e o sacerdócio não detém o poder político. Se adotarmos uma definição ampla de “sacerdócio” para os dias atuais, de modo que inclua, além dos diversos cleros, também os vários grupos e indivíduos responsáveis pela constituição e formação de opiniões e valores (professores, jornalistas, filósofos, publicistas diversos), não será difícil de perceber aí o princípio da separação entre a Igreja e o Estado, que é a base das diversas liberdades sociais.

V. A POLÍTICA POSITIVA

O conjunto das obras de Augusto Comte visou a constituir os fundamentos filosóficos e intelectuais para uma sociedade, ou civilização, que se constituía desde os fins da Idade Média em um duplo movimento: construtivo, com o desenvolvimento das ciências, da burguesia e do proletariado e a organização dos estados-nação, e destrutivo, com a decadência do catolicismo e da ordem feudal. Essa sociedade, que tenderia a ser pacífica e industrial, não tinha ainda uma doutrina aceita pelo conjunto das pessoas para regular e orientar as condutas e evitar e dirimir os conflitos. Além disso, o movimento foi espontâneo ao longo dos séculos, com as forças que se desenvolviam enfrentando e desafiando as forças que se viam ameaçadas: a Revolução Francesa deixou claro esse conflito e os problemas sociais daí decorrentes. A missão do Positivismo seria, então, conjugar a ordem com o progresso, permitindo que a sociedade seguisse seu desenvolvimento sem produzir anarquia, ao perceber que o progresso no fundo não cria nada de novo, mas apenas desenvolve o que já existe: “Ordem e Progresso” (COMTE, 1890; 1972a; 1972b).

Desde o início o Positivismo foi um projeto intelectual e também político: uma filosofia que deve ser, antes de tudo, socialmente útil e capaz de, por meio de uma interpretação e de uma explicação da realidade, intervir nela, mas sempre a partir e a favor das maiores liberdades (TORRES, 1997; LACERDA, 2003). Dessa forma, a usual dicotomia “conservador-subversivo”, aplicada por alguns para organizar as várias teorias sociais, não faz sentido para o Positivismo: ao invés de opor uma à outra, trata-se de superá-las, por meio de sua conjugação[10].

Dessa forma, a obra intelectual de Augusto Comte previa claramente uma atuação política, isto é, social. Mas essa atividade não misturava teoria e prática: há o momento do conhecimento da realidade (e os procedimentos específicos para isso) e há o momento da intervenção na realidade (e os seus respectivos procedimentos). Afirmar a necessária conjugação entre uma e outra não equivale a misturá-las, a subordinar uma à outra: correm esse perigo tanto o filósofo quanto o político prático.

Uma outra forma de enunciar a separação entre a teoria e a prática é afirmar a separação necessária entre os poderes Temporal e Espiritual. Como já citamos, um é responsável pela ordem civil, o outro, pela formação de valores e opiniões. Sem valores, não existem sociedades; sem ordem civil, as sociedades não se mantém. O escopo de cada um deles é diferente e complementar.

Nas sociedades ocidentais contemporâneas, a separação entre os dois poderes, ou entre a Igreja e o Estado, assume a maior importância, na medida em que é a base de todas as liberdades públicas: sem as liberdades de pensamento e de expressão, não é possível a discussão pública das idéias e a organização social; também não é possível a crítica ao Estado e, portanto, aos eventuais excessos por ele praticado. A confusão entre a Igreja e o Estado resulta em um poder Espiritual degradado e em um poder Temporal tirânico (ou mesmo totalitário) (LACERDA, 2004).

Por fim, não é exagero ampliarmos o conceito do poder Espiritual para o de “sociedade civil”, conforme tem sido utilizado mais recentemente: o verdadeiro contraponto ao poder exagerado do Estado é a própria sociedade que se organiza e manifesta-se (PICKERING, 1999).

A escrupulosa separação entre os dois poderes foi uma das mais constantes e importantes propostas de Augusto Comte. Importante em si mesma, ela também é um meio para outras medidas, entre as quais a incorporação do proletariado à sociedade: Comte dizia que o proletariado de sua época estava “acampado nas cidades” mas que, dando a maior contribuição material, em termos numéricos, para a sociedade, deveria receber os frutos dessa contribuição.

A “incorporação do proletariado” – ou sua “inclusão”, como se diz hoje – seria a principal preocupação prática de uma república social. O que seria “incorporar o proletariado”? O recebimento de salários adequados para 1) a aquisição de moradia, para 2) famílias de pai, mãe, filhos e avós, com 3) uma jornada de trabalho não superior a oito horas diárias, a fim de 4) o proletariado poder dedicar-se tanto à família quanto aos amigos, 5) desenvolvendo-se intelectual e moralmente. Esse programa era – e ainda é – extremamente ambicioso e ainda não foi atingido, exceto em alguns poucos países do mundo; além de prever o progresso material, leva em consideração os âmbitos da vida das pessoas que constituem o que geralmente se entende por felicidade (LAGARRIGUE, 1920).

Subjacente a essas propostas está a premissa de que a riqueza é produzida socialmente e que, portanto, deve ser aplicada de acordo com critérios sociais. Augusto Comte criticava o “comunismo” (isto é, as idéias dos “socialistas utópicos”, embora pudéssemos incluir aí também as do marxismo) e o estatismo total, reconhecendo que a sociedade deve organizar-se autonomamente, mas isso não equivale a propor o “Estado mínimo” ou que um darwinismo social deve imperar na sociedade (LACROIX, 2003): a proposta comtiana é a da responsabilidade social das empresas.

Uma “justa medida” entre as preocupações sociais e as inclinações e iniciativas individuais caracteriza a política positiva (PEREIRA, 2003), conforme proposta por Augusto Comte. Como veremos na seqüência, além de necessária para a sociedade, essa justa medida tem uma base psicológica – ou, nos termos comtianos, moral.

VI. MORAL POSITIVA

Sem esgotar as questões discutidas por Comte, é importante indicar um último aspecto de seu pensamento: a importância concedida à Moral, isto é, à educação.

Augusto Comte percebia a natureza humana como sendo tríplice: afetos, inteligência e atividade prática. Desses três, o mais importante são os afetos, a subjetividade, na medida em que são eles que põem em movimento o ser humano, que o fazem agir; a inteligência atua como intermediária nesse processo, indicando as maneiras de satisfazer os afetos: “agir por afeição e pensar para agir”. Todavia, não se deve perceber a inteligência de maneira meramente instrumental: conforme indica a lei dos três estados, a realidade – que de qualquer maneira impõe-se ao ser humano – é cada vez mais conhecida e reconhecida: “a inteligência deve ser ministra do coração, não sua escrava”.

Assim, o próprio Augusto Comte reconhecia a justeza da fórmula de Pascal: “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Em outras palavras, um passo interessante no pensamento comtiano é o que indica que o ser humano não é totalmente racional; mas dizer que o ser humano não é totalmente racional não equivale a afirmar sua irracionalidade: equivale a dizer, sim, que os elementos afetivos são fundamentais (ou seja, constituem seu fundamento) no ser humano e que a inteligência é instrumental para os afetos.

Idéias que correspondam à realidade são importantes (e, como vimos, essa correspondência é sempre relativa), mas antes da inteligência está o “coração” e é ele que deve ser objeto de atenção. Como é o coração? Entra aí a definição positiva de “alma humana”, que é o conjunto das funções cerebrais referentes à afetividade, à inteligência e à atuação prática.

No que se refere às funções afetivas, Comte determinou um total de dez: sete egoístas (relativas estritamente à satisfação do indivíduo) e três altruístas (relativas à preocupação das pessoas com os demais). Ao contrário das teologias cristãs, para quem o ser humano é naturalmente mal e apenas por obra e graça divinas pode tornar-se bom, o Positivismo considera que os homens têm pendores que consideram mais a ele mesmo e pendores que o fazem considerar mais aos demais; dessa forma, a maldade seria o excessivo egoísmo, ao passo que a bondade seria o altruísmo. Aliás, foi para afirmar a existência natural de pendores de generosidade, de consideração pelos outros que Augusto Comte criou a palavra “altruísmo”.

Com fins didáticos e lógicos, Comte estipulou os seguintes pendores egoístas: nutritivo, sexual, materno, destruidor, construtor, orgulho e vaidade; já os altruístas são os seguintes: apego, veneração e bondade. Esse seqüência indica também a ordem de força de cada um: as preocupações nutritivas são as mais fortes, a bondade é o pendor mais fraco.

Todos eles fazem parte do ser humano e não há nem como nem porquê os negar ou extirpá-los, em especial os egoístas (que seriam os “ruins”). Todos eles são úteis e necessários ao ser humano, tomado como indivíduo ou como espécie. A questão é disciplinar sua atuação, não deixando que os pendores egoístas oprimam os altruístas, nem deixando que as motivações humanas sejam apenas egoístas. Assim, acima de tudo o Positivismo é um sistema de moral e de educação e a regra da moralidade para Comte é esta: comprimir (não reprimir, nem negar) os instintos egoístas e estimular os altruístas.

Nas ações práticas sempre há motivações egoístas – esse é o espaço da manutenção do ser humano, do poder e da riqueza –; motivações altruístas nessa área é possível, mas a regra são as motivações egoístas. Assim, a moralidade nas ações práticas (isto é, a política e a economia) deve dar-se pela orientação altruísta das ações necessariamente egoístas. Para ilustrar a idéia: ter lucro é legítimo, desde que não seja às custas do bem-estar alheio e mesmo do meio ambiente (uma preocupação que já estava presente em Comte).

O altruísmo pode ser verificado com toda a clareza nas relações familiares. Na verdade, é na família que se verificam as relações afetivas e a socialização via sentimento na Sociologia comtiana. Ações desinteressadas, isto é, plenamente altruístas, são possíveis antes de mais nada e acima de tudo na família, nos diversos laços existentes no ambiente doméstico. Daí a importância central que Comte dava à educação e, em particular, às mães, percebidas como formadoras de caracteres.

Comte adotava a idéia de que o uso dos órgãos desenvolve-os e que a falta de uso atrofia-os. O mesmo acontece com os pendores, de modo que o exercício da moralidade é constante e ininterrupto na vida de todos. Mais especificamente, cada idade tem suas próprias características, de modo que o exercício da moralidade deve ser adequado a cada uma delas.

VII. Conclusão: Positivismo, CIENTIFICISMO E HUMANISMO

Este artigo procurou apresentar alguns aspectos da obra comtiana. Foram dois os critérios que nortearam a seleção dos aspectos apresentados: a importância do assunto para o próprio sistema positivista e a importância social e acadêmica de algumas questões; nas preocupações acadêmicas, procuramos igualmente responder positivamente algumas críticas sofridas pela obra de Comte. Essas críticas não foram apresentadas como tais para manter o ritmo do texto e, seguindo a sugestão de Comte – de adotar uma perspectiva “positiva” –, indicar como a resposta a elas está presente com coerência no Positivismo. A título de conclusão, mudaremos esse critério e comentaremos diretamente algumas críticas recebidas pelo sistema comtiano.

Todo sistema filosófico, toda idéia pode ser ou é objeto das mais variadas críticas, formuladas a partir de perspectivas e preocupações diferentes entre si. Em uma sociedade que se pretende pluralista e aberta ao debate – diríamos: “positiva” –, isso é normal e esperável. Contudo, receber as críticas e afirmar sua legitimidade não é o mesmo que concordar com elas.

Embora percebamos a carreira de Augusto Comte como uma única, ainda que marcada por várias fases, notamos na seção biográfica deste artigo que essa interpretação não é consensual. Há os que consideram que a carreira de Comte sofreu, mais que inflexões – particularmente com a publicação do Sistema de política positiva, em que o autor apresentou sua Religião da Humanidade, fundou a Moral e expôs o seu humanismo –, uma ruptura, que separa a parte científica, “aceitável”, da parte religiosa, vista como insana ou intelectualmente degradada.

Essa interpretação foi mais exitosa do que se poderia imaginar, pois 1) difundiu o mito de um Augusto Comte “louco” ou “místico”; 2) resumiu o Positivismo à parte “científica”, que é a mais (ou a única) conhecida, e 3) desprezou aprofundamentos e idéias que permitiram a Comte transformar o Positivismo, de uma filosofia das ciências, em uma interpretação geral e compreensiva do ser humano, com uma política a ser aplicada. Todavia, o próprio Comte considerava o Sistema de filosofia positiva uma longa introdução: necessária, mas secundária. O mais importante de sua carreira filosófica e sociológica está na parte “religiosa”, pois é nela que se encontram as propostas para uma sociedade positiva, com as várias sugestões indicadas acima.

A Retórica e a Lógica há muito conhecem o “sofisma do espantalho”: reduz-se um raciocínio complexo e refinado a um conjunto esquemático e pobre de afirmações, a um espantalho, a fim de criticar não o raciocínio inicial, mas o esquema elaborado. Ora, as críticas correntes (inclusive muitas eruditamente acadêmicas) que afirmam ser o Positivismo comtiano somente uma filosofia das ciências, que considera a Sociologia um ramo da Física, objetivista e “desinteressada”, cuja conseqüência política seria transformar a sociedade em um objeto de manipulação pela fria racionalidade técnica, adotam o sofisma do espantalho para a interpretação cientificista da obra de Comte.

O Positivismo “verdadeiro” percebe a obra comtiana em sua inteireza. Adotada essa perspectiva, o resultado é a afirmação de um humanismo radical. Esse humanismo afirma a capacidade humana de desenvolver seu altruísmo inato, de viver pacificamente (regulando e resolvendo pacificamente seus conflitos), a partir do conhecimento da realidade cósmica e humana, em um ambiente sócio-político da mais absoluta liberdade espiritual, com um Estado ativo e capaz de implementar as medidas necessárias para o desenvolvimento social mas, ao mesmo tempo, uma sociedade civil forte e ativa, igualmente realizadora e capaz de mobilizar-se e moderar e fiscalizar o Estado. É curioso perceber que esse conjunto de idéias e propostas é um dos motivos, se não o principal, porque Augusto Comte é criticado e combatido: o humanismo comtiano, ao afirmar esses valores, opõe-se de uma única vez às diversas teologias e às metafísicas diversas (incluindo aqui o marxismo e, por extensão, o comunismo).

Para Comte – e ao contrário do que se difunde a seu respeito – , a ciência não é uma nova divindade, surgida por meio da ação humana para substituir os antigos deuses, grego-romanos ou os monoteísmos abraâmicos. A ciência é uma forma de conhecer a realidade a partir da discussão pública de todas as suas etapas que, além disso, permite que o ser humano aumente sua liberdade. Na concepção comtiana, tornar as sociedades mais científicas – ou melhor: em seu linguajar, mas positivas – não é o mesmo que as tornar tecnocráticas ou desumanizadas, mas, justamente ao contrário, é torná-las mais justas, mais cuidadosas com todos os cidadãos. Melhorar as sociedades somente é possível se as sociedades forem conhecidas – e esse conhecimento só é possível por meio da ciência. Por outro lado, a ciência não é um fim em si mesma: assim como a instituição social chamada “capital”, ela deve subordinar-se a fins sociais, conforme ilustra a fórmula: “saber para prever, a fim de prover”: o conhecimento deve permitir ao ser humano satisfazer suas necessidades, sejam elas materiais, sejam elas intelectuais, sejam elas “espirituais”.

Gustavo Biscaia de Lacerda (gblacerda@ufpr.br) é Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutorando em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sociólogo da UFPR, bolsista do CNPq e Editor-Executivo da Revista de Sociologia e Política (UFPR) e Editor-Assistente da revista Política e Sociedade (UFSC).

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Outras fontes

Auguste Comte et le positivisme: http://membres.lycos.fr/clotilde/



[1] Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista Sociologia, Ciência e Vida.

[2] Um exemplo notável dessa descaracterização é a seguinte afirmação de um brasilianista norte-americano, Thomas Glick: “O positivismo não é uma filosofia estrito senso, mas é principalmente um conjunto de princípios gerais apropriados por indivíduos ou grupos para legitimar objetivos ideológicos intelectuais específicos ou políticos” (GLICK, 2003, p. 181). Ou seja: retomando a velha perspectiva marxista (dita “crítica”), para esse autor o Positivismo não tem cidadania filosófica ou científica própria, mas é simplesmente um instrumento de dominação e manipulação.

[3] Uma outra dificuldade – sintomática, aliás – que se apresenta para o conhecimento da obra de Comte e a reflexão a respeito dela no Brasil é a seguinte: são poucos os seus livros traduzidos para o português, talvez cerca de 10%; todo o restante permanece em francês e restrito a bibliotecas especializadas.

[4] Exceto em momentos específicos, evitamos as citações de Comte, preferindo uma apresentação global e menos poluída. Para outras apresentações da doutrina positivista, sugerimos, além do próprio Comte (1996), as obras de Longchampt (1956), Aron (1999), Destefanis (2003) e Lacroix (2003).

[5] Para escrever esta seção baseamo-nos em Lonchampt (1959) e em Pickering (1993).

[6] Como se lê em diversos trechos de As regras do método sociológico, esse tipo de crítica foi iniciado por Émile Durkheim.

[7] O positivismo comtiano, em discussões genéricas sobre a ciência, é confundido com o Positivismo Lógico, considerado “positivismo tout court” (no contexto da Ciência Política, cf., p. ex., FERES JR., 2000, p. 100ss.; BALL, 2004, p. 12ss.). Entretanto, além de algumas importantes características comuns (a rejeição da metafísica, a análise filosófica da ciência, a afirmação do valor da ciência para a vida humana), ambos guardam poucas relações – e, como indicou Ayer (1959, p. 3), mesmo o Positivismo Lógico foi um movimento com diversos e importantes matizes. Aliás, sintomática da relativamente pequena influência da obra de Comte sobre o Neopositivismo é a quantidade de vezes que a palavra “Comte” aparece no livro de Ayer, uma coletânea de 18 textos e pouco mais de 450 páginas: apenas duas (e de passagem). Mesmo Marx é mais citado (três vezes).

[8] Todavia, algumas obras procuram esclarecer os aspectos específicos de cada uma dessas correntes, diferenciando-as do Positivismo comtiano: para o Positivismo Jurídico, cf. Bobbio (2001); para o Positivismo na História, cf. Reis (2004); para o Positivismo Lógico, cf. Ayer (1959) e Giddens (1998).

[9] A confusão nos níveis explicativos dos fenômenos levou Augusto Comte a definir o materialismo e o espiritualismo da seguinte maneira: o materialismo explica os fenômenos mais nobres pelos mais grosseiros (por ex., explicar a sociedade por meio dos números), ao passo que o espiritualismo explica os mais grosseiros pelos mais nobres (por ex., explicar as operações matemáticas pelos elementos sociais).

[10] Cf. Peixoto (s/d) para uma defesa rápida da dicotomia “conservador-subversivo”. É importante lembrar que os proponentes dessa dicotomia assumem romântica e vagamente a “subversão” como algo positivo e supostamente “progressista”: sem uma definição precisa, resta que “subversivo” é tudo aquilo contrário ao “capitalismo” (e é claro que, por definição, o capitalismo não presta nem jamais prestará). Não há nada de novo em que a maior parte da esquerda inclui-se nesse grupo, bem como a quase totalidade dos marxistas, mas é motivo de espanto que sociólogos repitam essa classificação nos dias atuais como se tivesse algum caráter científico!